Temido e respeitado por políticos antes mesmo da deflagração da Caixa de Pandora, Durval Barbosa Rodrigues continua a assombrar personalidades da política distrital e nacional. Dez anos após o maior escândalo de corrupção do Distrito Federal ser documentado em áudio e vídeo, ainda há quem tenha receio de fazer parte da videoteca do delegado de polícia aposentado. Hoje, aos 55 anos, Barbosa reúne mais de 50 processos na Justiça, muitos abonados pelo acordo de delação premiada que fechou ao denunciar a cúpula do Executivo e Legislativo locais em 2009.

O gosto pelo poder e a ostentação sempre foram traços marcantes da personalidade de Durval, também conhecido pelo bom humor e por ser cortês no trato com os que o cercam.

As casas nas quais morou – incluindo a atual – são verdadeiros palacetes. Uma delas, na QL 10 do Lago Sul, era tão pomposa que tinha até elevador panorâmico para o deslocamento pelos três andares. Nessa mansão, passou boa parte do segundo casamento, divorciou-se e continuou residindo no local, com a terceira esposa. Atualmente, vive em um suntuoso imóvel no Park Way.

A vaidade também é traço da personalidade do delator. Tanto que os cuidados com o corpo incluíram cirurgias estéticas e rotina pesada de malhação: conforme relatos de pessoas próximas, Durval passava cerca de três horas por dia levantando peso. A obsessão com a boa forma o levou a construir academia particular em casa.

Antes e mesmo após o escândalo, Durval sempre gostou de roupas e acessórios de marca. Quando era casado com a empresária Fabiani Christine Silva, ficou conhecido por comprar vestimentas com a esposa e efetuar o pagamento em dinheiro vivo. Os hábitos caros também são mantidos com a atual mulher, Kelly Melchior Barbosa Rodrigues. Frequentemente, os dois são vistos em lojas de luxo do Distrito Federal, como Louis Vuitton, Gucci, Dolce & Gabbana.

Para quem não está familiarizado com as etiquetas, os preços de sapatos, cintos, calças, roupas e perfumes em geral estão bem acima do padrão da população brasileira. Um tênis “barato” na Dolce & Gabbana, por exemplo, custa R$ 3 mil. Mas há calçados femininos que chegam a R$ 15 mil. A linha “popular” de carteiras da Louis Vuitton tem preço mínimo de R$ 1 mil. As bolsas mais tradicionais não saem por menos de R$ 2 mil.

Durval teve três casamentos. O primeiro, com Débora Barbosa. Depois, com Fabiani Christine Silva. O atual, com Kelly Melchior. Na época em que estava com a segunda companheira, foi alvo da Operação Megabyte, organizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A loja de Fabiani, a Dot Paper, foi apontada como meio de lavagem de dinheiro arrecadado com empresas de informática.

Em 2010, Durval e Kelly foram acusados de pedofilia. A autora da denúncia foi Fabiani. A Polícia Civil chegou a pedir a prisão preventiva do casal em 2011. Três anos depois, ambos foram absolvidos. Na época, Durval disse, por intermédio de advogados, que a ex-mulher queria se vingar por causa da separação.

A delação premiada e a lei

As delações – também chamadas de “colaborações” – passaram a existir no ordenamento jurídico brasileiro no governo Collor, com a edição da Lei de Crimes Hediondos (nº 8.072/1990), cujas definições foram ampliadas com a Lei n° 9.269/1996. Em linhas gerais, se o delinquente delatar seus comparsas, a norma garante a redução de eventuais condenações ou até mesmo a extinção da pena.

O recurso foi utilizado pela primeira vez com grande repercussão nacional em 2005, quando o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) expôs publicamente o escândalo do Mensalão.

Quatro anos depois, a Caixa de Pandora trouxe a “colaboração” de Durval Barbosa. O ex-delegado da Polícia Civil do DF era o operador dos pedidos de pagamento de propinas a empresas de informática e a deputados distritais. O termo preliminar da colaboração premiada de Durval foi assinada pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que viria a ser a chefe da Procuradoria-Geral da República entre 2017 e 2019.

Além de apelar à legislação que define as delações premiadas, Durval se valeu da Lei n° 9.807/1999 – a norma dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que, voluntariamente, tenham prestado efetiva contribuição às diligências policiais e ao processo criminal.

Da delegacia às bolsas de grife

Formado em economia e direito, o piauiense Durval Barbosa é delegado aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal. Apesar de determinações do Tribunal de Contas local (TCDF) e da Justiça para cassar o provento, conseguiu mantê-lo em função do acordo de delação premiada. Segundo informações do Portal da Transparência do GDF, o contracheque de setembro de 2019 mostra que Durval recebeu R$ 20.256,59 como remuneração básica. Após os descontos obrigatórios, o valor líquido embolsado foi de R$ 15.695,43.

Em meados dos anos 1990, ele e o irmão Milton Barbosa se aproximaram do então governador Joaquim Roriz. Milton, que também era delegado da PCDF, foi deputado na Câmara Legislativa do Distrito Federal entre 2007 e 2010, pelo PSDB. Além de parlamentar, atuou como diretor da PCDF, administrador regional de Ceilândia e titular da Secretaria de Solidariedade do GDF.

Entre os anos 1990 e 2000, Durval migrou da carreira policial para a política e passou a ter acesso a recursos milionários. Em 1999, foi nomeado presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), onde permaneceu até 2006. O orçamento médio por ano da estatal era de R$ 500 milhões, boa parte consumida por contratos com empresas de informática.

Ed Ferreira/Estadão Conteúdo

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Na Codeplan, Durval iniciou parte das gravações de políticos e empresários fazendo acordos para o pagamento de propinas. Ora para financiamento da campanha de José Roberto Arruda, ora para compra de apoio político, embora oficialmente tenha pedido votos, em 2006, para a então candidata de Roriz ao Palácio do Buriti, Maria de Lourdes Abadia, na época filiada ao PSDB.

Balcão de negociatas

Com a vitória de Arruda ao governo no fim de 2006 e o mandato iniciado em 1° de janeiro de 2007, Durval passou a comandar uma secretaria aparentemente sem recursos financeiros expressivos: a de Relações Institucionais. Porém, foi lá que gerenciava grande balcão de acordos, amplamente documentado. A nomeação também serviu como forma de garantir o foro privilegiado nas ações que já corriam na Justiça contra ele.

A troca de comando no Palácio do Buriti representou também mudança no trato a que Durval estava acostumado com o número 1 do GDF. Se até então a relação com Roriz era de amizade, Arruda via o delegado aposentado com desconfiança. Mas o novo governador não podia simplesmente riscá-lo do primeiro escalão, uma vez que o secretário e articulador político mantinha sob seu poder gravações comprometedoras.

Secretários, parlamentares ou empresários que não tinham seus apelos atendidos recorriam a conversas com Durval, sem saber que estavam sendo gravados. Ele era conhecido como “o homem que resolvia”. Assim, sua teia de influência foi crescendo dentro do GDF.

Gif

Quem visitava Durval em sua sala no 10º andar do Anexo do Palácio do Buriti tinha entrada diferente dos demais. Um elevador privativo era usado para chegar até o local que, posteriormente, ficou conhecido por todo o país como cenário para os filmes da videoteca do delator.

Elevador privativo

Durval era vaidoso não só na aparência: também se gabava de ter o gabinete mais tecnológico dentro da estrutura do Palácio do Buriti. Mais segura, inclusive, do que a área reservada para despacho do governador, a sala do delator tinha fechadura eletrônica com acesso apenas por digital ou senhas criptografadas. Só era possível entrar na “fortaleza” mediante autorização do delegado aposentado.

O fechamento de acordos e o pagamento de propinas eram filmados no escritório de Durval. As informações e documentações acumuladas ao longo dos anos foram entregues ao Ministério Público Federal (MPF) em troca de benefícios.

À época, o nome de Durval já era conhecido em âmbito federal porque chegou a ser indiciado na CPI das Escutas Ilegais, da Câmara dos Deputados, por suposta participação na montagem de aparato de grampos clandestinos no telefone da casa da procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, do Ministério Público de Contas (MPC-DF), que havia investigado contratos do Instituto Candango de Solidariedade (ICS).

Posteriormente, o nome de Durval foi excluído do relatório final aprovado pela CPI graças à interferência política do então deputado federal Laerte Bessa (PSC-DF), ex-diretor-geral da Polícia Civil do DF. Conforme argumentou o parlamentar, nunca houve evidências que ligassem o ex-presidente da Codeplan às escutas.

A CPI dos Grampos funcionou na Câmara dos Deputados entre dezembro de 2007 e maio de 2009, portanto, antes de explodir a Caixa de Pandora. Período em que Durval reunia mais de 30 processos na Justiça pelos contratos sem licitação fechados durante o governo de Joaquim Roriz, à frente da Codeplan. Juntas, as ações contra ele somavam prejuízo ao erário, em desvios, de cerca de R$ 500 milhões.

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Os crimes atribuídos a Durval incluíam lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha, fraude em licitação e improbidade administrativa. Alguns dos casos mais conhecidos eram os operados por meio do Instituto Candango de Solidariedade (ICS). Durante os anos em que o delegado aposentado coordenou a Codeplan, o GDF manteve contratos com o ICS sob o argumento de que o instituto era reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Oscips são organizações não governamentais criadas pela iniciativa privada e que conseguem qualificação fornecida pelo governo federal. Com a aquisição do título, essas entidades podem firmar convênios, chamados de termos de parceria, com o poder público – e, consequentemente, receber recursos do erário.

O MPDFT, no entanto, classificou os acordos de criminosos. Segundo o processo, a dispensa de licitação não valeria para o chamamento de empresas de informática.

Colaboração com a Polícia Federal

Encalacrado com as dezenas de denúncias e sofrendo depressão, Durval Barbosa se ofereceu à Polícia Federal para acoplar ao próprio corpo câmeras e equipamentos de gravação de áudio que documentaram legalmente – além dos vídeos já produzidos – o esquema de corrupção enraizado no GDF.

Em 27 de novembro de 2009, Durval foi inserido no Serviço de Proteção ao Depoente Especial, da Polícia Federal, no qual permanece até os dias atuais.

Leia, na segunda-feira (02/12/2019), como a experiência na Caixa de Pandora credenciou investigadores e membros do Ministério Público a atuar em outro escândalo: a Lava Jato.

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