Por mais que exista planejamento, preparação física e, principalmente, controle mental, sentir a pressão de ocupar o lugar de um “preso federal”, mesmo que por apenas 24 horas, não é fácil. Sim, topamos o desafio de simular a transferência de um interno (no caso, eu) para a unidade prisional mais segura do país.
Executada por policiais penais do Sistema Penitenciário Federal, minha “detenção” começou ainda no edifício-sede do órgão, no Setor Comercial Norte. A primeira revista – sem roupa, é claro – e o algemamento, com o uso do cinto que impede o presidiário de levantar os braços, provocam inquietação.
De fato, é estranho estar do outro lado da notícia, mesmo se tratando de uma simulação. Para completar, os policiais penais não aliviaram na encenação e seguiram à risca todos os protocolos de segurança que norteiam a transferência de detentos de alta periculosidade. “Só responda: ‘Não, senhor’ ou ‘Sim, senhor’. Cabeça sempre para baixo!”, determinou o chefe da equipe.
Escutar o “clique” da algema apertando meus pulsos era apenas o prenúncio do que viria. A experiência de encarnar um “condenado” e passar pelos protocolos que regem a inclusão de presidiários na Penitenciária Federal de Brasília, considerada infernal por alguns dos mais perigosos criminosos do país, estava no início.
Embarquei em um modelo de furgão usado pelo SPF para transportar custodiados. Fui colocado em um pequeno compartimento onde havia banco e corrimão. Um ventilador fazia o ar circular e reduzia a sensação de claustrofobia. A escuridão era dissipada por uma pequena lâmpada fixada no teto do veículo. Não havia janelas, e quem viaja no cubículo não faz ideia do trajeto tomado pelo comboio. Quando o furgão parou de sacolejar, recebi a ordem para desembarcar – sempre mirando o chão – e não tinha noção de onde estava.
Cada procedimento no traslado dos presos é planejado para evitar que o novo interno colha informações ou tenha a percepção de distância ou posicionamento de câmeras, por exemplo. É impossível notar qualquer vulnerabilidade durante o transporte. Mais uma vez, passei pelo constrangimento da revista. O protocolo visa coibir a possibilidade de armas ou drogas ingressarem na penitenciária.
Ganhei um kit de higiene pessoal e de faxina. Questionei a equipe de segurança sobre os produtos de limpeza. A resposta veio de pronto: “Você é responsável por manter sua cela impecável”. Qualquer sujeira detectada durante as revistas pode resultar em falta grave. Como punição, o preso amarga a suspensão de alguns direitos, como desfrutar do aprazível banho de sol.
Além de alvejantes, escova de dentes, duas peças de sabão em pedra e um jogo de prato, colher e caneca de plástico, ainda recebi um enxoval de cama e vestuário. Eram duas calças de moletom, camisas de mangas curtas e compridas, e acessórios para suportar o inverno, que se torna implacável entre as paredes de concreto armado. Tive direito a dois pares de meias, um par de luvas e gorro.
A rotina na penitenciária é parecida com a de uma pequena cidade. Tem de tudo lá dentro. Um pequeno hospital, consultório odontológico e de psicologia, além de atendimento jurídico e educacional. Passei por todos os setores, recebi orientações e respondi a questionários que ajudam os servidores do Depen a entenderem as necessidades do interno e como ele pode transformar o cumprimento de pena em algo produtivo.
São oferecidos cursos profissionalizantes aos detentos. “Você também pode cursar o ensino básico, médio e até fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Parte do ano letivo é em sala de aula, e existem turmas no regime de EAD (ensino a distância)”, explicou uma das servidoras. Há uma grande biblioteca à disposição dos presos, na qual dois livros são entregues por vez. Recebi um exemplar do livro O Exercício da Incerteza, de autoria do médico Dráuzio Varella, e uma cópia da Bíblia Sagrada.
Logo chegou a hora do almoço. Confesso que temia pela reputação da comida ofertada nos presídios brasileiros. Não sei se a fome ajudou, mas a refeição era de primeira. Com alimentos ainda quentes, o prato abrigava porções generosas de arroz, feijão bem temperado, um empadão de frango e batata-palha. De sobremesa, comi um bolo de coco e uma maçã.
Uma das policiais penais gritou que havia “agente na ala”. Quando ouve esse alerta, o preso deve se posicionar de costas no fundo da cela. Ela trazia algumas publicações. “Você tem o direito de ler cinco revistas por semana, sempre sobre atualidades e sem informações políticas ou reportagens policiais, por exemplo”, explicou. Ela me entregou dois exemplares da revista IstoÉ, um da Veja, um da Autoesporte e um da Superinteressante. Todas as edições veiculadas entre março e abril de 2023.
A cela na qual fui alocado está situada em uma área chamada “inclusão”. O preso que chega ao sistema federal passa 20 dias em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD); apenas depois desse período pode ter contato com outro interno durante o banho de sol. No entanto, eu cheguei a caminhar em um dos pátios semelhantes ao usado por Marcola, líder máximo do PCC.
No início da noite, os policiais penais avisam que o chuveiro será ligado. A ducha, no caso, é um buraco no teto, de onde a água cai. A temperatura é amena, nem fria nem quente. São apenas 7 minutos de água corrente, portanto o banho precisa ser rápido. Logo depois, a janta foi servida. Comi arroz, feijão, carne ensopada e macarrão parafuso, além de uma banana de sobremesa. Duas horas depois, a luz da cela se apagou. Se o detento quiser usar o vaso sanitário durante a madrugada, precisará tatear o ambiente.
Meu “alvará de soltura” chegou ao alvorecer. Após trocar de roupa e deixar o uniforme de interno para trás, passei a caminhar pela unidade de cabeça erguida e sem algemas. Foram apenas 24 horas encarcerado, mas o ar parecia puro e o sol brilhava com mais intensidade naquela manhã de quarta-feira. Foi um alívio atravessar o portão que compõe a muralha da Penitenciária Federal de Brasília. Ao sair do local, você tem a sensação de que a expressão “a liberdade não tem preço” é a mais pura verdade.