“Mãe, não vou mentir e dizer que estamos completamente bem. Pois, o silêncio da sua ausência, ele incomoda demais”

Damião Tenório lê carta para a mãe, Eulina Gomes, que morreu de Covid-19 aos 57 anos no Rio de Janeiro (RJ)

“A sua partida tão nova, tão precoce, nos destruiu”

Maria Abadia Dias lê carta para a filha Juliana Rodrigues, que morreu de Covid-19 aos 26 anos em Goiânia (GO)

“Está chegando o Dia das Mães. Este ano não teremos presentes. Não teremos almoços. Não teremos nada”

Cláudia Silva lê carta para a mãe, Maria Lúcia Silva, que morreu de Covid-19 aos 77 anos no Rio de Janeiro (RJ)

“Ainda é muito absurdo pensar que você não está mais aqui. Fica bem, mãe. Agora tudo passou para você. Eu vou dando o meu jeito por aqui. Com todo o meu amor”

Fernanda dos Santos lê carta para a mãe, Miriam Amaral, que morreu de Covid-19 aos 54 anos em Manaus (AM)

“Fernanda”

“Wagner”

“Damião”

“Taís”

O som do luto

O Metrópoles convidou mães e filhos para lerem textos em homenagem às matriarcas que perdemos na pandemia

Por Bruno Menezes, Galtiery Rodrigues,Henrique Santiago, Leandro Barbosa09/05/2021 5:30

O Dia das Mães, comemorado neste domingo (9/5), deixou de ser uma data comemorativa para milhares de brasileiros. Após o Brasil ultrapassar 415 mil mortes durante a pandemia, mães choram a perda de seus filhos e filhos choram a perda de suas mães para a Covid-19.

Entre o conformismo de uns e a revolta de outros, existe, no limiar dos sentimentos, a impotência por pensarem que a partida poderia ter sido evitada se a vacinação tivesse sido agilizada no país.

A crise decorrente do coronavírus mexeu com a cabeça da população brasileira. Segundo estudo realizado em abril deste ano pela Ipsos, para o Fórum Econômico Mundial, que contou com a participação de 30 países, 53% dos habitantes do Brasil sentiram piora na saúde mental desde a chegada da doença. No geral, o país amargou a quinta posição na lista, atrás de Turquia (63%), Hungria (61%) e Chile (56%).

Entre as manifestações de pesar está o luto, pontua a psicanalista e doutora em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), Helena Lima.

“Hoje, só nos resta a saudade, sei que muitos outros filhos também passarão este Dia das Mães sem suas rainhas, que muitos outros filhos tiveram a vida de suas mães tiradas por essa doença.”

Wagner Pedrosa lê carta para a mãe Maria Irene Pedrosa que morreu de Covid-19 aos no Rio de Janeiro (RJ)

Na sua leitura, esse sentimento pode ser expresso, sobretudo, na impossibilidade colocada pela Covid-19 de participar de rituais que envolvem a morte, de uma simples compra de coroa de flores a um sepultamento com lágrimas e abraços compartilhados.

“Essa é uma parte importante do ritual para assimilar o impacto da morte. Se uma pessoa não faz isso, ela acumula energia psíquica porque não pode extravasar seus sentimentos”, explica Helena.

Segundo ela, esse colchão de ausências pode desencadear duas condições perigosas, chamadas de lutomaníaco e tarefismo. Enquanto o primeiro nega a gravidade da morte com discursos brandos, o segundo entra em modo tarefa para ocupar a mente com afazeres domésticos.

“Isso é tão prejudicial, porque alguém nega a dor que sentiu e essa ‘conta’ chega em algum momento. E aí surgem os pesadelos, sintomas de síndrome do pânico e depressão. O mais comum é a melancolia, o estado mórbido em que a pessoa perde a psique, não sente vontade de tomar banho ou comer”, exemplifica.

“No Dia das Mães, sua ausência completa 36 dias. São 36 dias de silêncio na casa. Trinta e seis dias sem cheiro de café na cozinha. Trinta e seis dias sem te contar como foi o dia no trabalho. Trinta e seis dias de silêncio ensurdecedor sem o barulho das máquinas de costura e você perguntando se o vestido novo ficou bonito.”

Taís Rosa lê carta para a mãe, Dirce Rosa, que morreu de Covid-19 aos 68 anos em Curitiba
Dirce Rosa com duas filhas // Foto: Arquivo Pessoal

Essas sensações se exacerbam no segundo domingo de maio, dia em que mães deveriam ser abraçadas por seus filhos. O Metrópoles compartilha histórias de brasileiros que perderam motivos para comemorar o Dia das Mães.

O portal pediu para os leitores enviarem cartas às suas mães vítimas de Covid-19. A reportagem recebeu 25 áudios enviados pelas redes sociais ou diretamente aos jornalistas. Algumas cartas estão pinçadas neste especial e no pé da página se encontram todos os depoimentos recebidos.

“Eu estou mandando esta mensagem só para a gente conversar, para a gente se falar um pouco, para falar um pouco como a gente está. Eu acredito que você está melhor, que você está bem. Mas a gente vai ficar bem.”

Gustavo Oliveira lê carta para a mãe, Vera Lúcia, que morreu de Covid-19 aos 52 anos em São Bernardo do Campo (SP)

A maior saudade de Gustavo Soares de Oliveira é ouvir a risada de sua mãe. É presenciar mais uma vez o momento em que sua gargalhada preenchia os cômodos da casa quando pegava o neto de 5 anos no colo para fazê-lo rir. Mas a espontaneidade de Vera Lúcia Soares foi interrompida pela Covid-19 em abril deste ano.

Quando atendeu o Metrópoles, na noite de terça-feira (4/5), o filho caçula de três irmãos havia acabado de sair de sua primeira sessão de terapia on-line, uma tentativa inédita de desafogar o recente luto.

Ele topou conversar sobre a perda da matriarca por entender que ela não foi homenageada em sua despedida, numa cerimônia apressada e desprovida de sentimentos, como mandam as regras dos tempos atuais.

Foto: Fábio Vieira

Aos 25 anos, o advogado se pergunta o que será de suas conquistas futuras sem a mãe para se orgulhar, pois teve sua vida encurtada aos 52. No início da pandemia, ele retornou à casa onde cresceu, em São Bernardo do Campo (SP), com o objetivo de passar mais tempo com a família.

Na volta ao lar, percebeu que Vera Lúcia levava muito a sério a pandemia, a ponto de ser alvo de piadinhas de mau gosto entre parentes. Ela passava por cima de brincadeiras sem graça e reforçava o distanciamento social e o uso de máscara de proteção e álcool em gel. Os cuidados redobrados, entretanto, não a impediram de ser infectada pelo novo coronavírus.

Ele conta que seu pai, dono de uma floricultura, foi contaminado no trabalho e levou a doença para dentro da morada. Oliveira recorda que, inicialmente, a mãe cumpria os afazeres diários de uma dona de casa com certa dificuldade, mas sem se queixar de intempéries. O diagnóstico positivo para Covid-19 veio em 27 de março, e ela foi internada na semana seguinte.

Por 15 dias ele viveu o pesadelo diário de acordar em horários desregrados para ter notícias da mãe. Vera Lúcia ficou 12 dias em um leito de unidade de terapia intensiva (UTI), foi intubada, teve infecção urinária e sofreu quatro paradas cardíacas.

Foto: Fábio Vieira

Na última delas, os médicos tentaram reanimá-la por 40 minutos, porém, sem sucesso. Ela faleceu à 0h10 de domingo (18/4).

Em algum momento, o filho acreditou que a mãe se recuperava da doença, como aconteceu com outros familiares. Ele sonhava com o dia em que gravaria um vídeo dela saindo pela porta da frente do hospital com uma placa “Eu venci a Covid” em mãos.

Segundo os médicos, o quadro clínico dela era estável, o que era reforçado com sua disposição para se alimentar, ir ao banheiro sozinha e conversar.

Eles falavam sobre trivialidades, às vezes o papo virava um monólogo, para evitar que Vera forçasse os pulmões comprometidos pelo vírus. Até mesmo a partida de Agnaldo Timóteo, vítima da Covid-19 em 3 de abril, era assunto para quebrar o silêncio.

Foto: Fábio Vieira

“Eu dei um tchau normal no último dia que falei com ela, era domingo de Páscoa. Eu não tinha dimensão das coisas, nunca achei que isso [a morte dela] fosse acontecer”, disse.

Na vida pré-Covid, Vera Lúcia era a típica mãe coruja com o caçula. Em meio à rotina de trabalho remoto, Oliveira era notificado por emojis no WhatsApp para informar que era hora de tomar café. Era a deixa que ele precisava para fazer uma pausa e papear por alguns minutos.

A discrição com que se comunicava em aplicativos de mensagem era idêntica ao seu modo de viver. Ela não gostava de tirar muitas fotos, fazia o tipo mãezona caseira, e terceirizava o protagonismo de datas como o Dia das Mães, em que preferia celebrar o aniversário da filha mais velha, no início de maio.

Talvez os momentos em que ela mais se fazia ser vista eram nos corais da igreja que frequentava, quando cantava aos domingos. A fé, aliás, a acompanhou até os últimos momentos de sua vida. Vera pedia ao filho que ligasse a TV para assistir à missa matutina no leito hospitalar – e dava bronca em quem insistisse em rezar pessoalmente nos templos.

É inevitável pensar que a mãe poderia estar viva, caso a vacinação avançasse para públicos além dos prioritários. Atualmente, os sentimentos de Oliveira se confundem entre tristeza e revolta, mas ele tem preferido descarregar sua energia de outras formas.

As sessões de terapia são apenas uma das alternativas, que vieram acompanhadas por meditação, refúgio em uma chácara e menos uso de redes sociais para encarar a perda.

Oliveira não pensa duas vezes para responder o que falaria para Vera Lúcia hoje, se estivesse viva. “Eu diria que a amo muito. Parece bobo, mas a gente não era de dizer muito isso. Ela demonstrava o amor nas pequenas ações do dia a dia”, reflete.

Daqui em diante, Gustavo Soares de Oliveira pretende dar um novo significado para sua vida buscando uma nova casa. Ele sente a dor das memórias visuais de sua mãe em cada canto do lar, e soluça ao dizer que nunca mais poderá vê-la ali. Se tem uma lembrança que jamais esquecerá é a risada que animava quem estivesse por perto.

“Ele me servia muito, sabe? O telhado dessa casa foi ele que fez. A eletricidade dessa casa foi ele que fez pra mim. Ele disse que fez como presente de aniversário.”

Irma Bizo lê carta para o filho Sérgio Bizo que morreu de
Covid-19 aos 59 anos em São Paulo (SP)

É uma fala geracional a que nenhuma mãe quer enterrar um filho. Mas Irma Demori Bizo sequer teve a chance de fazê-lo. Aos 81 anos, ela perdeu o primogênito para a Covid-19, e despediu-se dele apenas com sua imagem na memória.

“Homem trabalhador”, como a mãe faz questão de dizer, Sérgio Aparecido Bizo faleceu aos 59 anos, em 5 de fevereiro deste ano. Mesmo com a pandemia, o encanador industrial de formação trabalhava por conta própria em obras, bicos e o que mais aparecesse pela frente. Foi nas tantas idas e vindas para pagar as contas no fim do mês que ele contraiu a doença.

Irma, que vive sozinha em uma casa no Jardim Belém, na zona leste de São Paulo, frequentemente recebia a ajuda do filho nas compras para o lar. Os favores, porém, vieram acompanhados de reclamações de dores no corpo, febre e vômito no início do ano.

Eles conversavam diariamente por ligações e mensagens no WhatsApp, e essa virou a única forma de comunicação após Sérgio notar os sintomas compatíveis com a Covid-19. Irma lembra a última vez que viu o filho: 20 de janeiro de 2021.

Foto: Fábio Vieira

“Ele pediu que eu não fosse à casa dele, por medo da doença. Pedi para meu filho mais novo levar banana e beterraba para fazer vitamina e recuperar as forças, mas ele foi internado em seguida”, recorda.

Em um intervalo de 10 dias, a situação de Sérgio se agravou a ponto de ele ser intubado, uma realidade sofrida por milhares de famílias brasileiras. Irma era informada fielmente por mensagens todos os dias pelas netas. Às 17h30 de 5 de fevereiro, uma sexta-feira, ela recebeu a notícia que jamais esperava ouvir: seu filho havia sofrido uma parada cardíaca e falecido.

Por conta da idade e do emocional abalado, Irma ficou em casa no dia do sepultamento do filho mais velho. As lembranças ficaram restritas à sala de estar onde Sérgio se aprochegava para dormir no sofá. “Eu ligava cedo para ele e ele me respondia ‘já tô indo, mãe. Bom dia!’. Quando vejo as nossas conversas no WhatsApp, sinto saudade.”

Desde então, ela tem se esforçado diariamente para recuperar o ânimo. Como os outros quatro filhos trabalham, o tempo de conversa fica restrito a minutos.

Sozinha em sua casa, a idosa se distrai com a programação da TV e a leitura de versos da Bíblia. Na nova rotina que constrói, ela mantém fielmente uma ação diária: beijar o porta-retratos com a foto de Sérgio.

Foto: Fábio Vieira

Entretanto, ela não se furta a sentir a dor da perda quando lembra dos planos do filho. Irma diz que ele planejava casar ainda em fevereiro com a companheira, uma namorada da igreja. Ambos frequentavam o mesmo templo evangélico e queriam viver sob o mesmo teto a partir de 2021.

“Ele era bonitão, vestia terno e gravata para ir à igreja aos domingos”, ela constrói uma memória visual do filho e se silencia por alguns segundos.

Foto: Fábio Vieira

No final de maio, Irma receberá a segunda dose da vacina contra a Covid-19. Sem pestanejar, ela diz que a primeira coisa que vai fazer é visitar o túmulo de Sérgio, onde seu pai e outros integrantes da família estão enterrados em um jazigo, e deixar uma lembrança para o primogênito.

“Eu vou levar umas flores para ele. Ele adorava plantar na casa, flor de laranjeira. Aqui em casa tem um pé de alecrim que ele trouxe. Meu filho tinha a mão boa para plantar”, encerra.

“Você foi vítima dessa bagunça, mãe. Dessa desordem que tomou conta deste país. A gente acorda torcendo para não ter mais nenhum obituário para ler, mais uma história de alguém que teve que esperar por uma UTI, como a senhora, de alguém que foi levado pela Covid.”

Cláudia Silva lê carta para a mãe, Maria Lúcia Silva, que morreu de Covid-19 aos 77 anos no Rio de Janeiro (RJ)

Parceira de todas as horas, nas tristezas e nas alegrias, entre as principais, o samba, Maria Lúcia Silva, de 77 anos, é lembrada diariamente pela jornalista Cláudia Silva, que mesmo sabendo que não vai cumprir a promessa totalmente, escreve para a mãe dizendo que tentará fazer da data um momento de celebração pelo que ela representou para toda a família durante o tempo em que esteve ao lado de todos.

Foto: Arquivo Pessoal

“Sentirei muitas saudades de você e vou esquecer a tristeza que tomou conta de mim lembrando da sua alegria, da sua força e da minha companheira de Carnaval, que só saía do Sambódromo da Marquês de Sapucaí ao meu lado depois de encerrada a última escola”, lembra Cláudia, a quem a Maria Lúcia acompanhava todos os anos nos quais trabalhou na festa popular. “A alegria dela contagiava e ela era a última a querer sair de lá”, completa.

Foto: Arquivo Pessoal

Maria Lúcia foi internada dia 9 de abril e morreu quatro dias depois, no dia 13, após uma oclusão intestinal. Ela esperou cerca de 24 horas por uma vaga de UTI em um hospital particular na zona sul do Rio.

A superação e a necessidade de seguir em frente, assim como elas faziam ao serem confrontadas pelas adversidades, também são celebradas e se transformam em promessas usadas como motivação por seus filhos.

“Juliana, você partiu muito cedo, fia. Pelo Joaquim, o filho que você deixou, eu, sua mãe, estou buscando forças, forças em Deus para criar o seu filho, porque você que era a minha continuidade, me deixou, filha; por esse vírus, por essa doença do mal que secou as nossas vidas.”

Maria Abadia Dias lê carta para a filha Juliana Rodrigues que morreu de Covid-19 aos 26 anos em Goiânia (GO)
Foto: Vinícius Schmidt

O parto prematuro e a Covid-19 separaram a mãe do filho. Este seria o primeiro Dias das Mães em que Juliana Rodrigues Dias, de 26 anos, não seria apenas uma filha, mas também uma mãe. Diagnosticada com Covid no oitavo mês de gravidez, ela não resistiu às complicações da doença e faleceu 15 dias depois de dar à luz Joaquim Rodrigues Dias, hoje com 2 meses de vida.

Foto: Vinícius Schmidt

O bebê nasceu saudável, no dia 5 de março, e vive, desde então, sob os cuidados da avó Maria Abadia Rodrigues, de 45 anos, em Campos Verdes, cidade que fica no norte de Goiás. Para Maria, a filha era sinônimo de esperança e “a certeza de uma velhice acolhedora”. Ela era engenheira civil e trabalhava na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDS).

A partida de Juliana, tão jovem, revirou as vidas e as lógicas das relações maternais na família. Nessa história de luto, Joaquim perdeu a mãe, Maria Abadia perdeu a filha e ambos, avó e neto, encontram hoje o amparo necessário na existência de um e outro. Sem a filha, Maria busca forças e promete: “Vou criá-lo e darei continuidade a sua história”.

Foto: Vinícius Schmidt

“Oi mãe, bença! Mãe, essa palavrinha que os filhos pronunciam tanto ao decorrer do dia, mas, às vezes, a gente, como filho, não pensa o tanto que é importante essa palavra. Sem pensar o quanto ela é valiosa e o quanto muitos, assim como eu, gostariam tanto de poder chamar “mãe?!” e ela responder: ‘Oi, filha’.”

Vivian Cristina lê carta para a mãe, Louceni Passos, que morreu de Covid-19 aos 61 anos em Goiânia (GO)

A cada consulta ou sessão de quimioterapia da filha, diagnosticada com câncer de mama, lá estava ela, a mãe Louceni Passos, de 61 anos. Ela fazia questão de acompanhar, estar presente e cuidar da filha Vivian Passos, 40, surpreendida em junho de 2020 com o diagnóstico da doença.

Foto: Vinícius Schmidt

Quatro meses depois, em outubro, foi a vez de Louceni se ver na condição de paciente, após testar positivo para Covid-19. Ela era servidora do estado, trabalhava no Instituto de Criminalística, em Goiânia (GO), e morreu no dia 21 de outubro, após piora do quadro de saúde e internação numa unidade de terapia intensiva do Hospital das Clínicas.

Desde então, a filha, que segue o tratamento contra o câncer, tenta resistir e se apegar aos detalhes da rotina que remontam à presença da mãe. Tudo para contornar a dor e a saudade. “Gostaria tanto de poder chamar ‘mãe?!’ e ela responder: ‘Oi, filha’”, expressa Vivian.

Foto: Vinícius Schmidt

Até os áudios antigos de WhatsApp ajudam nesses momentos em que a ausência aperta. “Só o fato de ouvir a voz já me conforta”, diz. Além de Vivian, Louceni deixou também o filho, Luciano Mateus Passos, de 43 anos.

“Eu nunca pensei que, apesar de conviver e conversar todo dia com a senhora, ainda teria tanta coisa para falar. Tanto conselho para pedir e tanto para te mostrar. Você foi embora no pior momento da história mundial.”

Fernanda dos Santos lê carta para a mãe, Miriam Amaral,
que morreu de Covid-19 aos 54 anos em Manaus (AM)

Miriam Amaral dos Santos é lembrada pelo seu sorriso, sua principal marca. Ela nunca o deixava de lado, nem nos piores momentos da luta contra a Covid-19 no hospital.

Quando precisou ser transferida para um leito de UTI, Miriam insistiu que o sorriso seria a melhor forma de encarar a doença. Antes de partir para a nova ala do hospital, pediu que a filha, Fernanda dos Santos Barros, não chorasse.

Foto: Arquivo Pessoal

Vítima da Covid-19, Miriam faleceu em 10 de fevereiro de 2021. Ela tinha 54 anos e não realizou o sonho de ver os casamentos dos filhos Fernanda, 36 anos, e Carlos dos Santos Barros, 34 anos.

O sonho de cuidar dos netos também não foi possível. A incumbência ficou para o marido, Raimundo Barros dos Santos, de 64 anos.

Miriam era uma “crente fervorosa”, conta Fernanda. “Ela orava muito, mas não deixava a religião endurecê-la. Minha mãe era muito engraçada. Mesmo as coisas mais corriqueiras sempre eram novidades pra ela”, diz a filha.

Foto: Arquivo Pessoal

Miriam, Carlos e Raimundo tiveram Covid-19 ao mesmo tempo. Os três precisaram ser internados praticamente juntos no mês de fevereiro, quando o sistema de saúde havia colapsado em Manaus.

Fernanda cuidou de todos com a ajuda da tia, irmã de Raimundo, que havia perdido o marido devido à falta de oxigênio no sistema de saúde do estado. “O marido dela morreu sem ar e ela guardou a dor dela para cuidar do meu pai enquanto a minha mãe ainda estava debilitada”, conta.

O luto ainda é desafio para todos da família Barros. Na casa, tudo lembra Miriam. “Mesmo sem o cheiro de café ou som dela cantando de manhãzinha. Ela foi, sem dúvidas, a melhor mãe que uma menina podia ter”, disse.

Escute outros depoimentos enviados pelos leitores do Metrópoles

Mãe: Ercilene Silva, 59 anos | Filha: Edilene Silva, 34 anos – Ceilândia (DF)

Mãe: Senhorinha Proxima Ferreira, 83 anos | Filha: Edneia Proxima Ferreira, 41 anos – Serra (ES)

Mãe: Maura Maria do Nascimento, 72 anos | Filha: Elaini Christine França Santos, 33 anos – Recife (PE)

Mãe: Maria de Fátima Ferreira de Sousa, 69 anos | Filha: Fernanda Ferreira de Paula Lago, 34 anos – Ceilândia (DF)

Mãe: Erotides de Souza Pimentel, 84 anos | Filha: Janaína de Souza Pimentel, 48 anos – Vila Velha (ES)

Mãe: Vera Lúcia dos Santos, 56 anos | Filha: Jéssica de Fátima dos Santos, 28 anos – Soledade (RS)

Mãe: Maria Amélia Alves Toledo, 68 anos | Filha: Juliana Toledo de Melo, 46 anos – Arniqueira (DF)

Mãe: Josefa Maria Silva Mendes, 71 anos | Filha: Karine Silva Mendes Caldas, 50 anos – Parnaíba (PI)

Mãe: Francisca Leite Nunes, 64 anos | Filha: Lucineide Leite Nunes Souza, 46 anos – Ceilândia (DF)

Mãe: Marleide de Jesus Almeida, 48 anos | Filha: Rafaela de Jesus Celestino, 26 anos – Ceilândia (DF)

Mãe: Rut de Sousa Novais, 62 anos | Filha: Liliane Novais, 41 anos – Brasília (DF)

Mãe: Iara Correa | Filha: Kattyanny Correa – Brasília (DF)

Mãe: Ignez Pereira Duarte | Filha: Daniella Pereira Duarte – Rio de Janeiro (RJ)

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