Luciana acrescenta que os hormônios previstos para o processo transexualizador, nos critérios autorizados pelo CFM, também não estão disponíveis, já que a portaria do MS nunca foi atualizada. “Os hormônios feminilizantes que estão no SUS são anticoncepcionais, mas eles são muito ruins para as pessoas trans, porque o etinilestradiol, que está na base de quase todos os contraceptivos, é muito trombogênico. A diferença é que a testosterona é barata, também é possível encontrar algumas opções do hormônio feminizante por um custo menor. Mas para uma pessoa que não tem renda e precisa se questionar se come ou compra um hormônio, aqueles R$ 20 por mês viram uma fortuna”, pondera.
De acordo com Luciana, apesar de haver centros especializados voltados ao acolhimento de pessoas transgêneros em quase todas as unidades da Federação, poucos são habilitados pelo Ministério da Saúde. Sem habilitação, não há recurso para custear as medicações. “Ou seja, entre os 16 e 18 anos de idade já existem critérios. Na farmácia do meu hospital tem a medicação. Mas eu não posso dar porque, para a portaria do Ministério da Saúde, as pessoas só ‘se tornam trans aos 18. O Governo Federal não reconhece que os mais jovens também precisam de atenção”, lamenta Luciana. “A gente concorda que alguns tratamentos não podem ser feitos. Não vamos sair fazendo cirurgia em menor e prescrevendo hormônio. Mas a gente fica com essa pendência em certos casos”, completa.
A médica conta que, há pelo menos quatro anos, não há avanços sobre o tema no âmbito governamental. “É indiscutível que o Ministério da Saúde não está olhando para essa população. Disso eu não tenho a menor dúvida. Em 2016, nós tivemos uma reunião no Ministério da Saúde, inclusive para revisar alguns pontos. Só que mudou o governo e depois disso nada aconteceu. Não tiveram outras reuniões, e aquelas que estavam marcadas não aconteceram”, disse.
“Eu cheguei a imaginar que o Temer [Michel Temer, chefe do Executivo entre 2016 e 2018] estava arrumando a casa para retomar as discussões. Só que dali em diante ficamos no vazio. A população trans realmente está precisando de um olhar. Mas eu não sei, realmente, se vamos conseguir neste governo, com essa transfobia declarada. Não sei se temos força para modificar isso”, frisa Luciana.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que os procedimentos de transexualização disponíveis no SUS são exclusivos para indivíduos com 18 anos ou mais e que o atendimento à população é realizado por estados e municípios.
No que diz respeito à terapia hormonal para a preparação para o processo transexualizador, foram realizados 14.494 atendimentos. A pasta, contudo, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre quais foram as unidades de saúde em que essas assistências foram prestadas, tampouco a quantidade de recursos orçamentários destinados para esse fim.
Já a Secretaria de Saúde do DF informou que “já elaborou dois protocolos assistenciais para a atenção à saúde desta população, sendo um para adultos e o outro para crianças e adolescentes. Nesses protocolos, consta a orientação para a prescrição da hormonização para adultos e do bloqueio puberal para adolescentes trans, conforme última resolução do CFM”.
O medicamento, contudo, não é fornecido gratuitamente. O comunicado também confirma que não há previsão para que esse procedimento seja feito, em crianças menores de 12 anos, em unidades de saúde.
Benefícios superam riscos
Conhecidos na literatura médica como análogos de GnRH, os bloqueadores imitam a ação de um hormônio estimulador da puberdade que é liberado no cérebro, a gonadotrofina. O composto torna a glândula pituitária menos sensível a esse hormônio e, ao fazer isso, interrompe a puberdade. O processo, segundo os médicos, é reversível. A puberdade começa novamente depois que as drogas são interrompidas.