Apesar de lotados, os presídios são ambientes muito solitários. Lá dentro, os presos convivem diariamente com a violência e, quando saem, têm de lidar com o estigma e a desumanização. A reintegração na sociedade pode ser construída por meio de educação, cultura e trabalho. Às vezes, tudo junto. Outro aspecto fundamental no processo é a formação de vínculos afetivos.

Ter alguém que os ame é questão de sobrevivência e de perspectiva para uma vida diferente fora das grades. Esse amor não é, necessariamente, aquele romântico dos contos de fadas. O afeto narrado pelos personagens ouvidos nesta reportagem pode se apresentar em diferentes formas. Seja uma visita, uma proteção, um telefonema ou um sexo apaixonado.

Nenhum preso pode suportar, tranquilamente, a falta completa de calor humano e a ausência absoluta de um pouco de amor

Eugenio Raúl Zaffaroni, jurista argentino considerado uma das maiores autoridades mundiais em direito penal

A manutenção de vínculos afetivos, além de ser parte do processo de reintegração, é direito do preso. Um estudo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostrou que a taxa de reincidência de detentos casados ou em uma união estável é menor que a de solteiros e viúvos. O mesmo ocorre com aqueles que recebem visitas íntimas na prisão.

Durante três meses, o Metrópoles conversou com egressos que mostram como o apoio de um parceiro é fundamental para o processo de ressocialização. As histórias contam diferentes perspectivas de relações que se constroem no cárcere e como elas se transformam em motivação para uma nova vida fora do crime.

São relatos de quem se conheceu no sistema. Alguns via celular, uma contravenção dentro dos presídios. Outros já namoravam fora das grades e não se separaram mesmo com a distância. Tem ainda aqueles que se apaixonaram após terem saído da prisão.

O tema é polêmico. Envolve homicidas, traficantes, estelionatários e ladrões, alguns deles com penas que chegam a 30 anos. Indivíduos que causaram grande sofrimento a outras pessoas e, por isso, acabaram condenados. É correto falar de amor com eles?

Para Leonardo Alves, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), o assunto precisa ser discutido: “Construir relacionamentos ainda detido talvez seja tão importante quanto depois de solto, pois quando o indivíduo começa a reconstruir os laços a partir de visitas e ligações, ou quando ele se apaixona por alguém, aquilo dá esperança, dá energia e traz a visão de uma nova possibilidade de vida fora do crime e da prisão”.

Mas se ter um parceiro ou uma parceira no amor pode ajudar, os especialistas são unânimes em dizer que a mudança principal no processo de reintegração social precisa começar pelo próprio preso.

Quem tem visita
é rei ou rainha

Hungria Hip Hop – Amor e Fé

Na maioria das vezes, as filas para ver os detentos são formadas por mulheres. São mães, esposas, irmãs e filhas que se dedicam a apoiar os parentes presos. O contrário já é mais difícil. Quando uma mulher está presa, ela dificilmente recebe um visitante masculino.

As visitas garantem a sobrevivência dentro do presídio. Indicam quem vai se manter forte ou não. Ajudam no abastecimento dos detentos e são o único modo de conseguir os tesouros da cadeia: cigarros, celulares e comida gostosa.

Não receber pessoas de fora é uma sentença perigosa para a vida no cárcere. “Visita não é só para ver e se manter. Quem tem visita é rei ou rainha”, conta Thaise Miguel Cardoso, de 28 anos.

Em maio de 2015, ela voltava de uma viagem a Recife (PE) e foi detida no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília (DF), por tráfico interestadual de drogas.

Era a terceira vez que Thaise fazia aquele “corre”. Tinha 22 anos e ficou menos de um mês transportando drogas, principalmente pasta-base de cocaína, uma espécie de “sobra” do entorpecente. Os policiais a mandaram de volta a Recife, onde foi julgada e condenada a 10 anos e 6 meses de prisão, sendo 3 anos e 6 meses no regime fechado.

Thaise nasceu em Brasília, onde toda a sua família vive. A distância não conseguia ser diminuída com as ligações e outras mensagens possíveis. Precisava do contato físico e de sentir o toque, mas os custos das viagens impossibilitavam os encontros.

Longe de casa e presa, a jovem lutava para sobreviver. Em dois meses, ela conheceu sua primeira companheira dentro da cadeia. Durante o período em que permaneceu encarcerada, Thaise construiu relacionamentos duradouros com duas outras detentas.

Os romances foram uma forma de perdurar pelas penitenciárias em que ficou em Recife (PE). “Não foi nem por carência. Foi por sobrevivência. Eu não tinha família, não tinha quem me visitasse”, explica Thaise.

Mas nem sempre ter um amor dentro da cadeia é sinônimo de tranquilidade. Como enfermeira, Thaise pôde observar isso de perto. Foram inúmeras as meninas que se machucavam propositalmente por causa da parceira. Os ferimentos incluíam queimaduras e ingestão de lâminas para depilação.

Ana (nome fictício) era uma dessas meninas que faziam loucuras por amor e via na paixão por Thaise um motivo a mais para ir parar na enfermaria. Cortava-se e bebia água sanitária para encontrar com a mulher. “Não sei nem porque eu fiquei com ela. Só sei que foi uma loucura. Eu não tinha amor. Era uma questão de, sei lá, ter alguém por perto”, relembra.

Nenhum dos relacionamentos engrenou fora das grades. “Não foi o cárcere o pior tempo. Foi a minha ressocialização, foi a parte que eu me senti mais inútil, me senti mais desprezada porque eu também estava longe da minha família”, ressalta a jovem.

Quando conseguiu voltar para Brasília, ela se reencontrou com Washington, que conheceu antes mesmo de ser presa. Ele ajudou a sustentar a família dela logo que Thaise foi flagrada transportando drogas. Depois, também foi preso e chegou a hora de ela apoiá-lo.

De acordo com Thaise, o que ela vive neste momento não é por interesse ou carência. É algo diferente, é amor de verdade. Um amor embalado pela música Amor e Fé, do rapper Hungria Hip Hop. A canção consegue representar bem as mudanças que vivencia.

Depois de tantos momentos turbulentos, Thaise se mostra focada no progresso profissional na área de TI. Quer construir uma família, uma base tão forte quanto a que teve e fez muita falta em Recife.

Quer um “lar daqueles de novela”. Para isso, comprou um lote na Cidade Ocidental (GO), no entorno do Distrito Federal. “O amor não é o presente, é o futuro. É você ter um futuro. Quando você ama, você tem vontade de ir além, ter uma família e de construir sonhos. Você volta também a sonhar quando você ama”, reflete.

Essa força de vontade provocada pelo amor – sentimento tão forte em Thaise – virou tema de pesquisa para o auditor fiscal do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) Silvio Bhering Sallum.

Formado em economia pela Universidade da Virgínia (EUA), o especialista estudou os impactos do trabalho e da educação na ressocialização nos presídios do estado da Região Sul do Brasil. Mas ele acabou esbarrando em outra constatação: presos casados ou em união estável apresentam menor taxa de reincidência em relação àqueles que são solteiros ou viúvos.

A motivação do estudo, conta Sílvio, surgiu da necessidade de o TCE-SC avaliar a eficácia e eficiência dos gastos públicos com o sistema prisional. Porém, ao ter acesso aos perfis dos presos, identificou-se que determinados grupos acabam tendo mais “recaídas” nos crimes cometidos.

Embora reconheça uma correlação entre o estado civil da pessoa e a probabilidade da reincidência, Sílvio afirma que “o fato de se declarar casado não teve tanto impacto na redução de reincidência quanto à quantidade de visitas conjugais registradas”.

O auditor acredita que o estudo realizado para Santa Catarina, considerando as suas particularidades, possa refletir números semelhantes aos dos demais estados do país. “Em certo grau de confiança estatística, o resultado pode ser generalizado para outras realidades também. O levantamento foi feito com base em várias referências bibliográficas, inclusive de outros países, com métodos parecidos”, explica.

Ainda de acordo com Sallum, mais importante do que “ser casado” é fomentar as interações sociais. “A partir do levantamento, pode-se observar que qualquer relação pessoal impacta positivamente na redução da taxa de reincidência dos presos”, diz.

O afeto da família não é apenas um ponto positivo na ressocialização, mas um direito do detento. “A lei prevê visitas íntimas para presos que vivem relacionamentos estáveis”, explica o advogado e doutor em direito penal pela Universidade de Sevilha Cezar Bitencourt.

O que diz a lei? O art. 41 da LEP inciso X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; e inciso XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Em dezembro de 2021, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) revogou a Resolução 4, de 29 de junho de 2020, que assegurava visitas íntimas às pessoas presas. Para substituí-la, uma nova regra com diversas restrições foi publicada no Diário Oficial da União.

De acordo com o texto, as visitas íntimas mudam de nomenclatura, passando a chamar “visitas conjugais”, e só estão autorizadas para pessoas casadas ou com união estável registrada.

Além disso, fica estabelecido um cronograma de visitação: apenas uma vez por mês. Também não pode haver troca de cônjuge. Uma vez cadastrado o nome, se houver rompimento ou necessidade de trocar a pessoa, isso só pode ser feito 12 meses após o cadastro.

De acordo com o novo texto da Resolução 23, a “visita conjugal”, “nas hipóteses em que autorizada administrativamente, poderá ser concedida tanto ao preso provisório quanto ao preso definitivo, independentemente de sua nacionalidade ou origem”.

Cezar Bitencourt acredita que, apesar de facilitar, a Constituição não confere qualquer vantagem a quem mantém uma relação conjugal ou mesmo namore. Ainda na visão do advogado, os administradores de presídios não têm a preocupação de preparar os egressos para voltar ao convívio em sociedade.

“A situação é bem complexa. Normalmente, uma pessoa que vai para prisão perde o contato com a família, pois os parentes moram longe e nem sempre conseguem juntar dinheiro para ir visitar o detento”, lamenta.

Embora haja exemplos de presos que tenham começado um relacionamento com alguém fora da prisão e, consequentemente, apresentado boa conduta, o advogado afirma que não é algo comum. “É raro acontecer. Existe um preconceito muito grande com esse grupo”, explica.

Leonardo Alves, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), tem experiência com trabalhos de campo na prisão com ênfase em Antropologia das Emoções, Sociologia das Prisões e Antropologia do Direito.

Em pesquisa realizada no Complexo Feminino Penal Dr. João Chaves, em Natal (RN), ele conseguiu identificar algumas formas de relacionamentos dentro das grades a partir dos relatos das presas.

Carência

De acordo com o especialista, esse tipo de relacionamento tenta suprir a necessidade física do toque e uma necessidade emocional, consequência da solidão. Para ele, as relações descompromissadas, o famoso “ficar”, acabam sendo as mais sinceras que existem, pois ambas as partes sabem que não vai chegar a lugar algum.

Amor

O antropólogo também identificou o relacionamento por gostar como sendo o tipo mais romântico e legitimado dentro da prisão como amor.

Interesse

O tipo de relacionamento mais comum na cadeia. “Ele ocorre quando um detento se aproxima de outro para poder se aproveitar dos pertences recebidos, como alimentos, cigarros e etc. Geralmente, pelo menos uma das partes sai iludida, achando que aquele sentimento é honesto”, ressalta.

Alves afirma que, independentemente da motivação, as relações são de extrema importância para que o processo de ressocialização comece antes mesmo da saída da prisão.

Eu não acho que isso seja amor, é uma coisa doentia

Sozinho – Caetano Veloso

Sábado é dia de sacola. Rafaela Hammel, 45 anos, dá uma pausa na comida que cozinhava para conversar com o Metrópoles. Nos últimos três meses, a rotina de sábado tem sido acordar, tomar banho, fazer a maquiagem, colocar roupa, chinelo de dedo e sair de sua casa no município de Imbé, no Rio Grande do Sul, em direção à Penitenciária Modulada Estadual de Osório. É lá que o marido cumpre pena.

A pandemia restringiu as visitas. O casal, que tempos atrás dividia a cela e a vida no Presídio Central de Porto Alegre, ficou mais de um ano sem contato face a face. O que manteve o calor do relacionamento durante todo esse tempo foi a sacola abastecida com alimentos, cigarro, produtos de higiene e erva de chimarrão que, religiosamente, ela entrega aos sábados no presídio.

Quando se descobriu travesti, aos 17, seu sonho era ter um marido. Alguém para andar de mãos dadas, ir a um restaurante, ter uma cachorrinha e passear no Parque da Redenção.

Perguntava para as travestis mais velhas o que precisava para conseguir o homem que tanto queria. Aos 18, comprou carro, alugou apartamento, tudo que diziam ser necessário para atrair um possível pretendente. “Saía todas as noites e conseguia vários, mas não um que me assumisse”, lembra ela, que está há quatro anos fora da prisão.

Até que veio o primeiro marido e o sonho acabou. O homem era ciumento, abusivo e passaram a cometer crimes juntos. “Ele não me deixava fazer programa, me obrigava a roubar, ficava dentro do guarda-roupa tirando foto escondida para depois chantagear os clientes”, revela a ex-detenta. “Eu fazia tudo por amor, porque gostava dele”, assume.

Tempos depois, o marido foi assassinado, deixando de herança para Rafaela 25 anos de pena para cumprir. Na cadeia, conheceu Mateus. “Esse foi o príncipe da minha vida”, recorda com um sorriso no rosto. “Eu o amei muito”, completa, reflexiva. Depois de 3 anos de relacionamento, em 12 de outubro de 2009, recebeu a notícia de que ele havia falecido.

Então, Fábio entrou na sua vida. Estão juntos há 11 anos e se conheceram no cárcere. Ela o acolheu quando ele chegou ao Presídio Central, aos 21. Foram dividindo um sabonete, uma toalha, até que em pouco tempo passaram a dividir a cama, como marido e mulher. Sem apoio da família, Fábio conseguiu alguém que cuidasse dele dentro daquele ambiente hostil. Em troca, fazia tudo por ela. “Lavava minha roupa, me levava café na cama, limpava a cela toda. Eu não precisava fazer nada.”

Dentro da penitenciária, travestis e seus parceiros são alvo de preconceito constantemente. “O marido sofre muito mais que a gente porque eles são tratados como se fosse o ‘puto do puto’, sabe? Pior que ser puto é ser ‘puto do puto’. Eles são chamados assim.”

Em 2017, ela conseguiu a condicional para cumprir o resto da pena, que vai até 2030, em liberdade. Ao sair, queria ir à praia, observar o mundo, mas o pensamento ainda estava preso em uma cela. “Lembro que na primeira semana em liberdade já fiz um depósito em dinheiro para ele.”

A vida fora das grades também não se mostrou fácil. Desempregada, ela sobrevive com o auxílio emergencial e conta com a ajuda de familiares. Quando o dinheiro não é suficiente, vai para a rua fazer programas para completar a sacola do marido.

“Eu não acho que isso seja amor, é uma coisa doentia. Parece que se eu não for, não vai ser uma semana legal. Ele vai me cobrar, vou ficar me sentindo culpada e lembrar que já teve vez que fiquei sem e me fez muita falta”, lamenta.

Rafaela é a única visita que Fábio recebe. Como alguém que já viveu os horrores do cárcere, ela sabe que ter um apoio é fundamental para a vida lá dentro. Rafaela e Fábio também já viveram juntos fora da cadeia em algumas ocasiões, mas ele sempre volta a cometer crimes e é preso novamente.

O relacionamento dos dois é alimentado por um sentimento de cuidado que ela tem por ele e pelo sexo, que segundo Rafaela, é muito bom, apesar dos corpos maltratados pela vida e pelas drogas.

Com 45 anos, Rafaela reflete que ainda não encontrou o marido que sonhava em sua adolescência. Para ela, o que importa no relacionamento não é o sentimento de amar e, sim, o ato de a assumir da forma que ela é. “Ele anda de mãos dadas na rua, vai à praia comigo, me assume. Isso que eu gosto.”

Apesar do cansaço e da responsabilidade de cuidar do marido preso, ela conta que é feliz assim. “Ao menos estou indo lá, fazendo o bem, ajudando. Se vai reconhecer depois? Vai saber. Se vai sair e mudar, vai saber. O importante é a gente lutar, acreditar”, finaliza.

Para o psicólogo perito Matheus de Oliveira, que atua em presídios de Ribeirão Preto (SP), a família exerce um papel fundamental no processo de ressocialização. “Entrevistas que já foram realizadas com pessoas que não reincidiram no crime mostram que a presença de parentes e de parceiros afetivos são positivas. Muitos acabam encontrando nos relacionamentos um refúgio”, declara.

Ele explica que os relacionamentos motivam os egressos a continuarem a vida do lado de fora da prisão.

O ser humano é movido pela busca do amor. É muito importante que eles possam vir a ter uma vida afetiva, alguém que os acompanhe e esteja junto durante a reintegração

Matheus de Oliveira, mestre em Psicologia Forense

De acordo com o especialista, a união estável contribui para a diminuição da reincidência criminal, pois os presidiários entendem que quando saírem da penitenciária terão alguém esperando por eles, um apoio para poder recomeçar a vida e um vínculo com a família.

Aqueles egressos que se veem sozinhos quando cumprem a sua pena encontram mais obstáculos no processo de reinserção social, pois não têm a quem recorrer, e resistência para conhecer alguém. Como consequência, viram moradores de rua ou voltam ao crime para sobreviver.

Mesmo que procurem formas de recomeçar a vida, a condição de ex-presidiário afeta a autoestima e as relações dessas pessoas. “O discurso que os detentos apresentam é de querer viver isolado após a prisão. Poucos têm esperança de conseguir emprego, construir uma família, recuperar os amigos”, avalia.

Por causa do preconceito da sociedade, a chance de os ex-presidiários se envolverem com outras pessoas que também foram encarceradas é maior, pois eles entendem a situação pela qual estão passando e têm experiências semelhantes de vida. Em alguns casos, esses relacionamentos começam ainda atrás das grades. Porém, eles se desenvolvem de maneiras distintas nas prisões femininas e masculinas.

“Quando os homens se permitem um envolvimento homoafetivo dentro da cadeia é por um desejo carnal. Nas penitenciárias femininas é diferente, porque tem mais a questão do afeto, do cuidado. A mulher não tem resistência em mostrar os seus sentimentos. Mesmo se identificando como héteros, elas se permitem viver um namoro”, compara o psicólogo.


Matheus explica que isso ocorre devido à solidão da mulher na prisão, pois muitas são abandonadas pela família e pelo marido. “Em alguns casos, ela está na prisão por causa de um crime do marido. E encontram umas nas outras o papel que perderam dentro da sociedade, como de mãe e esposa.”

Contudo, destaca, quando comparada com a situação do homem preso que recebe visitas, o cenário é diferente. “O homem não é julgado se arranjar outra mulher enquanto a esposa está na prisão. Ele também não acha que tem a obrigação de visitá-la. Existe a questão do preconceito masculino com as revistas íntimas para entrar no presídio”, acrescenta.

A principal resposta para essa distinção está no machismo. “A mulher tem que ficar com o homem e aguentar a barra, mesmo que ele esteja preso, do contrário ela é julgada. Passam por revistas humilhantes para dar apoio ao marido”, diz o psicólogo.

Ele ressalta ainda que no caso dos transexuais, além da marginalização, dificilmente encontram suporte da família ou visitas na cadeia. ”Não é por que ele cometeu um erro, por pior que seja, que deixou de ser filho ou esposo de alguém”, finaliza.

Eu achava que o meu amor tinha falhado com ele

Amores Extraños – Laura Pausini

O primeiro encontro entre Clagis Leal da Luz e Deyla Andrade de Souza estava marcado para acontecer na Unidade Prisional do Puraquequara, em Manaus (AM), na cela onde o homem vivia. Ela morava com a irmã dele e, por isso, o casal já mantinha uma relação por telefone.

Clagis e Deyla nunca tinham se visto, mas os dois estavam preocupados em se conhecer pessoalmente. Clagis falou para o companheiro de cela: “Se for feia, tu fala que é tua”. Do lado de fora do presídio, Deyla também pensava: “Se for feio, eu vou embora. Eu não vou ficar”.

Apesar de se sentir constrangida com a revista íntima, Deyla seguiu ansiosa pela cadeia em uma manhã de 2006. Clagis viu que existia algo especial porque ela o tratava de um jeito diferente. Imaginou que “se ela vir na próxima semana é porque gostou de mim”. A partir daquele dia, Deyla continuou voltando ao presídio todos os finais de semana.

Os primeiros três meses daquelas visitas frequentes resultaram em uma gravidez. Ele estava focado em sair da cadeia o mais rápido possível para cuidar da filha e ficar junto da mulher.

O ex-presidiário nasceu no interior do Amazonas em novembro de 1983. Sua família se mudou para uma invasão em Manaus quando ele ainda era criança. Vivia em condições precárias e iniciou, aos 14 anos, sua vida no crime. Clagis foi preso em flagrante, aos 19 anos, após matar o ex-comparsa com um pedaço de pau.

O homem estava demonstrando uma evolução positiva na sua conduta, apresentando comportamento adequado e bom convívio com os outros presos. Ele progrediu para o regime semiaberto, em 2009, quando a filha tinha quase 2 anos.

Apesar dos apelos da mulher, ele ainda manteve contatos com a sua antiga vida. Fugiu do semiaberto e foi considerado foragido pela Justiça do Amazonas. Nove meses depois, acabou capturado e retornou para a cadeia. Voltou para o regime fechado, sem os direitos que tinha conquistado graças ao bom comportamento.

Deyla relembra a frustração que viveu na época: “Eu achava que em algum momento o meu amor tinha falhado com ele”. Em meio às dúvidas, a mulher continuou o relacionamento por meio das visitas aos sábados. Ouvia Amores Extraños, de Laura Pausini, para manter os encontros na memória. Não escutava a música somente para lembrar do homem, mas para recordar deles juntos.

Na época, a segunda filha do casal estava para chegar. Deyla sentia que o cansaço, causado pela dependência que sentia pelo marido, prejudicava a vida dela. Era outra gestação longe do pai de suas pequenas. Carregava uma nova vida e os mesmos preconceitos da primeira gravidez.

O medo maior era que isso também tivesse consequências para a caçula da mesma forma que teve para a primogênita, que vivia com a avó materna devido à falta de estabilidade na vida dos pais.

Então, decidiu que as coisas não poderiam continuar assim. Iria largar Clagis, parar de visitá-lo. Foram seis meses sem encontros até o homem conseguir novamente a liberdade provisória. Ele procurou a família, querendo entender o que tinha acontecido. Deyla definiu os limites: se ele quisesse continuar naquela vida, eles não teriam mais volta.

Recomeçaram juntos em um quartinho alugado em Manaus, mas nem Clagis nem Deyla conseguiam se fixar em um emprego. As dificuldades e a pobreza angustiavam o casal ao ponto de ambos chegarem a queimar o berço da filha para esquentar a comida que conseguiam.

As coisas só melhoraram quando a mulher conseguiu trabalho. O salário dava alívio no fim do mês. Pouco tempo depois, ele também foi empregado como auxiliar de pedreiro. Atualmente, vivem em um sítio perto da capital amazonense. Tiveram outro filho.

Para o casal, o amor deles vem amadurecendo desde aquele primeiro encontro. O homem afirma que “é um amor que criou raiz, experiência, que amadureceu” e “não é qualquer pessoa ou qualquer dificuldade que vai abalar” porque não conseguirão nem arranhar.

“Quando eu vi ele, sabia. É o homem que eu quero para mim. Meio louco, né? É uma coisa assim que as pessoas não entendem”, afirma Deyla.

De acordo com Roseane Lisboa, socióloga que atua há 10 anos no sistema prisional, os egressos têm dificuldades em refazer a vida por causa do preconceito que sofrem, e a sociedade civil não está preparada para receber esse grupo.

“Ao passar pelo cárcere, a pessoa não se vê mais como um cidadão ou como uma pessoa que tem direitos. Ela adquire dificuldades para transitar, para ter essa mobilidade urbana por medo das abordagens das pessoas e da polícia. Então, ela começa a fugir desencadeando dificuldades emocionais”, afirma a doutora em ciências sociais pela PUC Minas.

Para a especialista, o egresso do sistema prisional vem acompanhado de uma invisibilidade e busca abrigo nas relações: “A pessoa sai perdida, sem saber qual rumo tomar, não se sente acolhida e não consegue nem mesmo enxergar quais são as suas demandas e necessidades. Então, ela se vê muito nessa situação de desamparo por conta da subjetividade”.

Ela alerta que o sistema prisional brasileiro é caracterizado pelas recorrentes violações aos direitos humanos, atingindo até mesmo a rede de apoio do apenado. “A família também paga a pena com quem tá preso”, enfatiza.

A psicóloga também coordena a Rede de Apoio ao Egresso do Sistema Penitenciário (Raesp) em Minas Gerais. De acordo com ela, a sociedade pode atuar ao lado do Estado na implementação de políticas públicas que viabilizem o processo de ressocialização de forma eficaz.

“A partir dos movimentos e coletivos da sociedade civil organizada, a gente pode ter um trabalho em prol da inclusão, do atendimento ao egresso, de voluntariado, mas sem isentar o Estado de sua responsabilidade. O que eu percebo, muitas vezes, é que o Estado se escora nesses atores como se delegasse boa parte de suas demandas a esses movimentos”, desabafa.

Criada em maio de 2006, no Rio de Janeiro (RJ), a Raesp é uma rede de mobilização que visa alcançar melhores condições para a inserção social da pessoa egressa do sistema penitenciário.

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) também oferece condições para que os presos possam se recuperar e mudar de vida. Por meio de uma metodologia própria, desde 1972, a entidade prioriza a reintegração social no cumprimento de penas privativas de liberdade no Brasil.

O método da Apac busca a valorização humana, vinculada à evangelização, de modo a oferecer ao condenado condições de ser ressocializado por intermédio da Justiça Restaurativa. Os presos, chamados de recuperandos, são corresponsáveis por sua reinserção social.

Durante a rotina diária na entidade, todos trabalham, estudam e se profissionalizam. A segurança do espaço e o monitoramento do cumprimento das regras também são feitos pelos próprios reeducandos, com o auxílio de voluntários e funcionários, sem a presença de agentes penitenciários e policiais. Atualmente, a Apac conta com 63 instituições e atende mais de 4 mil presos no Brasil.

“O ambiente prisional não proporciona estrutura para a recuperação. Na Apac é ao contrário, tudo está dentro da lei de execução penal. Eles valorizam o ser humano e estabelecem uma relação de confiança e diálogo”, conta o ex-detento Daniel Luiz da Silva.

Após cumprir a pena de 14 anos e meio e concluir os estudos, Daniel recebeu o convite para voltar à associação como gerente de metodologia da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC). Foi o primeiro emprego com carteira assinada. Para ele, a volta por cima só aconteceu graças ao papel da família.

Silva afirma que o presídio é um lugar favorável para que os relacionamentos não durem, pois a pena também é imposta à família, que precisa passar por revistas e nem sempre é bem tratada pelos agentes. De acordo com ele, o ambiente vivido nas Apacs se diferencia, uma vez que a metodologia também favorece a reestruturação familiar.

De acordo com o representante da fraternidade, no presídio em que se aplica a metodologia Apac, o preso custa um terço do valor gasto no sistema comum. Os resultados positivos são vistos também durante o processo de recuperação diante do baixo índice de reincidência, ausência de violência, rebeliões e fugas.

“Não podemos esquecer que o preso vai voltar para um lugar que foi marginalizado. Como você vai ressocializar quem nunca foi socializado? Por isso, a importância da valorização humana durante o processo”, conclui.

A Defensoria Pública do Distrito Federal também oferece um programa de renovação, voltado para atender pessoas em situação de vulnerabilidade social, entre elas ex-detentos.

O projeto tem o objetivo de oferecer suporte, acolhimento, sentimento de pertencimento social e promoção da consciência crítica por meio de conhecimento e informação.

Segundo a subsecretária de Atividades Psicossociais da Defensoria Pública, Roberta de Ávila, a ação já alcançou cerca de 125 autores de crimes e tem resultados positivos no processo de ressocialização. “Eles se sentem amados, reconhecidos. Mesmo diante das adversidades e pressões sociais, eles podem aprender, crescer e se tornar pessoas ainda melhores”, declara.

Para ela, a Justiça e o cumprimento de pena têm que ser feitos desde que tenham um caráter reconstrutor. “Não tem outro caminho a não ser o de compreensão para que haja uma transformação social”, ressalta.

Ela afirma que os egressos que passaram pelo projeto não reincidiram no crime. “Quando eles têm acesso a espaços de ressignificação, conseguem repensar as vivências e aprender com as suas condutas. O amor nos leva a nos comprometermos. Em primeiro lugar, com a gente e, depois, com os outros. A mudança de vida deve ser pensada não só para os próprios benefícios, mas como vai impactar na sociedade também”, defende.

De acordo com ela, relacionamentos, conexões sociais e rede de apoio trazem maior engajamento e aumento da autoestima durante o processo de ressocialização e, também, geram um sentimento de pertencimento social por parte dos reeducandos.

Você não está sozinho, eu estou aqui com você

You are not alone – Michael Jackson

Dizem que o amor cura. Quem conhece a história de Luiz e Cléo não tem dúvidas disso. O casal, que está junto há mais de 15 anos, encontrou no amor e na fé a força para superar as dificuldades e os estragos que uma prisão injusta pode causar na vida de qualquer pessoa.

Luiz Alves, de 48 anos, e Cléo Silva, 35, se conheceram em Vitória (ES), em 2006, quando, por obra do destino, Cléo entrou no ônibus errado e precisou descer do veículo para pedir informações. Ali, viu Luiz pela primeira vez. Ele trabalhava como cobrador de ônibus e conhecia com precisão o itinerário dos transportes que circulavam pela cidade.

Desse dia em diante foram muitas trocas de mensagens, telefonemas, dois encontros e o incentivo de uma das filhas de Luiz, fruto de um relacionamento anterior, para o primeiro beijo. Algumas semanas depois, eles se casaram. Após um ano veio Luíza, primogênita do casal.

Em 2009, entretanto, Luiz e Cléo viram o mundo desabar. Após uma visita da família ao hospital para tratar de uma enfermidade de Luíza, o casal foi levado à delegacia. De lá, saíram separados e sem a filha.

“Quando eu soube que seria presa, fiquei sem chão. Fui ao hospital para buscar ajuda e saí de lá acusada de um crime que nem eu nem meu marido cometemos. Eu tinha emprego, estudava e tinha uma vida, mas foi tudo tirado de mim. O meu mundo caiu naquele momento”, diz Cléo.

Luiz e Cléo foram presos acusados de abuso contra a própria filha. Ela ficou 42 dias na cadeia e perdeu a guarda da menina. Ele foi privado de liberdade por nove meses. Perdeu a visão total de um olho, segundo ele após ser torturado pela polícia, e hoje tem apenas 20% da visão do outro.

Luiz conseguiu o direito de responder ao processo em liberdade. Decidido a provar sua inocência, correu atrás de médicos, peritos e laudos que comprovaram que a criança tinha oxiúrus, doença ignorada no exame que o incriminou. Em 2016, o processo criminal foi encerrado. A Justiça o absolveu e o considerou inocente de todas as acusações, uma vez que foi constatada a integridade do hímen da criança.

“A única coisa que pude levar da minha esposa foi uma fala. Ela disse para eu ter fé, pois Jesus me tiraria daquela situação. Essa frase eu nunca esqueço”, revela Luiz.

Foram oito anos de luta, dor e sofrimento, mas nem mesmo esse tempo foi suficiente para causar uma ruptura familiar. Eles encontraram um no outro apoio e amor necessários para retomar a vida.

“Durante todo o tempo, eu orava e falava para Deus que queria a minha família de volta. Todos os dias pedia um sinal que nos desse esperança de que tudo passaria e ficaríamos juntos outra vez. Eu sempre falei para o Luiz que ao lado dele eu me imagino velhinha. Então, resolvemos confiar em Deus e ter fé de que tudo ficaria bem”, declara Cléo.

A esperança veio com nome de anjo, Miguel, resultado do primeiro dia que o casal conseguiu se reencontrar. Para deixar tudo ainda mais especial, o encontro, que ocorreu sob a luz do luar, ganhou até trilha sonora. A melodia que embalava o momento a dois tinha como tradução os dizeres: “Você não está sozinho, eu estou aqui com você. Mesmo que estejamos distantes, eu estou aqui para ficar. Você sempre permaneceu no meu coração”.

A letra em inglês de You are not alone, de Michael Jackson, não havia sido compreendida imediatamente pelos amantes, mas, de alguma forma, Cléo percebeu que era especial. Mesmo sem entender o idioma, essa foi a música que marcou a celebração do amor e da liberdade do casal.

“Sempre que eu lembro dessa música, sinto conforto. Ela se tornou especial porque na minha cabeça não nos veríamos outra vez. Então, essa canção marcou o reencontro do nosso amor”, conta Cléo.

Mesmo com a liberdade de Luiz, a família ainda permanecia incompleta, já que a custódia de Luíza não era deles, mas da avó materna. Foram mais dois anos até que eles revertessem a situação e a menina voltasse para casa.

““Se eu não tivesse o apoio da minha esposa, não teríamos chegado até aqui. Mesmo em meio às dificuldades, ela permaneceu ao meu lado e nunca desistiu de mim. Sem ela, não teríamos recuperado a Luíza. Se chegamos até aqui, foi por conta de Deus e por causa dela”, diz Luiz.

Hoje, três anos após finalmente toda a batalha judicial chegar ao fim, o casal permanece firme e forte. E a família aumentou com a chegada de Penélope, a caçula.

A história de Cléo e Luiz parece um roteiro de cinema. Os trágicos momentos vividos por eles não chegaram às telonas, mas o amor como agente ressocializador é tema recorrente no mundo literário e cinematográfico.

Joana Nin dirigiu dois filmes premiados sobre as mulheres que se dedicam a dar atenção e afeto a presidiários. O curta Visita Íntima (2005) ganhou 21 prêmios, incluindo o de melhor documentário no Festival É Tudo Verdade. Já Cativas – Presas pelo Coração (2013) recebeu menção honrosa no Festival do Rio.

“Eu queria entender o amor delas. Acho muito relevante pensar nessas mulheres que caminham ao lado de condenados porque elas sofrem uma pena paralela. Fazem isso por escolha pessoal ou compromisso afetivo, mesmo sabendo que, se forem presas, ninguém irá na cadeia vê-las. De onde vem essa força feminina?”, questiona.

A diretora identificou histórias reais nas quais o amor foi importante para mudar a vida da pessoa presa. “Tem vezes que o casal fica junto depois, e o cara muda de vida. Para isso, ele tem que estar disposto a se mudar para outro lugar, por exemplo, porque senão os comparsas do passado não o deixam recomeçar. Nem a polícia”, avalia a cineasta.

“É lógico que ter família não quer dizer que o cara vá querer mudar de vida. Mas aquele que não tem família, esse não tem qualquer motivo para querer mudar, entende? E a vida para essas pessoas vale muito pouco”, conta.

Liliana Sulzbach, diretora de O Cárcere e a Rua, vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado de 2004, recorda de situações especiais que viveu enquanto gravava.

A primeira foi do namorado de uma mulher presa que participou do documentário. Todas as noites ele se aproximava do muro da cadeia onde ela estava cumprindo pena e gritava: “Oi Magda, estou com saudades.”

“Eu coloquei no filme justamente por ser uma situação inusitada, pois não é o que ocorre normalmente. De certa forma, isso alimentava uma esperança nela, de que as coisas podiam ser diferentes”, lembra Liliana.

O segundo caso foi de uma presidiária chamada Jaqueline. “A penitenciária Madre Pelletier, em Porto Alegre, tem uma ala para mães que podem ficar com os seus bebês, e a Jaqueline tinha dois filhos. Nos finais de semana, o pai os buscava na creche para ficar com ela na penitenciária. Isso também é difícil de ver, já que elas não recebem esse tipo de atenção quando são presas.”

Em Amor Entre as Grades, livro de Ana Cristina Costa Figueiredo, o amor é representado como peça-chave no processo de ressocialização. Para a autora, os laços amorosos podem servir como motivação para a mudança de vida.

“A manutenção de vínculos afetivos e sexuais é um direito da pessoa aprisionada, mas esse direito não tem ocorrido na prática. O que a gente observa é a presença de inúmeras barreiras que impedem o contato afetivo e sexual. No cotidiano prisional, as visitas íntimas raramente são usufruídas e, quando existem, são autorizadas somente para homens. Mas isso é importante para todos”, destaca.

Ana Cristina explica que esse modelo de privação de liberdade submete essas pessoas a mais violação de direitos, a obstáculos para o exercício pleno da cidadania.

A vida ficou até melhor com o apoio dela

Quero Sol nesse Jardim – banda gospel Catedral

O dinheiro fácil para comprar o que nunca teve foi um dos motivos que fez Anderson Ramos, 37 anos, ir “para o caminho errado”, como ele mesmo diz. O que veio fácil também se foi num piscar de olhos. Nascido e criado no Distrito Federal, foi preso por tráfico de drogas em 2012. Por ser primário, a pena foi menor: quatro anos e sete meses.

Foram dois anos no regime fechado, um no semiaberto e um ano e meio no aberto, domiciliar. Ele era sempre visitado pela mãe, às vezes acompanhada da filha pequena, fruto de um relacionamento que Anderson teve antes da prisão. Em uma das visitas, a inocência da pequena fez o pai enxergar que precisava ser uma pessoa melhor por ela.

“Eu sempre falava que estava trabalhando e não podia voltar”, relembra. “Um dia, ela virou pra mim e falou ‘pai, vamos pra casa com a gente e depois você volta. Vai lá com a gente rapidinho e depois você volta pra cá!’. Aquilo ali cortou o meu coração e eu decidi que não voltaria.”

Ouvir sobre o passado do companheiro não assustou Carmen Souza, 28. Muito pelo contrário. “Quando ele me contou a história, eu falei ‘nossa, que bonito!’, eu fiquei orgulhosa por ele tentar ir para o caminho certo. Eu achei lindo, e até hoje eu acho”, ressalta, animada.

Quando se conheceram, Anderson já tinha cumprido toda a pena, trabalhava e estudava. Quem apresentou os dois foi a prima dele, amiga de Carmen. Em poucas semanas, engataram o namoro. Depois de três meses juntos, em 2019, a distância e as rotinas corridas começaram a sufocar o relacionamento. Ele vivia em Brasília, ela em Goiás. A história parecia ter acabado por ali.

Em 2020, voltaram a se falar. O amor continuava ali, e reacendeu. Para o passado não se repetir, agora moram juntos. Anderson tem construído, ao longo dos anos, um caminho sólido de ressocialização. O estímulo para continuar vem dos parentes, do sonho de ser advogado penal ou de família e do incentivo e parceria incansáveis da companheira.

““A vida ficou até melhor com o apoio dela”, conta Anderson, com sorriso largo no rosto. Ao ouvi-lo falar, Carmen também sorri. “Eu tenho o apoio dela também em outros horizontes, para fortalecer a caminhada dos estudos. Tudo é um apoio, uma ajuda, uma rede que ela fortalece pra gente seguir.”

A construção dessa rede sólida é central no relacionamento. Carmen e Anderson se apoiam um no outro para perseverarem no trabalho duro. “A gente visa muito unir as forças para poder conseguir coisas pro nosso futuro”, explica Anderson. “Estamos trabalhando para sobreviver. Só dá pra pagar as contas e comer, mas mesmo assim ele não quer essa vida fácil de novo”, conta Carmen.

O ex-detento reconhece que quem passa pelo sistema prisional raramente tem um pilar de sustentação tão forte como ele, fundamental para a reintegração. A cadeia não ressocializa a maior parte dos internos. “Tem que ter muita força de vontade, ter oportunidade por parte dos governantes, como eu tive pela Funap”, afirma.

Anderson começou a trabalhar como garçom na Defensoria Pública do Distrito Federal por meio da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap/DF). “Parece que foi até coisa para mim!”, conta. “Parece não, foi Deus que me colocou ali, as coisas todas se encaminharam.”

Com o estímulo dos colegas de trabalho, ele se reabriu para os livros. Terminou o ensino médio depois de quatro anos sem estudar, prestou o vestibular e começou a cursar direito. Carmen sempre o incentivou a continuar. Com uma recente instabilidade financeira, trancou o curso, mas já planeja o retorno.

Para a família dela, o passado de Anderson nunca foi problema. “Somos cristãos e o cristianismo sempre fala de renovação, a pessoa pode mudar quando quiser”, ressalta a operadora de caixa. Para o ex-detento, a religião também teve papel importante. Ele acredita que ter crescido em um lar cristão contribuiu com a consciência e a vontade de não reincidir: “Mesmo quando estava ali mexendo nas coisas erradas eu sabia por dentro que não era o certo”, conta.

Contudo, ela admite já ter deixado de comentar com amigos e conhecidos: “Não porque me envergonha, mas porque me incomoda que as pessoas estranhem tanto o fato de eu estar com ele, porque ele teve um passado”, explica.

Para Anderson, o apoio e os bons conselhos de uma pessoa amada podem ser decisivos para egressos do sistema prisional. “Alguns [internos] até desanimam, em relação aos estudos, não confiam, mas a gente tem que confiar em nós mesmos. A gente, às vezes, desanima com as pequenas palavras”, admite.

Gary Chapman, no livro As Cinco Linguagens do Amor, descreve diferentes formas de como as pessoas demonstram o amor que sentem. São elas: palavras de afirmação, presentes, qualidade de tempo, toques físicos e gestos de serviço. O último define perfeitamente Carmen e Anderson. É no esforço diário em criar um futuro melhor para a família que eles reconhecem o amor um do outro.

Para ela, o sentimento se manifesta nas ações e não nas palavras. “Eu não quero um amor que só fala, eu quero atitude”, ressalta Carmen. Em meio a uma rotina pesada, o casal encontra pequenas maneiras de demonstrar o amor que sente um pelo outro: “Nos mínimos detalhes. É ele passar o cafezinho quando eu chego, quando eu chego antes eu passo o café para ele. Quando estou mais cansada, ele arruma a comida pra mim”, ela exemplifica.

A música que define o relacionamento do casal tem ar de esperança por dias melhores e de uma forte parceria. Quero Sol nesse Jardim, da banda gospel Catedral. “Tem um trecho da música que fala assim: ‘Eu quero sol nesse jardim” e para nós é que não venha a morrer nosso amor, que não venha morrer a nossa história, que não venha morrer o sonho de cada um de nós”, explica Carmen.

Isso é amor, né? Uma coisa sobrenatural, algo de alma

One – U2

O amor é o fôlego
da existência

Beijo no altar – William Nascimento

O amor é o fôlego da existência

Música: Beijo no altar, de William Nascimento

Eu não acho que isso seja amor, é uma coisa doentia

Gusttavo Lima e Sozinho – Peninha

Isso é amor, né? Uma coisa sobrenatural, algo de alma

One – U2

A história de Fábio e Aglaê foi amor à primeira ‘falada’. “A voz dela me impactou, gostei; já fui conhecendo, fui gostando. Hoje eu não gosto, eu amo”, declara-se Fábio.

Treze anos de diferença separam o casal. Atualmente, ela está com 54 e ele, 41. Tinham trajetórias e gostos diferentes. Nada disso impediu que o amor entre eles florescesse. Aglaê se comoveu com a história de Fábio e decidiu ajudá-lo.

Fábio não teve pai e perdeu a mãe aos 12 anos por complicações da aids. Sem família, cresceu nas ruas e areias de Santos (SP). Desde cedo se envolveu com o mundo do crime e das drogas. Foi preso aos 19 e, durante 15 anos, não teve visita nem saidinha.

Aglaê Ruth Leopoldo viveu a maior parte da vida na capital de São Paulo e teve boa estrutura familiar. Aos 12 anos, o patriarca faleceu e, então, a vida começou a sair dos eixos. Ainda adolescente carregava o peso de sustentar os dois filhos sozinha. Foi viciada em crack, morou nas ruas e teve recorrentes prisões.

Gerente do tráfico de uma organização criminosa, foi sentenciada a 12 anos de prisão. Em setembro de 2008, ganhou um benefício e saiu em liberdade. Mas após perder a mãe e o filho, voltou à prisão mais uma vez. Agora, com uma pena de 30 anos para cumprir.

No início de 2013, ela obteve regime aberto. Aglaê queria ajudar o namorado a organizar a vida. Quando eles começaram a conversar, Fábio tinha nome e sobrenome: Fábio Cassiano Martins. Porém, não havia uma identidade nem certidão de nascimento que atestasse a alcunha.

Aglaê juntou as informações, entrou em contato com o cartório em que Fábio foi registrado e fez o pedido de uma nova certidão. Em 8 de agosto do mesmo ano, véspera do aniversário dela, aconteceria o primeiro encontro. Também seria a primeira vez que ele sairia da cadeia depois de 15 anos.

Na época, Aglaê e Fábio não se conheciam nem por foto. Mas ao chegar e ver um homem negro, alto e magro como um palito de fósforo, ela sabia que era o amado. Quando o final de semana acabou, Fábio voltou para a cadeia e durante dois anos a relação se manteve, a maior parte do tempo, por carta e telefone.

Em uma saidinha de Dia das Mães, comemoraram o aniversário de Fábio, que havia sido no começo do mês. No fim do dia, já em casa, a tornozeleira eletrônica começou a apitar, indicando uma violação às regras de localização determinadas para a saída temporária. Logo entraram em contato com a unidade prisional para verificarem o possível erro.

Com medo, Fábio não queria voltar à prisão, mas ela o convenceu. “Se você ficar fugitivo, todos os nossos planos vão por água abaixo. Como vai fazer para trabalhar? Como a gente vai levar uma vida normal?”

Ao voltar, Fabio regressou ao regime fechado e foi transferido para o interior de São Paulo. Aglaê ganhou a liberdade via indulto presidencial e, então, passou a viajar para visitá-lo todo final de semana.

“Eu fiquei seis anos na porta da cadeia todo final de semana. Por todo esse tempo, não tive Natal, Ano-Novo, Dia dos Pais nem Dia das Mães”, conta, emocionada. Trabalhava de 12 a 14 horas, de segunda a sexta-feira, para conseguir sustentar a casa e pagar os custos das viagens até o presídio. Eles faziam planos para o futuro a cada visita.

Em 2018, Fábio voltou para São Paulo em regime semiaberto e, no ano seguinte, ganhou o direito de cumprir o resto da pena em regime aberto até 2024. Começou a trabalhar vendendo mangueira na rua e foi ajudante de pedreiro. Conseguiu capacitação no Instituto Responsa, organização não governamental que busca inserir egressos do sistema prisional no mercado de trabalho. Hoje, tanto Fábio quanto Aglaê estão empregados por meio do instituto.

Depois de precisarem lidar com toda a separação que o cárcere impôs, do lado de fora tiveram de se adaptar à vida normal. Nesse processo, ela precisou segurar o ciúme que sentia do companheiro. “Fiquei por tantos anos tendo ele só para mim. Não conversava com outras mulheres, não tinha outros relacionamentos afetivos. Quando veio para rua, eu infernizei a vida dele”, conta.

“O tempo foi passando, fui tendo atendimento psicológico, ele também. Fui entendendo que agora ele está aqui fora e vai ter mil mulheres tendo contato com ele”, completa. Ela disse que hoje conseguem manter o relacionamento na base do respeito.

No dia 21 de setembro, Dia da Paz, celebraram o casamento após oito anos juntos. A cerimônia foi toda construída pelos dois, cada lembrancinha e enfeite. Com o matrimônio, um acolheu o nome do outro.

Fábio Cassiano Leopoldo, que cresceu sem identidade e sem família, hoje tem uma enorme, com quatro enteados, sete netos e duas cachorrinhas. Além do sobrenome da esposa, ele traz consigo o nome dela tatuado na pele.

“Isso é amor, né? Uma coisa sobrenatural, algo de alma. É um dom que Deus deu para cada ser humano. Eu quero que todo mundo tenha esse sentimento porque você começa a enxergar o mundo com outros olhos”, declara Fábio.

O amor é o fôlego da existência

Beijo no altar – William Nascimento

O namoro de Ualifi Araújo e Josiane Ayamara começou na adolescência, entre um exercício e outro na academia que ambos frequentavam em São Paulo (SP). A paixão avassaladora saiu do campo da fantasia e se tornou real. Entretanto, um ano após o primeiro encontro, ela descobriu que o namorado cometia crimes.

A jovem, de 25 anos, recorda que a notícia a deixou em dúvida sobre se manteria a relação com Ualifi. “Fiquei até sem reação. Ele me contou e disse que queria mudar de vida. Eu torcia para que um dia isso mudasse para gente poder ficar juntos”, lembra.

Mas, meses depois, Ualifi foi preso. O paulistano de 27 anos acabou condenado a 12 anos e 6 meses de prisão por roubo e sequestro. Na tentativa de fugir, chegou a atirar contra dois policiais. Cumpriu quatro anos em regime fechado e deixou o presídio de Tremembé em outubro de 2020 após progressão da pena.

Para o jovem, o primeiro ano longe de Josiane foi bastante difícil, pois a única forma que os dois tinham para se comunicar era por meio das cartas. “No começo, eu achei que entraria em depressão. Me isolei muito. Sentia muita falta dela.”

Enquanto Ualifi estava preso, Josiane focou nos estudos: “Percebi que aquilo me distraía”. Para tentar diminuir a saudade que tinha do companheiro, Josiane agarrou-se à única lembrança física que Ualifi deixou. “Ele esqueceu uma camisa aqui em casa no dia anterior ao que foi preso. Passei a dormir com ela todos os dias. Uma maneira de não esquecer o cheiro dele”, revela.

Em uma das cartas que enviou a Josiane na prisão, Ualifi perguntou se ela ainda queria ficar com ele. “A gente continuou conversando com a ideia de que caso conhecesse uma outra pessoa e se interessasse por ela, tudo bem.”

Mas isso não aconteceu. Ualifi disse saber o motivo: “O amor é o fôlego da existência. Quando você ama, você vive”. Josiane completa: “O amor é o estado mais puro de um ser humano em que ele não consegue ser falso nem mentir”.

Ele conta que todas as dificuldades que enfrentou na cadeia não se comparam ao que Josiane lidava do lado de fora. “Não gosto de pegar o mérito que é do outro. A luta maior foi dela. A cadeia não era perigosa para mim, mas para ela era estranho estar sozinha e apaixonada, além de toda a pressão familiar. A única coisa que eu tinha que ter era a coragem de tomar a decisão e bancar”, admite.

Josiane, por sua vez, encontrou uma maneira de se proteger do preconceito e estigma que recaem nas parceiras que mantêm relação com detentos. “Eu pouco comentava sobre o assunto, no máximo três pessoas sabiam. Para as outras, eu falava que tinha dado um tempo, preferia não dizer. Tinha um pouco de vergonha da reação delas.”

Após mais de quatro anos sem se verem, em 2020 Ualifi Araújo adquiriu o direito a uma saidinha temporária da prisão. Notícia bastante comemorada por ambos. No entanto, de acordo com Josiane, o nervosismo era muito grande. “A primeira vez foi muito emocionante, porque fazia muito tempo que a gente não se via mesmo. O pior nem foi o reencontro, mas sim quando ele teve que voltar”, lembra.

Ao todo, foram cinco saidinhas, mas, para os dois, nada se compara ao dia da liberdade de Araújo, em outubro de 2020. O irmão o deixou na porta da casa de Josiane, bem tarde da noite, que não acreditou no que estava acontecendo. “O meu cunhado me ligou e falou assim: abre a porta porque o Ualif tá aí, você vai deixar ele para fora? Achava que estava brincando. O coração quase saiu pela boca.”

Com ajuda da irmã do ex-detento e de amigos próximos do casal, Josiane conseguiu alugar uma casa para os dois morarem, além de arranjar todas as mobílias.

Agora, só faltava o noivo, que chegou e se espantou com a novidade. “Eu não estava conseguindo assimilar, sabe. Antes nunca tinha pensado em casar, achava que isso aprisionava as pessoas, mas quando conheci a Josiane tudo mudou.”

Hoje Ualifi e Josiane vivem aquilo que tanto desejavam, sob a batida da música Beijo no Altar, de William Nascimento. O motivo? Araújo explica: “Representa o começo, o meio e o desejo final da nossa história”.

O ex-detento conseguiu um emprego no ramo de TI e, à noite, cursa direito. Algo que só foi possível a partir da bolsa oferecida pelo projeto Nova Rota, associação sem fins lucrativos criada por ex-alunos da Universidade de São Paulo (USP), que oferece bolsas de estudos, mentorias e apoio multidisciplinar a pessoas egressas do sistema carcerário.

Josiane, que agora não precisa mais se agarrar à blusa deixada por Ualifi, frequenta o curso de gestão comercial. Os dois desejam realizar um sonho em comum: ter a casa própria.

Só depois da Ana, entendi essa outra forma de amar

A resposta – Thalles Roberto

Desde a infância, o crime faz parte da vida de Marcos Vinícius Cardozo da Silva, de 27 anos. Sua família também era envolvida com a criminalidade. Em 2008, aos 13, levou um tiro no ombro. Em 2010, foi apreendido por homicídio. Em 2012, com 18 anos, foi preso por tráfico de drogas pela primeira vez. Em 2016, levou cinco facadas, uma delas no olho. Depois disso, foi preso novamente por tráfico de drogas, em 2019.

O envolvimento com as drogas, armas e gangues fez dele um homem temido em Planaltina (DF). Com o dinheiro do tráfico, comprou lotes, carros, casas, frequentava festas luxuosas. Ele lembra que foi uma época que “queria ter mais, sempre mais”.

Hoje, Marcos já não se identifica com aquele homem do passado. O processo de mudança começou quando reencontrou Ana Lídia. Ela entrou na vida dele quando ambos tinham apenas 15 anos. Na época, não se aproximaram muito, eram só conhecidos e acabaram se afastando. Anos depois, em 2017, se reencontraram e começaram a namorar.

Ela sempre soube da condição de Marcos. Afinal, ele era conhecido em Planaltina pelos crimes que cometia. Ana disse que não se assustava com isso, gostava dele do jeito que era. No começo a família não aprovava, mas ela não desistiu. Viveram juntos até 2019, quando Marcos foi preso novamente por tráfico de drogas na véspera do casamento. Só em 2021, no dia 16 de agosto, a cerimônia foi realizada na igreja, como os dois queriam. Tudo foi feito com uma autorização judicial, em uma data no período do saidão.

Ana Lídia fala sobre a música A Resposta, do cantor gospel Thalles Roberto. “A letra da música conta o que tem acontecido nas nossas vidas”, diz. “Foi a resposta de Deus”, completa Marcos. Ana mostra a tatuagem com a letra “M” que tem no pulso, em homenagem a Marcos. Dá risada e conta que tinha outra, na qual estava escrito o nome dele no braço, mas uma vez brigaram e ela cobriu com outra por cima. Fala que desta vez não se arrepende da homenagem.

Sorridente, o casal conta as histórias de quando eram mais novos. Marcos diz que quando era solteiro não tinha compromisso com nada, mas quando entrou no relacionamento com Ana começou a ter uma visão diferente da vida. Teve vontade de construir uma família, ser pai, ter responsabilidade. “Meus hábitos têm que mudar, porque a partir do momento em que você começa a se relacionar com uma pessoa você tem que ter responsabilidade e compromisso.”

Os dois desejam construir uma família e esperam ter um filho a qualquer momento. Marcos menciona a história bíblica de Abraão, que foi pai só na velhice, com mais de 90 anos. Brinca com Ana que ele será igual, mas ela nega, diz que logo vai acontecer. Marcos afirma que no passado achava não haver mais sentimento bom em seu coração. “Aí, só depois da Ana, eu entendi que tinha essa outra forma de amar, de fazer o bem para o próximo”, conta.

Marcos continua preso até hoje, cumprindo pena de dois anos e três meses por tráfico de drogas. Enquanto isso, Ana Lídia o espera. Aguarda ansiosa pelos finais de semana e sente saudade quando o marido volta para o Centro de Progressão Penitenciária (CPP).

Ele conseguiu um emprego como auxiliar administrativo via Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). O casal evangélico frequenta um culto em Planaltina. Os dois querem construir família. Marcos pensa em cursar radiologia, já que passou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2019.

O rapaz reconhece que o amor tem sido decisivo no seu processo de ressocialização. “Nosso amor tem sido construído dia após dia”. Para Ana Lídia, trata-se de um sentimento que não dá para explicar: “Só vivendo mesmo para saber”.

O amor é
a liberdade

Eles se Amam – Vocal Livre

“O amor é uma escolha. É amizade, renúncia e redenção.” É com essas palavras que Tânia Cardoso dos Santos, 40 anos, define o que sente por Joymir de Azevedo Guimarães, 38. Os dois se conheceram há quatro anos. Na época, Joymir já havia cumprido na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, a pena por tráfico de drogas.

A mãe dos três filhos dele terminou o relacionamento quando Joymir ainda estava preso. “Ela não acreditava na minha mudança”, explica. O homem garante que deu novo rumo à sua história. “Comecei a ler muito na cadeia, o que ajudou a mudar a minha mente”, afirma.

Foram sete anos entrando e saindo de alguns relacionamentos e trabalhando para ajudar no sustento dos filhos até conhecer Tânia na igreja. No seu processo de mudança, Joymir começou a fazer palestras sobre drogas para crianças e adolescentes. E foi numa dessas reuniões que os dois se encontraram.

Primeiro, vieram as caronas. Depois, o convite para um congresso carcerário da igreja e o pedido de namoro. Estão casados há um ano. Tânia conta que Joymir sempre foi muito romântico com ela, dando-lhe presentes como flores e cartas.

O casamento, inclusive, ocorreu durante o Congresso do Ministério Carcerário Adventista, evento que reúne voluntários que atendem a mais de 10 mil detentos no Distrito Federal e no Entorno.

A cerimônia foi embalada pela música Eles se Amam, do Vocal Livre, que se tornou a trilha sonora do relacionamento deles.

Para Tânia, o amor consegue mudar a história de uma pessoa. Por isso, um parceiro é tão importante. Joymir, por sua vez, descobriu que ao lado dela ficou mais maduro e responsável. “O amor é a liberdade que você deve ao seu companheiro para viver com ele”, resume.

DIRETORA-EXECUTIVA
Lilian Tahan
EDITORA-EXECUTIVA
Priscilla Borges
EDITOR-CHEFE
Otto Valle
COORDENAÇÃO
Olívia Meireles
EDIÇÃO
Maria Eugênia
REPORTAGEM
Allan Ricardo
Daniela Santos
Jaqueline Fernandes
Jéssica Ribeiro
Jonatas Martins
Luiz Maza
Mariah Aquino
Maria Regina Mouta
Natany Sousa
Thalita Vasconcelos
REVISÃO
Juliana El Afioni
EDICÃO DE ARTE
Gui Prímola
DESIGN E ILUSTRAÇÃO
Yanka Romão
EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA
Daniel Ferreira
Michael Melo
EDIÇÃO DE VÍDEO
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TECNOLOGIA
Allan Rabelo
Daniel Mendes
Mateus Moura
Saulo Marques
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