Construída em menos de quatro anos, longe do litoral, no coração do Cerrado, a inovadora Brasília foi decisiva para o desenvolvimento do Centro-Oeste e do Norte do país
21/04 7:55, atualizado em 08/07 18:01
A ideia era antiga. Já nos tempos de Tiradentes, pensava-se em trazer a capital para o interior do Brasil por questão de segurança. À beira-mar, o Rio de Janeiro estava à mercê de ataques de piratas.
Mas, para que o sonho de uma capital no centro do país se transformasse em realidade, foi preciso esperar muito tempo, até surgir um político muito diferente. À primeira vista, ele parecia ser igual aos outros: sorria muito, escutava interlocutores com atenção e era gentil. Gostava de ouvir música e de dançar. O diferencial dele, porém, era a capacidade de realizar coisas, de pôr obras em pé. Foi esse homem, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que decidiu erguer uma cidade moderna, uma nova capital para o Brasil no meio do nada.
Político único, ele construiu uma cidade que não tem par. Com suas largas avenidas, quadras arborizadas e clima de eterna primavera, Brasília impressiona os visitantes. Nunca viram nada igual.
Diferentões
Para mostrar como os homens que construíram Brasília eram figuras diferenciadas, fortes e marcantes, vamos recorrer aos relatos sobre eles feito por um dos maiores escritores do século 20, o americano John dos Passos, que visitou Brasília em agosto de 1958.
Neto de um português da Ilha da Madeira que migrou para os Estados Unidos, e filho de um advogado, John Roderigo dos Passos esteve no Brasil em três oportunidades – 1948, 1958 e 1962 – fazendo reportagens que foram reunidas no livro O Brasil Desperta, lançado em 1964, e recentemente reeditado com outro título: O Brasil em movimento.
John dos Passos fala de Juscelino:
“Havia certo jeito de cidade pequena nas roupas que ele usava… Ele se portava bem. Era mais alto do que eu esperava. Um homem pálido com grandes e proeminentes olhos… Começou logo a explicar que Brasília não era um luxo; era uma necessidade… O presidente falava com clareza e entusiasmo…”
E assim descreve o arquiteto Niemeyer:
“A primeira coisa que me impressionou foi sua timidez. Um homem pequeno e sóbrio com olhos desconfiados… Como tantos brasileiros, parecia mais moço do que era.” E conclui: “Niemeyer tem a aversão a viagens do carioca típico… Niemeyer tem horror a aviões.”
Sobre o autor do projeto do Plano Piloto escreveu:
“Lucio Costa, como Niemeyer, evita ao máximo a publicidade e as declarações públicas. É tão modesto que evita assumir o crédito por seu próprio trabalho. Tudo que o público vê ou ouve falar dele é um vislumbre ocasional do seu perfil aquilino e do seu bigode espetado espreitando no fundo de uma fotografia de algum grupo de arquitetos”.
Em sua visita a Brasília, John dos Passos foi ciceroneado por Israel Pinheiro, que tocava a obra com pulso de aço:
“Um homem tem de ser um pouco louco para fazer qualquer coisa no Brasil.”
Uma curiosidade sobre John dos Passos é que, em Brasília, ele teve a oportunidade de assistir ao nascimento da primeira cidade-satélite, Taguatinga. “Um mês antes de nossa chegada a Brasília, ocorreu o que os diretores da Novacap ainda chamavam de ‘a inundação’. Quatro mil e quinhentas pessoas foram descarregadas de caminhões, praticamente da noite para o dia, na mata virgem. Eles tinham ouvido falar da nova capital. Acreditavam em Brasília. Queriam se fixar ali e, portanto, chegaram sem pedir licença a ninguém.”
URBANISMO
Quase ninguém sabe que duas das principais obras arquitetônicas de Brasília são de autoria de Lucio Costa. A Plataforma Rodoviária e a Torre de Televisão nasceram da prancheta daquele que é conhecido quase que exclusivamente como o homem que bolou o Plano Piloto.
O projeto de autoria de Lucio Costa foi o mais modesto dos apresentados na época do concurso para a escolha de uma proposta que sugerisse o traçado básico da capital.
Durante os 120 dias de prazo para a inscrição, foram registrados 26 projetos, sendo que somente 10 acabaram selecionados para uma avaliação mais acurada. O mais caro deles custou 400 mil cruzeiros; o de Lucio, apenas 25 cruzeiros.
Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima Costa nasceu em 1902, em Toulon, França, numa época que seu pai, engenheiro naval, estava na Europa a serviço do governo brasileiro.
A Plataforma Rodoviária era o quinto item do Plano: “O cruzamento desse Eixo Monumental, de cota inferior, com o Eixo Rodoviário-Residencial impôs a criação de uma grande plataforma liberta do tráfego…”
A região em volta da Rodoviária, na imaginação de Lucio Costa, seria o equivalente brasileiro de Piccadilly Circus, em Londres; da Times Square, em Nova York; ou da Champs Elysées, em Paris.
No item décimo, o urbanista prevê que, no Eixo Monumental, depois dos hotéis, a construção de uma “torre monumental das estações radioemissoras e de televisão, tratada como elemento plástico integrado da composição geral”.
A Plataforma Rodoviária, com seus 300 metros, é uma das maiores obras horizontais da cidade; a Torre de Televisão, a maior obra vertical.
No tempo em que estava sendo construída, a torre de Brasília era a quarta mais alta do mundo, superada apenas pela de Tóquio, pela Torre Eiffel e pela Donauturm, em Viena.
OPERÁRIOS
No centro do país, Brasília recebeu brasileiros de todos os quadrantes. No começo, eram os candangos. Chegavam em paus-de-arara e eram depositados em um campo cercado por arame no Núcleo Bandeirante. Até lá iam os engenheiros que tocavam as obras em andamento na cidade, em sua grande maioria mineiros, como JK.
Contratados para trabalhar, os candangos viviam modestamente. Comiam nos canteiros das obras, dormiam em acampamentos de tábuas e poupavam tudo o que podiam para enviar aos parentes que haviam ficado na terra natal.
Quando a cidade ficou pronta, começaram a chegar os cariocas, transferidos por seus ministérios e repartições. Também chegava gente de órgãos federais sediados anteriormente no Nordeste. Mineiros e goianos, os vizinhos mais próximos, logo se incorporaram à cidade que crescia vertiginosamente. E vieram viventes do Norte e do Sul. Nos anos 1970, chegaram os gaúchos com seus tratores para plantar soja.
Esqueceram das mulheres. Ninguém falou delas, não contaram o que elas fizeram naqueles inesquecíveis anos duros. Mas a verdade é que elas chegaram com os primeiros homens, os que vieram para edificar.
Instalaram-se em precários barracos de madeira sem portas ou janelas num dos muitos acampamentos espalhados pela cidade. Caminhando por sendas abertas a facão, dirigiam-se aos mercadinhos da Cidade Livre.
Tinham medo dos ratos enormes e das cobras que se insinuavam por todos os cantos. Assustadora era a hora do parto. Para onde correr? Luziânia, Formosa ou Planaltina?
Para lavar a roupa, só mesmo ajoelhada à beira de um córrego. E, depois, passar no ferro aquecido por brasas.
No começo dos começos, cozinhavam agachadas em torno de um fogão improvisado com tijolos.
Mais adiante, a água, que inicialmente vinha das nascentes no cerrado, passou a manar nos poços artesianos abertos no solo bruto.
Num tempo sem energia elétrica, imperavam as velas, os lampiões.
Se perguntarmos às pioneiras o que era o pior no meio de tantos piores, elas dirão que era a poeira. A poeira vermelha que cobria tudo. Quando mergulhavam as roupas sujas em uma bacia, o que vinha à tona era uma grossa camada de nata vermelha. Bom mesmo para tirar a sujeira era ir para o meio do rio e torcer as roupas por lá mesmo. Se iam a uma festa, as mulheres vestiam uma guarda-pó por cima das roupas para não chegarem sujas ao seu destino.
Ao lado de seus maridos de botas enlameadas e chapéus de abas largas, elas eram verdadeiras mocinhas de uma fita de faroeste.
Que presente você daria para Brasília continuar diferentona?
O Metrópoles quis saber dos brasilienses o que poderia ser feito para que a cidade continue a merecer o titulo de diferentona. Choveram sugestões, que podem ser divididas em práticas, irreverentes ou surrealistas.
Teve gente esotérica que recomendou a construção de uma pista de aterrissagem para acolher discos voadores.
Outros, mais voltados à aventura, pediram a construção de um gigantesco bungee jump na Torre de TV Digital.
Os amantes do futebol querem uma estátua de Romário, em tamanho natural, no gramado diante do Congresso Nacional.
Por fim, pessoas com senso prático mais acentuado sugeriram a construção e a instalação, pelos quatro cantos da cidade, de:
1) gigantescos vaporizadores para combater a secura que aqui se estende por meio ano;
2) banheiros decentes para o uso da população nas horas de aperto.