Infância e juventude exploradas
A expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange:
- Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados.
- A utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas.
- A utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes.
- O trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
Fonte: OIT
A gente chama o traficante de pai
Thiago Alves Moreno, 26 anos
“Desde os 13 anos, eu moro sozinho. Comecei a traficar com 12, na Favelinha, uma área do Recanto das Emas. Só entende isso quem sabe da realidade. Não tinha cama na minha casa, era um colchão no chão. Quando meu pai saía pra trabalhar, tinha que pular por cima da gente. E ele dizia: ‘Esses vagabundos vão ficar dormindo?’. Isso a gente era criança. Fiz até a sétima série, porque meu foco era ganhar dinheiro.
Uma criança que nem eu já cresce na ira. Meu pai era alcoólatra, vendeu a nossa casa e gastou tudo com bebida. Ele nos xingava e nos batia. Não tinha teto, não tinha comida, a gente vivia no esgoto a céu aberto. Como que eu ia abrir a porta para viver fora da guerra? Todo dia tinha três, quatro, mortos na rua. Precisava pular o cadáver para ir à escola. Nunca sonhei com nada, nunca me imaginei fora daquilo.
Com 14 anos, eu vendia 2 kg de maconha em uma semana. Não tinha nem guarda-roupa, ficava tudo na mochila. Eu achava que aquilo era um ganha-pão. Comecei de aviãozinho, ia buscar lanche para o traficante. Depois fui ser vapor, comecei a vender. Se agrada ao patrão, você vai crescendo até ser o braço direito dele.
Quando eu tinha 13 anos, tentaram arrancar meu braço com um facão numa briga por ponto de venda de droga. Levei 52 pontos. A cicatriz foi diminuindo enquanto eu crescia, mas ainda está aqui. Tenho marca de tiro e de outra facada também. Tudo isso antes dos 15 anos. É um milagre eu estar vivo.
A gente chama o traficante, o chefe, de pai. Pega uma arma e diz: ‘Ó como eu tô bonito, pai’. Minha primeira medida socioeducativa foi com 14 anos. Ali você tem que decidir se é 100% do crime ou 100% trabalhador. Na primeira opção, você esquece que tem família e vai viver para o tráfico. Fui até o Paraguai buscar droga. Eu tinha a chance de ganhar em um dia três vezes o que receberia por um mês num serviço comum. Só que nessa o crime leva o que você tem de mais precioso, a alma.
Tem um ditado que diz: ‘O que põe a droga na favela não morre por ela’. Os caras vão ficando ricos e saem da favela. Até que ficam só os ‘de menor’ na linha de frente. Quem está levando tiro é o soldadinho. Eles vão criando soldados e ligeiramente se desligam dali. O peso fica nas costas da criança e do adolescente, que são o ponto de equilíbrio da bocada.
Quando eu tinha 18 anos, o Yago, meu filho, nasceu. Aí pensei: ‘Não vou deixá-lo viver com um pai ausente’. Tenho três filhos, já catei lixo, sou carpinteiro, pedreiro. Mas não é fácil, agora mesmo estou desempregado. Não falta convite para o mal. Escrevi na parede do quarto: ‘A carne é fraca quando a conduta não é forte’. Se não me conhece, não me odeie. Estou tentando escrever uma história diferente.”
Com 12 anos, eu já fazia o corre. Perdi a infância atrás das grades
Alessandro da Silveira Maciel, 20 anos
“Cresci na Quadra 2 de Sobradinho, ao lado da [Vila] Dnocs. Minha mãe é secretária, meu pai, eletricista. Tenho quatro irmãos, todo mundo sempre trabalhou. Na escola, conheci minha primeira droga, a maconha. Eu olhava as pessoas que traficavam no bairro e pensava: ‘Como elas têm tanto dinheiro?’. Resultado: aos 12 anos, tive minha primeira passagem. Já pensou como é para uma criança ir para a cadeia? O Caje [extinto Centro de Atendimento Juvenil Especializado] era uma cadeia, com outro nome, mas era.
Nesse tempo, eu parei de brincar. Antes soltava pipa na rua, depois passei a manusear armas, como todo traficante. Com 14 anos, comprei a minha e até os 17 tive cinco passagens por porte ilegal [de arma de fogo].
Comecei vendendo 5 kg de crack. Ia dividindo em doses. Depois, eram 10kg. Uma dola é tipo 1 grama, custava uns R$ 10. Eram 20 dolas pro traficante e 10 para mim. Fiquei oito anos nessa. A gente vai crescendo, vai batendo meta. É o que tem por perto, um círculo vicioso. Pegava a droga na boca na segunda e tinha que vender até o sábado. Dava para tirar R$ 2,5 mil em uma noite sem fazer nada.
Quem financia o tráfico é a burguesia, que não tem vergonha de comprar droga de criança. O tráfico está em todos os lugares: na porta do bar, da escola, do supermercado, na cara do Congresso Nacional.
No fim, eu tinha 23 passagens pela polícia. Cumpri a medida [socioeducativa] mais longa dos 16 aos 20 anos. Na primeira, eu estava na 5ª série. Quando saí, já estava no 1º ano do ensino médio. Perdi a infância atrás das grades. Uma coisa vai puxando a outra. A maioria dos meus amigos também tinham 12 ou 13 anos quando começou nisso e hoje mais de 15 morreram. A disputa por ponto onde vender gera muita morte, surras. A expectativa de vida não chega a 18 anos. Quem sobreviveu é porque está na igreja.
O fato de o meu pai ter morrido me influenciou muito também. Com 12 anos, eu já fazia o corre. Na primeira vez que rodei, dois policiais descaracterizados me pegaram vendendo. Prisão era só um lugar onde eu conhecia gente e fazia contato. Saía de lá com um monte de esquema, um tempo totalmente perdido.
Podia ter saído da internação com um curso de cozinheiro, de padeiro, mas não tinha nada disso. Era só um lugar para apanhar e ser chamado de bicho. Os educadores lá dentro diziam que a gente não tinha jeito. É um ensaio para a cadeia, porque o futuro da criança que trafica é virar adulta e ir para a cadeia, se sobreviver.
Tem quatro meses que saí. Fiz novas amizades, mudei de bairro, conheci os amigos do Clube da Leitura.
Comecei a entender de amor próprio, penso muito no tempo que perdi. Terminei o ensino médio e quero entrar em um cursinho, fazer faculdade. Quero ser a prova de que as pessoas mudam.”
Muito antes de um crime, para crianças o tráfico é uma violação de direitos
Jeconias Lopes, 27 anos
Quem vê Jeconias Lopes de terno e gravata, falando articuladamente sobre maioridade penal — ele é contra a redução —, educação, literatura, sociologia, religião e desigualdade social não imagina o passado dele.
Aos 13 anos, o então adolescente cumpriu sua primeira medida socioeducativa, no antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Antes dos 18, já tinha 11 passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente. Ele é de família pobre, cresceu no bairro Areal, em Taguatinga (DF), e frequentou escolas públicas. “A gente ia ao colégio procurar educação e encontrava droga na porta. A rua não tinha esgoto, asfalto, nada do básico”, lembra.
Nesse contexto social e sem uma família estruturada, Jeconias logo foi recrutado pelo tráfico. Como já sabia dirigir muito antes da maioridade, tornou-se motorista do grupo. Até que acumulou dinheiro suficiente para comprar a própria droga e revendê-la. “Na escola, você é tratado como um moleque levado. No tráfico, é sujeito homem com 12 anos. A educação tem que encontrar o caminho para concorrer com isso”, afirma.
Ele perdeu as contas de quantas vezes esteve em unidades de internação — acha que foram 26, pelo menos. Ao sair vivo do sistema socioeducativo, o adolescente é aclamado e ganha o respeito de seus pares na comunidade. “O jovem chama o tráfico de trampo, de corre, é um trabalho e também uma violação de direitos”, diz.
O ponto de virada para Jeconias foi o acesso à educação e o apoio da mãe, uma cozinheira que jamais se envolveu com atos ilícitos. “Não sei como seria se ela tivesse desistido de mim. Quem não acredita na mudança nega a própria existência humana. A natureza muda o tempo todo, os planos, por que não as pessoas?”, explica.
Ao deixar o sistema, o rapaz encontrou, por meio de contatos da mãe, um projeto social da Igreja Adventista no qual jovens comercializavam livros para custear os estudos. Também vendeu dindim na rua para juntar dinheiro e estudar.
Por intermédio desse programa, Jeconias fez teologia na Universidad Adventista del Plata, na Argentina, onde formou-se em 2017. Lá, ele conheceu o professor romeno Laurentiu Ionesco, responsável por alimentar no jovem o amor pela leitura. O educador o apresentou a Victor Hugo, George Orwell e Fiódor Dostoiévski, entre dezenas de outros grandes autores.
Foi a primeira vez que Jeconias teve contato com obras clássicas. Encantou-se por Jean Valjean, o protagonista de Os Miseráveis, do escritor Victor Hugo. Na trama, o personagem é preso por roubar pão para alimentar sua família. Com Dostoiévski, em Crime e Castigo, conheceu o conceito de ter “um caráter todo feito de imprevistos”.
Ao pensar sobre desigualdade social, Jeconias viu-se como protagonista da própria história e decidiu escrever um final diferente. Quando retornou ao Brasil, fundou um clube de leitura com ex-detentos, que passaram a dar palestras em presídios e unidades de internação de menores.
Jeconias também tornou-se embaixador da Juventude da Organização das Nações Unidas (ONU). Para tanto, inscreveu seus projetos sociais em um concurso da entidade, no qual a primeira etapa era análise de currículo. A segunda fase consistia em enviar um vídeo explicando o porquê de ser merecedor da vaga. A peneira reduziu o número de concorrentes para 50. O ex-interno do Caje ficou entre os 20 melhores colocados e conquistou o título.
Atualmente, ele auxilia 150 famílias em Samambaia e 138 crianças em Planaltina (ambas cidades da periferia do Distrito Federal), por meio da Adra Brasil. A entidade é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) de objetivos assistenciais, beneficentes e filantrópicos da qual Jeconias é diretor-geral. Com frequência, ressoa em sua mente um trecho de Crime e Castigo: “Que é que os homens temem, acima de tudo? O que for capaz de mudar-lhes os hábitos”.
Conheça o projeto de literatura que uniu as vidas de Jeconias, Alessandro e Thiago:
Ex-detentos criam clube do livro e descobrem o poder da literatura
Os 10 homens se reúnem mensalmente para discutir obras clássicas como Os Miseráveis, de Victor Hugo, e Crime e Castigo, de Dostoiévski
Pacto para salvar a infância
Para garantir o cumprimento da lei, um grupo formado por defensores da infância e da juventude elaborou recentemente relatório com proposições voltadas ao combate do aliciamento de crianças e adolescentes pelo narcotráfico. As medidas tratam essa realidade como trabalho infantil, e não pelo viés criminal. A iniciativa reuniu representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da OIT e do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), além de acadêmicos e membros de organizações não governamentais (ONGs).
“Além da responsabilização desse jovem, é preciso garantir o seu retorno à escola, oferecer profissionalização, assistência social, condições para que se desenvolva plenamente. A punição sem o reconhecimento da violação de direitos não é transformadora”, explica a socióloga Isa Oliveira, secretária-executiva do FNPETI.
O objetivo dos encontros mantidos pelo grupo era chegar a um consenso com argumentos qualificados para reconhecer a atuação desses jovens no tráfico como trabalho infantil. Foram ouvidos inclusive gestores do poder público e responsáveis pela aplicação das medidas socioeducativas. Reforçou-se a conclusão de que o tráfico de drogas é uma cadeia de comercialização, uma rede de trabalho estruturada em etapas produtivas.
Do debate saíram reflexões que foram enviadas aos principais órgãos públicos, como o Ministério do Desenvolvimento Social, e a instâncias da Justiça relacionadas à infância e à juventude.
“A intenção é que exista uma articulação de políticas e serviços para garantir a reinserção desse adolescente na sociedade”, afirma Isa. “É preciso sensibilizar a Justiça para haver o entendimento de que esse jovem é uma responsabilidade de toda a sociedade”, reforça.
O relatório sugere ações de fortalecimento de escolas e comunidades, como projetos artísticos ou esportivos, e a criação de locais de lazer. “As praças estão tomadas pelo tráfico. É preciso reaver esses espaços, oferecer encantamento ao jovem. A gente não pode continuar perdendo as nossas crianças para violência”, conclui a socióloga.
O ORGANOGRAMA DO TRÁFICO
- O recolhe é o gerente (recolhe o dinheiro de todas as bocas do mesmo dono) e faz o “fecha” da semana (contabilidade). Recebe R$ 2 mil por semana (*).
- O vendedor ganha 10% ou 15% de comissão sobre o valor vendido no dia. Pode flexibilizar o trabalho e chamar outra pessoa para atuar junto com ele.
- O campana “guarda a liberdade” do vendedor e o funcionamento da “biqueira”. Ganha entre R$ 50 e R$ 60 por 12 horas de trabalho (*).
- O abastece pode trabalhar em apenas uma biqueira ou em várias. Cuida do local onde a droga fica guardada ou pode transportá-la. Ganha entre R$ 600 e R$ 1 mil por semana, dependendo do movimento (*).
(*) Valores estimados.
Fonte: pesquisa “Tráfico de drogas entre as piores formas de trabalho infantil: mercados, famílias e rede de proteção social”/Cebrap
Quando o tráfico oferece um lugar no mundo
A exploração de crianças e adolescentes no tráfico de drogas não segue a mesma dinâmica em todos os estados brasileiros, mas, ainda assim, o perfil das vítimas se repete Brasil afora: jovens negros e pobres.
A pesquisa “Tráfico de drogas entre as piores formas de trabalho infantil: mercados, famílias e rede de proteção social”, lançada ano passado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em São Paulo, ajuda a compreender a realidade de jovens explorados pelo tráfico na capital paulista.
Dos 9.127 internos da Fundação Casa, 40% respondem por tráfico de drogas. Por meio de geoprocessamento, a pesquisa criou mapas que mostram o local de atuação e de moradia de parte desses adolescentes.
“A maioria é negra e pobre. Além disso, vive muito perto de onde trabalha, o que caracteriza um trabalho quase doméstico”, relata a cientista social Ana Paula Galdeano, que coordenou o estudo ao lado do pesquisador Ronaldo Almeida.
De 14 adolescentes diretamente entrevistados (pais e agentes socioeducativos também foram ouvidos), 11 têm familiares presos. Entre eles, seis tiveram parentes assassinados. O estudo conclui que é preciso oferecer medidas protetivas a esses jovens, o que envolve acompanhamento escolar e assistência social.
“No debate público, a categoria ato infracional análoga ao crime de tráfico é mais enfatizada. A perspectiva do trabalho infantil não é considerada. O resultado são as facções criminosas incorporando esses adolescentes como mão de obra. O crime dá um lugar no mundo para eles”, ressalta a cientista social.
COTIDIANO DE TRABALHO
- Faltas e “rameladas” são punidas com advertência, suspensão do turno ou penalidades mais severas e podem causar a perda do trabalho.
- Envolve situações mentalmente, fisicamente, socialmente e moralmente perigosas e prejudiciais.
- Trabalho exaustivo, prolongado e noturno.
- Incapacidade de frequentar a escola.
- Contato com substâncias que oferecem risco à saúde.
- Adolescentes vivem onde trabalham. As fronteiras entre a vida pessoal e o trabalho são borradas. Os jovens ficam mais expostos a formas de assédio e de coerção por parte de seus superiores.
- O vendedor suborna a polícia e é objeto de “resgate” para “acertos” com o dono da biqueira.
- O enfoque da repressão está justamente no pequeno operador, mais marginalizado e vulnerável.
Fonte: pesquisa “Tráfico de drogas entre as piores formas de trabalho infantil: mercados, famílias e rede de proteção social”/Cebrap
Rio de Janeiro, fábrica de meninos-soldados
O Observatório das Favelas monitora a presença de crianças e adolescentes no tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O percentual de pessoas com idade entre 10 e 12 anos que entram para essa atividade ilegal na capital fluminense passou de 6,5% em 2006 para 13% em 2017, segundo o estudo “Novas configurações das redes criminosas após a implantação das UPPs”.
Foram 261 entrevistados no Departamento Geral de Ações Socioducativas (Degase) e em comunidades do Rio. A maioria tem entre 16 e 24 anos (62,8%); 96,2% são do sexo masculino; e 72% se declararam pretos ou pardos.
“Grande parte deles é proveniente de famílias numerosas, chefiadas por mulheres com baixo nível de renda. Esses elementos indicam que o problema está associado a desigualdades socioeconômicas, raciais, etárias e de gênero”, relata Raquel Willadino, diretora do Observatório das Favelas.
A pesquisa traz análise sobre o perfil e as práticas de jovens inseridos na rede do tráfico de drogas no varejo em favelas do Rio de Janeiro. Também traduz as dinâmicas que afetam o campo da saúde pública.
O estudo pretende oferecer subsídios para a construção de políticas e ações públicas que visem a superação da lógica da “guerra às drogas”. “Consideramos que uma maior compreensão sobre o perfil e as práticas desses jovens é fundamental para romper com estigmas e impulsionar a criação de alternativas”, afirma Raquel Willadino.
Por que entrei para o tráfico
- Ajudar a família/Ganhar muito dinheiro
- Ligação com amigos
- Adrenalina
- Dificuldade em conseguir qualquer outro emprego
- Dificuldade em conseguir outro emprego com a mesma renda
- Dificuldade em estudar
- Violência familiar
- Sensação de poder
- Vontade de usar uma arma
- Facilidade para consumir drogas
- Status
- Outros
Quanto à trajetória escolar, 78,2% dos jovens entrevistados tinham abandonado a escola. Os principais motivos apresentados para a evasão foram razões de natureza econômica, falta de atrativos do colégio e, em alguns casos, incompatibilidade com a atividade desenvolvida no tráfico de drogas.
É importante destacar que na maioria dos casos a evasão escolar ocorreu durante a adolescência, mesmo período em que predomina o ingresso no tráfico. Essa relação é um elemento importante para o desenvolvimento de estratégias de prevenção.
Raquel Willadino, diretora do Observatório das Favelas
Para a especialista, vale ressaltar que 66,3% dos entrevistados tiveram experiências profissionais anteriores ao tráfico de drogas. Porém, os tipos de trabalho disponíveis aos jovens ouvidos, em geral, são muito ruins, com vínculos frágeis e baixos rendimentos.
“A falta de atratividade da escola, a precariedade das condições de trabalho às quais eles tiveram acesso e a perspectiva de um rendimento mais alto na rede ilícita são fatores que favorecem o tráfico de drogas ser percebido como uma atividade atrativa”, esclarece.
Em relação aos fatores que podem impulsionar a saída do tráfico, os jovens destacam os vínculos afetivos e a possibilidade de acesso a um trabalho digno e rentável.
“Um dado muito relevante é que 40,2% dos entrevistados já se afastaram do tráfico em algum momento de modo voluntário. Esse resultado coloca em evidência que são muitos os jovens que querem construir outras trajetórias”, observa Raquel Willadino. “Nesse sentido, é fundamental investir na formulação de políticas públicas que contribuam para a sustentabilidade desse movimento de saída”, conclui a diretora do Observatório das Favelas.
38,7% dos entrevistados afirmaram ter pouca ou nenhuma satisfação com a vida que levam no tráfico
O risco de morte é apontado por 82,8% dos jovens como o pior aspecto da vida no tráfico
Pensando em soluções
O estudo do Observatório das Favelas apresenta proposições que visam contribuir para a criação de alternativas como:
- Formulação de políticas públicas voltadas para a prevenção ao ingresso de crianças e adolescentes na rede ilícita e para a criação de alternativas destinadas aos que nela atuam e desejam sair;
- Investimento em políticas públicas de prevenção secundária e terciária;
- Priorização das dimensões raciais, etárias, de gênero e territoriais nas políticas preventivas, potencializando ações voltadas à valorização da vida da juventude negra moradora de favelas e periferias;
- Realização de busca ativa para a inserção no sistema educativo e desenvolvimento de estratégias que favoreçam a manutenção do vínculo com o contexto escolar;
- Fomento de oportunidades de aprendizagem e políticas efetivas de geração de trabalho e renda para os jovens e seus familiares;
- Construção de programas de formação e qualificação profissional voltados especificamente para jovens envolvidos na rede ilícita que desejam sair, respeitando suas demandas, anseios profissionais e perfis socioeconômicos;
- Fortalecimento de iniciativas voltadas para jovens egressos do sistema penitenciário e adolescentes saídos do sistema socioeducativo;
- Desenvolvimento de estratégias que contribuam para romper com a estigmatização desses jovens e que potencializem a construção de alternativas à rede ilícita;
- Desenvolvimento de estratégias de mediação de conflitos;
- Fortalecimento de mecanismos e programas de proteção a pessoas ameaçadas de morte;
- Construção de políticas de segurança pública que tenham a proteção da vida como premissa fundamental e que possibilitem romper com lógicas que priorizam o confronto e a militarização progressiva.