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a queda

policiais caem em golpe de
criptomoedas e entram em depressão

Alvo de denúncias, empresas suspeitas de pirâmide financeira
causam prejuízos a integrantes de forças policiais

Nathália Cardim03/07/2022 – 02:00

Treinados para investigar e combater crimes complexos, agentes de segurança estão perdendo economias de uma vida – dinheiro amealhado ao longo de suas carreiras profissionais e até recursos de aposentadorias – em um clássico golpe de pirâmide. Empresas fraudulentas que supostamente vendem criptomoedas estão buscando novas vítimas nos quartéis e nas delegacias brasileiras com a promessa de triplicar a quantia investida logo nos primeiros meses.

Se há alguns anos os golpes de pirâmides tinham como alvo trabalhadores humildes, com pouca instrução, hoje isso parece ter mudado. Com o aumento da entrada de pessoas físicas na bolsa de valores e uma maior atenção da sociedade para o mundo dos investimentos, o principal foco desses esquemas bilionários têm sido gente instruída e com dinheiro no bolso, próximos da aposentadoria, mas com pouca informação sobre o mercado financeiro.

Mesmo vítimas, vários agentes e militares entendem que compartilham parte da responsabilidade. O sucesso das pirâmides financeiras tem a ver com a maneira com que o golpe se distribui, normalmente entre pessoas do círculo de confiança das primeiras pessoas que entram no esquema e logo são responsáveis por espalhar a rede, na busca de lucros na forma de comissões. Então, além de se sentirem vulneráveis, inseguros, envergonhados e humilhados, muitos são tomados pela culpa.

Quando eles se enxergam em um patamar de prejuízo, laços familiares ficam abalados, casamentos são destruídos e alguns até cometem suicídio. “Imagina quando o policial se dá conta de que foi enganado? Entra um mix de emoções, ele deixa de ser um agente da lei para ser vítima. Entra a questão da vergonha (como assim um policial caiu num golpe?), depois vem o desespero financeiro (perdi tudo), os neurotransmissores entram, com certeza, em curto circuito”, pondera a psicóloga Patrícia Viana Cruz, especialista em saúde mental na segurança pública.

Durante mais de dois meses, o Metrópoles se dedicou a buscar informações e explicações sobre o assunto e a identificar prejuízos amargados por vítimas integrantes de forças de segurança. Na Polícia Federal, não há estatísticas oficiais sobre agentes que se envolveram em esquemas fraudulentos. No entanto, entidades ligadas à categoria estão atentas ao problema e têm criado mecanismos para proteger a saúde mental dos funcionários e até oferecido orientação jurídica às vítimas.

A reportagem entrevistou mais de 20 pessoas de diferentes unidades da Federação – entre policiais militares, civis, servidores da força aérea brasileira, educadores financeiros, advogados, psicólogos e psiquiatras – a fim de reportar dramas pessoais e indicar serviços de ajuda disponíveis. Mais do que isso: chamar a atenção de possíveis novos investidores e evitar perdas irreversíveis. A reportagem não divulgará os nomes dos envolvidos para não expô-los. Por isso, nomes fictícios foram criados com o objetivo de deixar o texto mais fluido.

No Brasil, o número de golpes cresce de forma vertiginosa. A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) divulgaram a pesquisa “Fraudes em Investimentos no Brasil”, com dados referentes a 2021:

O primeiro-sargento da Polícia Militar do Distrito Federal João Fortes* é apenas um dos milhares de brasileiros que foram vítimas de golpes financeiros. Ao mergulhar fundo no universo dos investimentos e acabar perdendo boa parte do meio milhão aplicado, ele adoeceu silenciosamente e se matou em casa há um ano.

Convidado por um colega da corporação, o sargento se convenceu diante da insistência do amigo em conhecer a oportunidade. Ele resolveu aplicar, inicialmente, R$ 20 mil na G44 Brasil Intermediações Financeiras S/A, empresa que mantinha escritório na capital do país, em Taguatinga, e atraía interessados em investir no mercado financeiro desde 2017.

“No começo, era tudo uma maravilha. Entrou dinheiro. Meu pai trocou o celular dele e o da minha mãe e, depois, perguntou se eu queria entrar. Eu, minha mãe e o meu irmão gêmeo também investimos no negócio”, disse o filho mais velho da vítima, de 27 anos.

De acordo com o filho de Fortes*, a empresa prometeu 300% de rendimento em cima do investimento em um ano. A família entrou como sócio-participante em 2018, e, já em meados de 2020, com a desculpa da pandemia de Covid-19, os empecilhos começaram a surgir. “Assim que ativamos o plano, recebemos os valores acordados nos contratos. No entanto, eles passaram a atrasar os pagamentos devidos, a título de participação de lucros da sociedade”, conta o jovem.

A princípio, a família acreditava que o dinheiro inicial aplicado iria voltar para a carteira, mas isso nunca aconteceu. “Paralelamente aos investimentos em moedas, eles começaram a divulgar uma mineradora e a possibilidade de investir em pedras preciosas. Meu pai entrou e acabou que nunca recebeu as esmeraldas também”, afirma.

Sem se abrir com a família sobre as dívidas e com vergonha de pedir ajuda, o policial não conseguiu vencer a depressão sozinho. “Para tentar reaver a grana, ele entrou em outras plataformas parecidas. Aos poucos, fomos percebendo mudanças em seu comportamento: meu pai sempre foi forte e alegre, mas passou a ser uma figura triste e emagreceu muito. Ele não se abria com a gente nem com ninguém. Os próprios colegas de serviço perceberam como ele estava abatido”, relata.

A família começou a se preocupar após um incidente na chácara do cunhado de Fortes. O policial não quis descer do carro e entrar na casa, pois, segundo ele, havia feito uma desgraça na família. “Deu no que deu. O mal dele foi não querer compartilhar o que estava se passando na cabeça dele. No dia 30 de maio de 2021, tivemos a pior notícia das nossas vidas”, finaliza o jovem.

Geralmente, as vítimas afetadas pela fraude procuram as autoridades quando já estão abaladas psicologicamente e com as economias desestruturadas. “As pessoas que sofreram o golpe não aceitam que caíram em uma cilada porque o esquema paga bem no início. Normalmente, a pirâmide só começa a ruir por volta de 12 meses do primeiro aporte”, explica Carlos Galvão, detetive particular que trabalha investigando esquemas de pirâmides há 17 anos.

Imagem Carlos Galvão é detetive particular e trabalha investigando esquemas de pirâmides há 17 anos. Crédito: Igo Estrela/ Metrópoles

De acordo com o especialista, os esquemas financeiros de criptomoedas são complexos: é possível operar em todo o território nacional e no exterior, podendo alcançar até 48 países. Mas o método não difere daquelas estruturas conhecidas dos golpes de pirâmide. Ele é apenas potencializado pela desinformação das pessoas sobre criptomoedas e o uso intenso das redes sociais para divulgar o trabalho. Os golpistas publicam vídeos na internet, convidam os investidores e, dessa forma, criam uma cadeia muito grande.

A arquitetura da pirâmide de criptomoeda tem como pilar uma extensa rede de pessoas físicas e jurídicas. Em algumas empresas, existem cargos estabelecidos, como presidente, vice-presidente, diretor comercial e diretor de comunicação. “Na maioria dos esquemas, há autoridades de alta patente que participam do quadro de diretores. Isso cria confiança nas vítimas e facilita o convite para elas participarem”, explica Galvão.

O especialista pontua que os funcionários públicos são o alvo preferido dos golpistas, porque têm salários fixos. “Os operadores de pirâmides gostam especialmente dos militares, pois eles recebem pecúlios e acabam investindo nessas pirâmides através de convite dos amigos de farda que têm acesso aos valores”, explica. A remuneração dos investidores aumenta a cada nível e é feita por meio de participação nos lucros, ou seja, um percentual sobre os contratos firmados.

Ao contrário das vítimas que acabam convidando os colegas de trabalho e familiares para participar de um possível bom negócio, a maioria dos donos dos esquemas tem desde o início o intuito de aplicar o golpe. “Eles não possuem intenção alguma de pagar até o final o montante que aquela pessoa investiu. Os valores são expressivos e chegam à casa dos milhões”, pontua o advogado Jaider Hilário Nery da Silva, que move 123 processos contra uma operadora em Brasília.

Enquanto as vítimas amargam dívidas quase milionárias, os golpistas de pirâmide não se escondem, eles ostentam vida de luxo nas redes sociais, mesmo depois de serem desmascarados. Compram carros de luxo de marcas, como Audi, Porsche e BMW, adquirem imóveis e mansões em bairros de luxo, viajam para outros países, como Emirados Árabes e Nova Zelândia. Aparecem sempre muito bem vestidos e usando itens de ouro. Quando são descobertos, os bandidos fogem para outras nações usando o grande volume de dinheiro roubado.

A G44 (conheça o caso abaixo), por exemplo, movimentou no Brasil cerca de R$ 1 bilhão. De acordo com Galvão, mais de 10 mil clientes amargam prejuízo de R$ 500 milhões e continuam na esperança de receber o dinheiro de volta. Mas os investidores podem acabar frustrados na busca pela reparação judicial dos pagamentos não feitos pelos golpistas, porque quando as empresas são investigadas, elas já não possuem mais fundos ou os bens estão ocultados.

Principais ofertas irregulares.
Fique de olho!

A demora da Justiça para resolver casos de golpes com bitcoins causa sensação de impunidade para as vítimas. Guilherme Carlo*, agente da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), de 54 anos, é um exemplo. Ele desenvolveu transtorno de ansiedade e, por isso, não consegue dormir direito desde que registrou, em 2020, o boletim de ocorrência contra a GSAF Investimentos Ltda.

Carlo conseguiu reunir na mesma denúncia que a sua pelo menos 30 investidores de Brasília que acusam de fraude financeira o casal Alexsandro e Gesllane Nunes de Souza Azevedo, sócios da GSAF; e outras seis partes que respondem juridicamente pela acusação de golpes financeiros. “Há dois anos o nosso caso está em apuração na delegacia, mas nunca nem fui chamado para depor”, diz.

Seduzido por uma suposta rentabilidade, Carlo aplicou, em 2019, cerca de R$ 180 mil com o grupo. “Estava quase me aposentando e havia juntado um dinheiro bom ao longo da minha vida profissional. O meu irmão e um amigo, que também trabalham na PCDF, me apresentaram a um homem que se passava por trader e me deu toda segurança no negócio. Como captador, ele recebia 10% de cada montante investido. Reconheço que falhei. Eu acreditei”, relata a vítima.

Segundo Carlo, a porcentagem oferecida mensalmente era de 8% sobre o valor investido. “Fiz um depósito inicial, e os resultados foram perceptíveis. O dinheiro rendia conforme o prometido, e eu conseguia retirar sempre”, lembra.

Para o agente da PCDF, os problemas começaram em março de 2020. O presidente da GSAF Investimentos, Alexsandro Rodrigues Alves, chegou a forjar o próprio sequestro para não arcar com os pagamentos dos investidores, com os quais a empresa tem dívidas. Ele foi descoberto e preso após investigação da Polícia Civil de Sergipe (PCSE), conforme noticiado pelo Metrópoles. Atualmente, ele está solto, após ser beneficiado por habeas corpus expedido pela Justiça.

“O meu objetivo era comprar uma chácara. Como o dinheiro estava entrando, acabei fazendo novos contratos e perdi. A gente fica até meio sem graça de estar dando esse depoimento, mas somos falhos também. Acreditamos nas pessoas”, resume.

Imagem Crédito: Gustavo Moreno/ Metrópoles

De acordo com o agente, os prejuízos de todas as vítimas podem totalizar a soma de R$ 100 milhões. Revoltado com a situação, o grupo de investidores pede providências. “Foram mais de R$ 28 milhões só de policiais civis. Além do DF, tem o relatório da delegacia de Aracaju”, pontua.

“Acho que está na hora de os parlamentares elaborarem uma lei mais dura contra esses crimes financeiros. Porque é muito fácil o cara dar um golpe e responder apenas pelo crime de 171, estelionatário”, opina o policial civil

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Como não cair em fraudes

Para ajudar a minimizar os estragos na vida financeira das pessoas, a analista da Suno Research Gabriela Mosmann defende uma legislação mais rígida para quem comete esse tipo de crime.

Gabriela explica que os golpes financeiros mudam de forma constantemente – em geral, os golpistas se aproveitam de alguma “novidade” no mercado. “Esse foi o caso das últimas pirâmides que usaram o discurso de criptomoedas para atrair a população”, aponta.

Imagem Crédito: Divulgação

Assuntos poucos conhecidos facilitam a “venda” do golpe. Como muitas pessoas não entendem determinados temas, mas escutam sobre as altas rentabilidades, acabam acreditando no investimento fraudulento.

“Dessa forma, é muito importante ficar atento a qualquer nova onda de investimentos, bem como promessas garantidas de retornos. Esses dois pontos são os principais fatores de atenção para evitar ser enganado. A legislação brasileira ainda é muito branda nesse sentido, por isso é importante termos cuidados redobrados”, alerta.

Confira as dicas de Mosmann para não cair em investimentos fraudulentos:

A maioria dos criminosos sai praticamente impune, pois a prática configura crime contra a economia popular e prevê pena de 6 meses a 2 anos de detenção e multa. Por isso, mesmo depois de serem pegos, eles normalmente conseguem abrir novo esquema de pirâmides sob nova marca.

O advogado Nery da Silva e o detetive Galvão são procurados com frequência para ajudar famílias devastadas por esse golpe. “O procedimento que nós estamos adotando com nossos clientes é criminal. A ideia é tentar reaver os valores, mas nem sempre é possível”, conta Nery da Silva.

Para tentar amenizar o prejuízo das vítimas, o especialista costuma pedir o bloqueio dos bens e a prisão dos envolvidos. “Infelizmente, esses procedimentos não são rápidos, e os golpistas conseguem desaparecer com o dinheiro antes de a Justiça ter acesso às contas da empresa”, explica.

Além de enfrentarem esses desafios, as investigações conduzidas por delegados civis e federais se deparam com situações esdrúxulas: acusados forjando o próprio sequestro, automutilação, boletins de ocorrência com 30 ou mais denunciantes e até golpistas acusando hackers de terem sumido com o dinheiro. A pandemia do novo coronavírus também foi usada como desculpa.

ImagemCrédito: Divulgação

Os golpistas têm padrões de comportamento parecidos. Eles foram encontrados em diversos estados brasileiros: o Metrópoles mapeou o trabalho de equipes em Sergipe, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Paraná. Na Polícia Federal (PF), até dezembro de 2021, havia 84 em andamento envolvendo práticas criminosas com utilização de moeda digital. A corporação afirmou, no entanto, que não comenta investigações em curso.

Apesar de atuarem em todos os estados, os fraudulentos operam com força na capital do país, onde tem uma grande concentração de funcionários públicos. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por exemplo, confirmaram as investigações dos casos no DF, mas não podem divulgar detalhes das diligências.

Segundo a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon) do MPDFT, no momento, encontram-se em andamento no departamento mais de 10 procedimentos de investigação contra crimes de pirâmide e delitos relacionados, dentre eles organização criminosa, extorsão e/ou lavagem de dinheiro.

Além da G44 Brasil e da GSAF, denunciadas pelas vítimas ouvidas nesta reportagem, existem outras 13 empresas, todas com sede ou vítimas residentes no DF. Algumas têm conexões no exterior e estão com cerca de 30 pessoas físicas sendo investigadas. O prejuízo estimado é de dezenas de milhões de reais, de acordo com a Prodecon.

Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor do Distrito Federal (Prodecon):
Números de março de 2022 (em andamento)

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Buraco sem saída

A convite de um colega, em meados de 2019, Rafael Alcântara*, subtenente da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ), de 50 anos, conheceu a empresa Midas Trend. Estruturado, o esquema fraudulento prometia alta lucratividade, com plano de triplicar o capital investido num prazo de 12 meses.

A engrenagem que movimentava o negócio seduzia servidores públicos com supostas vantagens irrecusáveis e condições não praticadas por outros empreendimentos que atuam no mercado. “Nunca tinha me envolvido em outros investimentos, a não ser os comuns e tradicionais, como tesouro e poupança. Esse amigo já estava na empresa há cerca de um ano e ganhou em torno de R$ 80 mil. Fiquei totalmente alucinado e vidrado com aquilo. Achei uma coisa fantástica”, explica o subtenente carioca.

O policial teve sua condição financeira comprometida após o golpe. Segundo Rafael, o valor total dos aportes, realizados em dois momentos, foi de R$ 305.148,26, e houve resgate de R$ 77.167,86. Além de desenvolver depressão, o PM sente constrangimento por ter sido enganado, reação comum entre policiais com muitos anos de serviço prestados sem alterações disciplinares ao longo da carreira.

“Meu único objetivo era enriquecer. Comprar uma casa e poder dar uma condição melhor para a minha família”, assume. Casado e com três filhos, o servidor público pegou em bancos empréstimos de R$ 230 mil para aplicar dinheiro na empresa.

O homem que figura como dono da Midas Trend seria Deivanir Santos. Em abril de 2020, o CEO da empresa divulgou live dizendo que foi vítima de um ataque hacker e todos os bitcoins foram roubados do sistema usado pela Midas.

“No vídeo, Deivanir afirmou que todo o dinheiro foi roubado e ele iria continuar com a empresa e precisava de um voto de confiança. Dessa vez, iria abrir a Midas Trend 2.0, ou seja, já era um novo golpe. Como eu estava endividado, perdi muito dinheiro, eu queria recuperar o que tinha perdido. Aí foi que fiz a coisa mais errada da minha vida. Fui em outra instituição e peguei mais um empréstimo de R$ 120 mil. Investi tudo na 2.0”, revela.

Alcântara recebe salário de R$ 5 mil, mas acaba entrando apenas R$ 2 mil na conta dele. O valor dá para pagar o sustento da família do policial, mas ele perdeu a condição de vida que tinha. “Hoje, não durmo mais direito, tomo remédios controlados e tenho sucessivos pesadelos. É um buraco que não tem saída”, acrescenta.

Análise de dados

Em 2020, o Centro de Estudos Comportamentais e Pesquisas (Cecop) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) realizou pesquisa sobre pirâmides financeiras, esquemas de ponzi, ofertas irregulares de investimentos e outros golpes da mesma natureza com vítimas e não vítimas desses esquemas, buscando mapear as características mais recorrentes de fraudes financeiras e analisar possíveis ações preventivas a serem elaboradas.

Pesquisa sobre fraudes financeiras realizada pelo Centro de Estudos Comportamentais e Pesquisas (Cecop) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (2021):

Saúde mental

O comportamento dos policiais entrevistados nesta reportagem segue o script da maioria das pessoas que desenvolvem problemas psíquicos após sofrer um trauma, mas raramente é percebido por quem não trabalha na área da psicologia.

Para a psicóloga Patrícia Viana Cruz, especialista em saúde mental na segurança pública, a perda financeira contribui significativamente para um quadro depressivo. Sentir-se vulnerável quando adulto corrobora diretamente com o processo de adoecimento mental.

“A dívida é algo que assombra qualquer ser humano, e como não temos uma política econômica que nos ajude a sair da situação, não vemos uma luz no fim do túnel. Apenas desespero, vergonha e humilhação”, avalia.

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A presidente do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suícidio (Ippes), Dayse Miranda, concorda com a colocação da psicóloga. Para piorar a situação, a maioria dos agentes de segurança não compartilha a vida pessoal, financeira e profissional com as famílias. “Existe uma dupla realidade. A realidade da polícia e a realidade da vida”, explica.

Além disso, segundo Dayse, a gestão financeira é um problema típico de policiais, pois eles normalmente não ganham o suficiente para pagar todas as contas. “Tendo a vida financeira afetada, isso atrapalha o sono, o psicológico. Os policiais acabam pedindo baixa por questões psiquiátricas e não sabem nem sequer como resolvê-las”, pondera Dayse, que ainda é doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

Coordenado pela presidente do Ippes, o grupo de estudos em saúde mental e segurança pública realizou pesquisa com diferentes corporações de segurança e formulou propostas de intervenção e prevenção do suicídio nas instituições policiais do Brasil.

“Infelizmente, a saúde mental não é um problema de política pública no campo da segurança. Por isso, fica muito difícil falar de adoecimento psíquico, depressão, ansiedade, em um contexto institucional onde não há espaço para esse tipo de diálogo”, explica Dayse Miranda.

Segundo a doutora em ciência política, vários estudos mostram que longas jornadas de trabalho para profissionais de segurança pública que enfrentam diretamente conflitos podem afetar o sono e causar problemas relacionados à saúde e transtornos psiquiátricos. Principalmente porque policiais atuam com arma de fogo.

Ela pontua ainda que, para o poder público, o investimento é só em material: na compra de viaturas, coletes e armamentos. “Isso tudo é importante, só que por trás da farda, tem-se um ser humano que precisa estar com a qualidade de vida em dia. Para trabalhar as emoções, é preciso oferecer espaços de escuta qualificada. Promover saúde mental é ir além dos serviços de atenção básica no campo da saúde. É preciso envolver elementos organizacionais, como, por exemplo, alteração de escala, entre outros”, frisa Dayse.

O Sindicato dos Policiais Federais no DF (Sindipol-DF) sentiu na pele a pesquisa das especialistas e viu a necessidade de contratar uma equipe de psicólogos para atuar na instituição. “Nós temos um dos maiores índices de suicídios no Brasil. Por isso, estamos sempre melhorando o atendimento. Na segunda quinzena de abril, por exemplo, inauguramos uma clínica psiquiátrica para estender o tratamento”, salienta o presidente do Sinpol-DF, Egídio Araújo Neto.

O sindicalista ainda revela que, por causa do alto número de golpes, eles estão divulgando os perigos para toda a categoria. O presidente da Associação Caserna – que reúne policiais militares do Distrito Federal –, cabo Carlos Victor Fernandes Vitório, também está de olho nas fraudes financeiras que tomaram conta dos quartéis.

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O cabo diz que tentativas de golpes aos servidores públicos são diversas. As mais corriqueiras envolvem esquemas de pirâmides, bem como os de “portabilidades de consignados com devolução de troco”.

A Caserna disponibiliza orientação jurídica gratuita aos policiais militares. “Há necessidade de fazer campanhas educativas nesse sentido, não só por parte das associações e sindicatos, mas também por parte dos órgãos de segurança pública”, destaca.

O problema também está na mira do diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck. “Não temos conhecimento de agentes que sofreram golpes financeiros e perderam tudo, mas a questão da saúde mental do policial é uma preocupação imensa”, assinala.

De acordo com Werneck, a Polícia Federal não oferece atendimento psicossocial adequado. “Atualmente, são cerca de 15 profissionais para a demanda na PF no país inteiro”, conta. Ele diz que a federação cobra o órgão com frequência para que a portaria interministerial do Ministério da Justiça com a Secretaria de Direitos Humanos seja cumprida.

“O policial federal porta um armamento letal do estado e precisa do mínimo de condições para ter a sua sanidade mental e cumprir suas tarefas”, frisa o diretor jurídico da Fenapef.

Início do pesadelo

O policial da reserva remunerada Júlio Barreto*, 55 anos, esforça-se para lidar com a sobrecarga emocional. Ele sofre com crises de ansiedade e tenta controlar a condição com o uso de medicamentos antidepressivos e acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos.

As oscilações durante o tratamento médico e as interrupções no uso da medicação levaram o sargento da PM a um diagnóstico de depressão profunda há cerca de um ano. Em 2020, Barreto tentou tirar a própria vida. Hoje, ele sente que vem melhorando pouco a pouco.

O militar passou a viver um período difícil após amargar prejuízo de R$ 150 mil em dois aportes financeiros na empresa G44 Brasil.

À beira do desespero e desequilíbrio emocional, Barreto sofreu acidente vascular cerebral (AVC) e desenvolveu problemas no coração.

Imagem Crédito: Gustavo Moreno/ Metrópoles

“Amigos da corporação me apresentaram a moeda virtual em 2018, logo depois da minha aposentadoria, com a perspectiva de bom investimento. Era difícil não acreditar no negócio. Uma vez que tinha até coronéis no corpo diretor da empresa que vinha cumprindo com seus compromissos”, relata.

Foi exatamente essa ideia que o atraiu. O plano pessoal: livrar-se do aluguel e comprar um apartamento. Ocorre que, antes de acabar o contrato, começaram os atrasos no pagamento. De acordo com relatos das vítimas, eles prometiam pagar, sempre afirmando que depositariam o lucro. Depois, alegaram que pagariam os investidores em mãos, mas isso nunca aconteceu.

“Eu tinha compromisso em cima dos valores. Perdi o dinheiro, mas não perdi os compromissos. O meu banco fica com quase 70% do meu salário, para pagar o que devo. Conto com ajuda de conhecidos para viver”, pontua.

Antes do golpe, o policial militar vivia com a esposa em uma casa de dois andares com seis quartos, suíte e área externa. Hoje, separado da ex-mulher, vive em uma quitinete e não tem dinheiro para manter o tratamento médico e os gastos pessoais.

“O cara que me atraiu trabalhou seis anos comigo, todo dia a gente saía para tomar uma cerveja. Então, jamais me passaria pela cabeça que ele estava agindo de má-fé. Eu cheguei a organizar de matar os dois que me enganaram, mas Deus é tão bom comigo que deu tudo errado no dia. Deus abençoou. Se não fosse, eu ia matar os dois’”, revela.

DIRETORA-EXECUTIVA
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EDITORA-EXECUTIVA
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EDITOR-CHEFE
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COORDENAÇÃO E EDIÇÃO
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REPORTAGEM
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REVISÃO
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EDICÃO DE ARTE
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FOTOGRAFIA
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ANIMAÇÃO
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EDIÇÃO DE VÍDEO
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TECNOLOGIA
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