Artistas sertanejos circulam pelo Brasil em escala e rotina que se assemelham às dos caminhoneiros
Sertanjos
Grandes nomes da música, muitos deles em plena ascensão, tiveram os destinos traçados percorrendo as malhas rodoviária e aviária do país
De acordo com levantamento feito pelo Metrópoles, nos últimos 10 anos, 56 acidentes de trânsito tiraram a vida de 51 artistas e feriram outros 176
Sertanjos
A maioria das vítimas é de jovens músicos sertanejos que percorriam o Brasil com uma logística embaraçosa para conseguir atender à demanda de shows
Triste e Tragico

A morte a caminho do sonho

A trágica rota da música sertaneja nas rodovias do Brasil

Rotina de viagens de cantores e bandas reflete riscos da estrada. Quase 1 milhão de pessoas morreram ou ficaram feridas nas BRs em 10 anos

Galtiery Rodrigues07/08/2022 atualizado às 05:00

Quando as luzes do palco se apagam, cantores sertanejos tiram o figurino do show, fazem as malas e viram trabalhadores normais. Acompanhados de suas bandas, eles percorrem, de ônibus ou carro, os extremos do país – enfrentam até mais de 2 mil quilômetros da malha rodoviária brasileira – para cumprir uma apertada agenda de apresentações.

Deslocamentos recorrentes, sobretudo por via terrestre e em horários diversos, com todos os tipos possíveis de trechos rodoviários, deixam os artistas expostos aos riscos e às inseguranças da estrada. O Brasil já perdeu grandes ídolos da música nessas condições.

Em 1997, o cantor João Paulo, da dupla com Daniel, morreu aos 37 anos. O mesmo aconteceu com o cantor Claudinho, 26 anos, da dupla com Buchecha, em 2002. O cantor Cristiano Araújo, 29, faleceu do mesmo modo em junho de 2015. Os três artistas retornavam para casa depois de se apresentarem para públicos imensos.

No Brasil, as vítimas das turnês atuam, em sua maioria, na música sertaneja – estilo que domina não somente as rádios, como também as principais casas de shows. De acordo com levantamento exclusivo do Metrópoles, nos últimos 10 anos, aconteceram 56 acidentes com artistas nas estradas brasileiras. As colisões tiraram a vida de 51 pessoas e feriram outras 176. Entre as vítimas, prevalecem jovens adultos, com idade inferior a 40 anos, e do gênero masculino.

Arquivo Pessoal

CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS DE
ACIDENTES NAS RODOVIAS FEDERAIS
DO BRASIL NA ÚLTIMA DÉCADA – POR IDADE

0 a 14
98664
15 a 24
164419
25 a 34
218174
35 a 44
161547
45 a 54
105722
55 a 64
60789
Acima
de 65
35836
NÃO
INFORMADO
24158

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

Essa situação não ocorre apenas com os grandes artistas: músicos iniciantes e em ascensão também são acometidos por esse mal. É perceptível, entretanto, a diferença entre os dois casos, especialmente no esquema de transporte. Embora as distâncias e as rodovias sejam as mesmas, há expressiva disparidade em relação à sobrecarga de funções.

Vinicius Schmidt/Metrópoles

Familiares, empresários ou os próprios cantores assumem o volante, em carros de passeio, para atravessar estados, visitar cidades, bater à porta das rádios e divulgar o trabalho, no intuito de obter algum reconhecimento. Ocasionalmente, artistas e duplas chegam a fazer duas ou até três apresentações em um único dia, e em cidades diferentes.

Durante dois meses, o Metrópoles percorreu 2 mil km em estradas no interior de Goiás, São Paulo e Paraná para apurar os perigos que músicos encaram para cumprir um apertado cronograma de shows. A equipe conversou com famílias de vítimas, sobreviventes e especialistas para entender como essas tragédias podem ser evitadas. Além disso, a reportagem acompanhou a turnê de artistas e testemunhou os perigos presentes na malha rodoviária do país.

Sertanjos

“Eu me culpo até hoje”

João Reis, pai de Cristiano Araújo

A busca pelo sucesso e os anos iniciais da carreira musical são semelhantes para a maioria dos artistas. De uma maneira geral, eles vivem de improvisos, contam com o envolvimento da família na estrada, passam noites em claro e viajam em situações precárias. João Reis Araújo, pai dos cantores sertanejos Cristiano Araújo e Felipe Araújo, chegou a dirigir veículos para deslocamento do filho mais velho, no início da carreira. Cristiano começou a cantar aos 9 anos de idade.

Arquivo Pessoal

De Goiânia, no centro do Brasil, João percorreu longos trajetos nas rodovias para acompanhar o primogênito em sua saga profissional. Ele se recorda, por exemplo, de viagens a Rio Branco (AC) e Maceió (AL), ambos os locais a mais de 2 mil quilômetros de distância. Desde o princípio da trajetória musical do filho até o momento em que o sucesso garantiu estrutura maior de transporte, o patriarca manteve sua preocupação com os excessos de velocidade e a imprudência nas estradas.

Justo quando Cristiano “estava no melhor momento da vida dele”, segundo o pai, aconteceu a tragédia. No auge da carreira, o cantor fazia de 20 a 24 shows por mês, com demanda crescente de contratantes e público pelo Brasil. Na madrugada de 24 junho de 2015, às 3h30, ao voltar para Goiânia de carro pela BR-153, após apresentação em Itumbiara (GO), o veículo capotou. Cristiano estava no banco de trás, cansado das horas extensas de trabalho, deitado no colo da namorada, ambos sem cinto de segurança. A Range Rover, recém-adquirida por ele, estava a 179 Km/h.

Esse número não sai da cabeça de João Reis desde o dia do acidente. “Eu viajava para todos os shows com ele. Nesta data, especificamente, não fui, porque o Felipe tinha uma apresentação aqui em Goiânia. Como eu estava na estrada o tempo todo, resolvi ficar. Eu sempre fui muito cuidadoso com essa questão de velocidade. Sempre que ele saía, eu ia atrás em outro carro, controlando: ‘Ó, vai devagar, porque eu estou atrás de vocês’. Muitas vezes, a gente saía junto e, de repente, o carro sumia e eu ligava para alertar sobre isso”, relata.

Reis diz se sentir culpado até hoje. Há sete anos, ele se pergunta se tudo não teria sido evitado caso estivesse junto do filho ou em outro carro acompanhando na estrada. “Eu me culpo muito. A gente nunca sabe, mas, talvez, se eu estivesse presente, com certeza estaria monitorando: ‘Estou a tantos por hora, por que vocês estão correndo?’. Isso aconteceu várias vezes”, revela.

Cristiano e a namorada, Allana Coelho Pinto de Moraes,19, morreram na tragédia. Sem cinto de segurança, ambos foram arremessados para fora do veículo. O empresário do cantor, que estava no banco do passageiro, e o motorista sobreviveram. “[Excesso de velocidade] é irresponsabilidade. É melhor chegar atrasado do que não chegar. Sempre pensei dessa forma. A vida é a coisa mais importante. Se você não dá valor à sua vida, vai dar valor no quê?”, pondera João Reis.

Cristiano e Allana

Velocidade incompatível com os trechos de rodovia foi a segunda maior causa de acidentes nas estradas brasileiras entre 2012 e 2021, conforme registros da PRF. Assinalado como motivo principal de 115.760 ocorrências, esse fator só perde para falta de atenção do motorista e é seguido por: não manter distância de segurança em relação ao outro veículo, desobediência à sinalização e às normas de trânsito, e ingestão de álcool.

POR QUE OS ACIDENTES ACONTECEM?
20 causas mais comuns nas BRs

Falta de atenção do motorista

Velocidade incompatível com o trecho

Não manter distância de segurança em relação ao outro veículo

Desobediência à sinalização/normas de trânsito

Ingestão de álcool

Defeito mecânico

Dormir ao volante

Animais na pista

Ultrapassagem indevida

10º

Defeito na via

11º

Pista escorregadia

12º

Falta de atenção do pedestre

13º

Reação tardia ou ineficiente do condutor

14º

Avarias ou desgaste excessivo do pneu

15º

Acessar via sem observar presença de outros veículos

16º

Manobra de mudança de faixa

17º

Mal súbito

18º

Restrição de visibilidade

19º

Objeto sobre a via

20º

Carga excessiva ou mal acondicionada

Nesses 10 anos, mais de 935 mil pessoas morreram ou ficaram feridas em acidentes ocorridos somente nas rodovias federais, conforme dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O diretor-executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, estima que os altos índices de ocorrências nas estradas do Brasil são semelhantes aos números que países desenvolvidos tinham na década de 1970. “Estamos há uns 40 anos atrasados”, analisa.

56 ACIDENTES COM ARTISTAS NAS BRs EM 10 ANOS

Mortes: 0Feridos: 1
+

Filtre por Acidentes

Por ano

Horário

Tipo de Veículo

Segundo o último estudo feito pela CNT, que avaliou 109 mil quilômetros de estradas pavimentadas em 2021, quase dois terços das vias (61,8%) têm condições gerais classificadas como regulares (38,6%), ruins (16,3%) ou péssimas (6,9%).

Acidentes em BRs

2012
184568
2013
186748
2014
169201
2015
122161
2016
96363
2017
89563
2018
69295
2019
67446
2020
63548
2021
64441

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

Após traçar paralelo entre os acidentes rodoviários e a infraestrutura presente nas vias, o levantamento constatou que as ocorrências de letalidade e as características da estrada estão correlacionadas. “Nos trechos em que a sinalização é ruim ou péssima, observamos frequência de 13 mortes para cada 100 acidentes. Quando a sinalização é ótima, essa incidência cai para 8,5 mortes”, aponta o diretor-executivo da confederação.

Vinicius Schmidt/Metrópoles

A CNT entende hoje que a retomada de investimentos é essencial para melhoria da malha viária do país. Essa é uma bandeira antiga do órgão, diante do contingenciamento de recursos que deveriam estar sendo direcionados para essa finalidade.

Bruno Batista cita a existência do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). A lei que instituiu o programa, em 1997, também determina que 5% do valor arrecadado por meio de multas de trânsito pela União, pelos estados e pelos municípios devem ser depositados mensalmente na conta do fundo.

O Funset foi criado para melhorar o nível de segurança nas estradas, com investimento em sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. “O que a gente percebe é que esse montante está sendo quase todo contingenciado. De 2005 para cá, foram quase R$ 19 bilhões de recursos arrecadados, mas, do total, somente 5% acabaram investidos. E esse percentual está caindo ao longo dos anos”, denuncia Batista.

Traçado da pista no
local dos acidentes

1º Reta:

765.214

2º Curva:

220.561

3º Cruzamento:

63.542

4º Desvio Temporário:

9.848

5º Rotatória:

7.127

6º Retorno:

4.102

7º Viaduto:

2.510

8º Ponte:

1.963

9º Túnel:

414

*Não informado 38.053

De acordo com a PRF, a maior presença de automóveis pesados nas rodovias impulsiona a quantidade de acidentes de maior gravidade. “Um veículo carregado necessita de maior tempo e distância para uma parada total, em virtude da maior massa movimentada. Além disso, a concentração de veículos pesados e longos nas rodovias torna mais difíceis as manobras de ultrapassagens, gerando riscos de colisões em pistas simples”, explica em nota.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) aponta ainda outro fator importante que ajuda a explicar o porquê da quantidade de registros de acidentes: o comprimento e a dimensão das rodovias. As BRs 101 e 116, por exemplo, além de serem as duas maiores do país, são as que lideram no número de ocorrências. Em uma década, somente na Translitorânea, foram contabilizados 188.166 acidentes, e na BR-116, outros 179.509.

As 20 rodovias mais
violentas em 10 anos

1º BR-101

188.166

2º BR-116

179.509

3º BR-381

62.304

4º BR-040

53.787

5º BR-153

43.766

6º BR-364

35.228

7º BR-262

31.282

8º BR-277

31.007

9º BR-376

30.803

10º BR-163

29.128

11º BR-316

27.280

12º BR-470

23.037

13º BR-230

21.766

14º BR-282

21.284

15º BR-060

17.530

16º BR-324

14.793

17º BR-232

13.018

18º BR-290

12.912

19º BR-476

12.576

20º BR-020

12.499

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

No levantamento feito pelo Metrópoles dos acidentes com músicos nas estradas, as BRs 101 e 116 também lideram com a maior quantidade de registros, repetindo a tendência do cenário geral. Na 116, no trecho da Régis Bittencourt em São Paulo, foi onde ocorreram os acidentes, em 2018, com a equipe da dupla George Henrique e Rodrigo (veja vídeo abaixo), e agora, em 2022, com o ônibus da dupla Conrado e Aleksandro.

Sertanjos

Tecladista estava no
primeiro mês com
Conrado & Aleksandro

O tecladista Allan Aníbal, 42, é uma das seis pessoas que morreram no acidente com a equipe da dupla Conrado e Aleksandro. Ele morava com a esposa e a filha de 6 anos em Ibiporã (PR), cidade a 15 minutos de Londrina, de onde a banda dos sertanejos geralmente saía para as viagens de shows. No dia 17 de abril, Allan fez publicação nas redes sociais para comemorar a estreia como músico da dupla. “Obrigado pela oportunidade, e vamos em frente”, escreveu. Menos de um mês depois, veio o acidente.

Arquivo Pessoal

Viúva do tecladista, a secretária Christiane Zilli, 38, conta que ele estava animado com a nova fase da vida profissional. Depois de um período complicado, por causa da paralisação gerada pela pandemia, o marido, enfim, estava recolocado no mercado. “Ele dizia: ‘Agora a gente vai ficar bem, colocar a casa em ordem e ter uma vida melhor. Agora eu consegui, a gente conseguiu’”, relata a mulher. Uma semana antes da tragédia, a família havia se mudado para uma casa maior. No dia 7 de maio, o mundo e os planos desabaram sobre a companheira de Allan.

“Minha vida mudou completamente. Um dia você dorme e tem tudo, aí você acorda e tudo desmorona. Foi como se tudo tivesse acabado! Uma situação que te derruba lá no chão para você se reerguer. A minha força hoje vem da minha filha. Ela é a minha energia diária. Olho para ela e falo: ‘Vou [seguir] por ela’”, descreve. As duas deixaram a casa para a qual haviam se mudado com Allan. Christiane não conseguiu retornar com a herdeira para o local que representava o plano da família e onde tudo lembrava o marido. “Saí e não voltei mais. Não dormi mais nenhum dia lá”, conta.

Arquivo Pessoal

O músico fazia a quarta viagem com a dupla. O ônibus saiu de Londrina na madrugada de quarta-feira (4/5), às 4h50, e o retorno para casa ocorreria no domingo (8/5), Dia das Mães. Christiane já havia combinado de esperar o companheiro para almoçarem juntos. Entre as vítimas que morreram, Allan foi o último a ser reconhecido e ter a identidade confirmada. Não houve qualquer possibilidade de celebração naquele domingo. O corpo dele chegou a Ibiporã à noite, foi velado e sepultado no dia seguinte.

No sábado, data do acidente, o tecladista enviou mensagens para a esposa, como fazia sempre, dando notícias da estrada. Entre 5h e 6h da manhã, ele mandou uma foto do café da manhã no hotel e, pouco depois das 7h, ressurgiu dizendo que já estavam pegando a estrada para o próximo destino. Três horas após o último contato, o ônibus tombou na Régis Bittencourt. Allan teve politraumatismo. Christiane acredita que ele estava dormindo na hora do acidente, pois havia tomado remédios para resfriado antes de embarcar.

Fábio Vieira/Metrópoles

A viúva não se esquece de uma publicação feita pelo companheiro um dia antes da tragédia, na internet. O tecladista compartilhou mensagem no Facebook com a música Meu Amanhã, do cantor gospel Eli Soares, de fundo. A letra da canção diz: “Eu vou descansar, pois já entreguei meu amanhã nas mãos de Deus”. Para Christiane, depois de tudo, a postagem pareceu uma despedida. “Ele falava: ‘Estou viajando por vocês, porque quero dar uma vida melhor para vocês’”, relata.

Além de Allan e do cantor Aleksandro, morreram no acidente o baterista Roger Aleixo Calgnoto, 38; o guitarrista Wisley Aliston Roberto Novais, 26; o técnico de apoio Giovani Gabriel Lopes dos Santos, 23; e o técnico de luz Gabriel Fukuda, 19. Durante o velório e nos dias seguintes ao sepultamento, Christiane narra que mulheres de outros músicos da região foram até ela e, além de expressarem o sentimento, relataram medo em relação à vida que os companheiros levam na estrada.

Arquivo Pessoal

A busca pela
logística certa

Nas estradas ou no transporte aéreo, as recentes tragédias da música incitaram parte do segmento a refletir e repensar o modelo de negócio. Apesar disso, ainda persistem algumas práticas questionáveis.

O risco vive à espreita, pois não resta opção ao artista popular hoje, no Brasil, a não ser encarar a estrada e cumprir a agenda de shows. Quem está por trás, na organização de tudo, tenta providenciar o máximo de segurança possível, por meio da logística mais adequada.

O esquema de transporte varia conforme a estrutura e a dimensão do artista. Grandes cantores dispõem de mais alternativas, o que inclui ônibus para levar a banda, caminhões para transportar equipamentos e, quando não um jatinho próprio, recursos para pagar voos comerciais ou fretar avião para chegar a tempo aos locais de show. Esse emaranhado de possibilidades auxilia na matemática nada básica de quem se encarrega pela organização do transporte entre um compromisso e outro, muitas vezes em dias sucessivos e em estados diferentes.

Há 23 anos no ramo, o empresário Grecio Lemos, atuante em Goiânia no escritório da Golfão Produções, já trabalhou com diversos artistas, como Leonardo, Bruno e Marrone, Eduardo Costa e Paula Fernandes. Hoje ele representa a dupla Zé Ricardo e Thiago. No passado, já chegou a ficar meses longe de casa em turnês pelos estados do Norte e Nordeste do país, além de fazer longas viagens pelas rodovias, saindo da capital goiana para Porto Velho (RO), por exemplo.

Vinicius Schmidt/Metrópoles

“Na hora da venda do show, nós calculamos bem a distância e evitamos vender shows em cidades muito longe uma da outra”, explica. Segundo Grecio, o trajeto deve ser de, no máximo, 400 quilômetros entre um local e outro, o que não só minimizaria a chance de longos deslocamentos, mas também geraria melhor qualidade de vida para cantores e músicos. Essa conta, no entanto, nem sempre é possível. Não raro, ônibus que levam bandas pelo Brasil circulam mais de mil quilômetros em um dia.

Fábio Vieira/Metrópoles

Como estratégia de segurança, nesses casos, dois motoristas são contratados para realizar revezamento. A Lei Federal nº 13.103, de 2 de março de 2015, conhecida como Lei do Motorista ou Regulamentação Profissional do Motorista, estipula regras de escala trabalhista.

A legislação brasileira veda que trabalhadores do transporte rodoviário coletivo de passageiros ou de cargas dirijam ininterruptamente por mais de 5h30. Ademais, as normas regulamentam intervalos de descanso para a categoria. Assim, foi estipulado descanso de 30 minutos a cada 6h de viagem para motoristas que prestam o serviço de frete de cargas. Já quando o veículo transporta passageiros, o intervalo deve ocorrer após 4h na direção.

ACIDENTES NAS BRs POR
HORA E DIA DA SEMANA

MADRUGADA
134220
MANHÃ
322788
TARDE
364356
NOITE
291970
2016
96363
2017
89563
2018
69295

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

Outro aspecto a ser observado é que, a cada 24h, o motorista deve ter, no mínimo, 11h de descanso. Esse período pode ser fracionado, desde que cumpridas, pelo menos, 8h de repouso no primeiro intervalo. No dia a dia, os trabalhadores que atuam no transporte de músicos aproveitam para dormir durante a montagem do palco e a realização do show. Em contrapartida, no trajeto da viagem, ocorre o oposto: enquanto o motorista dirige, banda e técnicos recuperam as horas de sono perdidas na noite anterior.

A organização do transporte demanda dezenas de trabalhadores – existem duplas que empregam mais de 40 pessoas – e fundamenta-se, basicamente, no modelo rodoviário. Diante de tal conjuntura, as equipes passam a maior parte do tempo dentro de ônibus e vans percorrendo o Brasil. Essa categoria talvez tenha sido a mais atingida pela crescente lógica empresarial na administração de carreiras. O presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais de Goiás (SindiMusi-GO), Moka Nascimento, alerta para o aumento da precarização.

“Anos atrás, músicos recebiam cachê [por show], e já era um cachê baixo em relação ao cachê da empresa, do artista. Girava em torno de R$ 700 a R$ 800 por show. Foi assim durante vários anos. Não sei bem o que aconteceu, mas, de quatro anos para cá, são raros os artistas que pagam cachê. Eles passaram a fechar salário mensal, de forma ainda mais desproporcional. Sei de colegas que recebiam R$ 21 mil até R$ 25 mil por mês, quando era cachê. Hoje, os escritórios que mais pagam desembolsam em torno de R$ 5 mil a R$ 6 mil”, pontua Moka.

Esses valores, no entanto, são exceção. A regra é receber abaixo disso, independentemente da quantidade de quilômetros percorridos, viagens e shows para se fazer em um mês. “O cantor vai de avião. O músico, não. Ele vai de ônibus, viaja 10h, 12h. O camarada sai de Goiânia hoje, que é o epicentro dessas viagens, por causa da concentração de escritórios e duplas sertanejas, e vai para Cuiabá, São Paulo, Bahia, todos os lugares. São horários totalmente insalubres”, arremata.

Sertanjos

“Não sabia que saudade doía tanto”

diz mãe de Ex-The Voice

Em 5 de novembro de 2021, o Brasil parou diante da confirmação da morte da cantora Marília Mendonça, vítima de um acidente aéreo em Minas Gerais. Na mesma data, a empresária Angélica Felizatti Panseri, 52, reviveu seu maior drama pessoal, ocorrido em maio de 2016.

Marília tinha 26 anos, a mesma idade de Renan Ribeiro, cantor sertanejo em ascensão, participante da edição de 2015 do The Voice Brasil e único filho de Angélica. Ele faleceu em um acidente rodoviário no interior de São Paulo.

Rede Globo/Reprodução

CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS DE
ACIDENTES NAS RODOVIAS FEDERAIS
DO BRASIL – POR GÊNERO

MASCULINO
610484
FEMININO
257049
NÃO
INFORMADO
1634

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

As lembranças da tragédia familiar foram remontadas uma a uma na memória da empresária. Assim que viu as imagens do acidente de Marília, ela logo as associou à sua vivência no processo de luto pela perda do filho.

“Eu vivi tudo de novo. Parecia que estava acontecendo com a gente. Ela tinha a mesma idade dele. Eu passei muito mal naquele dia”, conta.

Sertanjos

“As pessoas sempre falaram: ‘O tempo passa, e a saudade fica’. Mas a saudade dói muito. Não sabia que saudade doía tanto assim”

Angélica Felizatti Panseri, mãe do cantor Renan Ribeiro

Ele morreu em decorrência de traumatismo craniano, na noite de um domingo, em trecho da rodovia SP-147, que passa por Mogi Mirim (SP). No momento da tragédia, o artista conduzia uma caminhonete preta, que bateu contra um caminhão.

Vinicius Schmidt/Metrópoles

O rapaz morava com os pais em Conchal (SP), cidade próxima a Campinas. Dois dias depois do acidente, estava prevista a gravação do clipe da música Gatinha Manhosa, que começava a tocar nas rádios. Renan vivia, enfim, o sonho de uma família inteira.

Com investimento de empresários e agenda de shows marcados para os próximos meses, ele colhia os frutos de sua participação no The Voice, programa do qual ele foi semifinalista sob a tutela de Michel Teló. Apesar da pouca idade, o cantor já tinha vasto repertório e colecionava tentativas de sucesso na música, mas nada havia sido tão eficaz quanto a exposição gerada pela TV Globo. Renan foi calouro adolescente no Programa Raul Gil, fez dupla ao lado do pai (Edy e Renan) e chegou a participar do programa Astros, do SBT.

Divulgação TV/Globo

O talento do jovem artista era hereditário: ele nasceu em uma família de cantores, do lado paterno, e foi quem chegou mais longe na música. Conhecido somente no interior paulista, Renan fincava, aos poucos, sua presença em espaços fora das divisas do estado. O sertanejo tinha como ídolo e referência o cantor Cristiano Araújo. Muitos viam semelhanças entre os dois, e o paulista chegou a expressar para parentes e empresários o medo de um dia “acabar” como o ídolo goiano, em um acidente nas estradas.

Araújo morreu em junho de 2015. Menos de um ano depois, Renan faleceu, em 29 de maio de 2016. “Nosso medo era que também acontecesse um acidente com o Renan; isso passava pela nossa cabeça. Depois que começou a cantar sozinho e foi para o The Voice, ele pegava a caminhonete na segunda-feira, visitava as rádios da região e só voltava na sexta. Era o sonho dele”, relatam os pais.

Pressão empresarial
e a dobra de shows

A equação que define o itinerário e a frequência das viagens, no entanto, nem sempre segue somente a lógica da segurança. A questão empresarial influencia fortemente na rotina do artista. Com investimentos milionários por trás, na maioria das vezes com mais de um empresário, é comum cantores e duplas sertanejas lidarem com a pressão para fazerem dezenas de shows por mês, independentemente do cansaço, com vistas ao retorno financeiro.

Vinicius Schmidt/Metrópoles

“A pressão existe. O empresário investe muito dinheiro no início e, a partir do momento em que o cara botou lá um monte de dinheiro, ele vai querer o dele de volta”, afirma João Reis Araújo. O pai de Cristiano e Felipe Araújo explica que nos quatro primeiros anos é muito difícil obter retorno do que foi investido. E a urgência empresarial em reaver o investimento acaba dando brecha para algumas práticas questionáveis, como a chamada “dobra” de shows, que é quando há mais de uma apresentação no mesmo dia e em cidades diferentes.

CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS DE
ACIDENTES NAS RODOVIAS FEDERAIS
DO BRASIL – POR TIPO DE VÍTIMA

CONDUTOR
517710
PASSAGEIRO
322382
PEDESTRE
28908
CAVALEIRO
309

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

“Ninguém gosta de fazer dois shows numa noite, mas aí tem a questão do empresário por trás, e é lógico que o artista acaba sendo conivente. Mas, normalmente, isso acontece porque o pessoal está querendo ganhar mais dinheiro e aproveitar o momento”, aponta Reis. Em junho, mês de alta demanda, em razão das festas juninas no Nordeste e das festas de peão no interior de São Paulo e no Centro-Oeste, várias duplas e diversos cantores fizeram, em algum momento, mais de uma apresentação por noite.

O Metrópoles levantou as agendas dos artistas Zé Felipe, Israel e Rodolffo, Wesley Safadão, Jorge e Mateus, Murilo Huff, Matheus e Kauan, Gustavo Mioto, Xand Avião e do recordista Tierry, que chegou a fazer três espetáculos em um único dia. Todos fizeram pelo menos uma dobra de shows em junho, a maioria em cidades próximas, para facilitar o deslocamento. Felipe Araújo também se apresentou duas vezes em uma mesma data, na Bahia, em locais que ficam a menos de 90 Km de distância. “Para fazermos isso, só se for 100 Km de uma apresentação da outra”, explica o pai do artista.

Rotina de Shows
& as dobras diárias

Tierry

3

Shows no dia

Felipe Araújo

2

Shows no dia

Zé Felipe

2

Shows no dia

Israel & Rodolffo

2

Shows no dia

Wesley Safadão

2

Shows no dia

Jorge & Mateus

2

Shows no dia

Murilo Huff

2

Shows no dia

Xand Avião

2

Shows no dia

Matheus & Kauan

2

Shows no dia

Gustavo Mioto

2

Shows no dia

Esse momento de retomada pós-pandemia tem sido visto pelo setor como a hora de tirar o atraso. Grecio Lemos diz perceber que, ao mesmo tempo, existe preocupação e ponderação no planejamento logístico do transporte da equipe. Existe também uma vontade geral em recuperar o tempo perdido. “Foram prejuízos enormes. Está todo mundo com vontade de trabalhar. O próprio artista está com sede de cantar. Então, assim, acaba esquecendo um pouco dos perigos da estrada”, reconhece.

Para fazer dois shows em um dia e cumprir os horários estipulados, os profissionais da música dispõem de duas estruturas de palco, o que evita o deslocamento de equipamentos. São os chamados sistema 1 e sistema 2. Enquanto um viaja para uma cidade, o outro é transportado para o local da segunda apresentação. Cantores e banda, no entanto, que formam o efetivo humano, precisam se deslocar. “A gente tem de pensar que é bom ganhar dinheiro, mas a saúde e a vida devem estar em primeiro lugar”, reflete João Reis.

Sertanjos

Sem mãe e com sequelas

No interior do Paraná, o desejo da carreira musical da dupla de irmãos Marcos e Ryan virou um anseio de toda a família. O mais velho, Marcos José Godoy, hoje com 39 anos, começou cantando no karaokê de casa e chamou, para assumir a segunda voz, o irmão Delilson Rodrigues de Godoy, 24, que adotou o pseudônimo Ryan. A mãe, Lourdes, além de dirigir os filhos para cumprir a agenda de shows, fazia todo o trabalho de divulgação dos rapazes nas redes sociais. “Ela é quem tinha a visão”, diz Marcos.

Arquivo Pessoal

Em janeiro de 2016, eles estavam empolgados com novas oportunidades profissionais: cumpriam os compromissos usando uma van Berlingo, plotada com o nome da dupla, e planejavam a gravação de um clipe. Além de apresentações no litoral paulista, naquele fim de semana, duas performances haviam sido marcadas no Paraná, uma delas em Faxinal, cidade natal da família, que fica a 328 quilômetros de Curitiba.

Mãe e filhos iniciaram a viagem na madrugada do dia 30 de janeiro e pegaram a estrada logo após uma apresentação da dupla. Lourdes dirigiu boa parte do trajeto de quase 700 quilômetros, até a cidade de Ponta Grossa (PR), enquanto os filhos descansavam. Marcos, que estava preocupado com o fato de o veículo estar esquentando bastante, assumiu a direção no meio do caminho. E foi por pouco tempo.

Uma chuva forte, daquelas de verão, despencou na BR-376, e a água acumulou na pista. Ao tentar fazer uma curva, o cantor conta que a van aquaplanou e foi jogada na direção de um caminhão que vinha no sentido contrário. “Tentei tirar o máximo que pude, mas pegou no eixo do veículo”, relata. Acontecia ali o acidente que marcou a trajetória musical da família.

Arquivo Pessoal

Na memória dos irmãos, resistem alguns flashes e cortes do que ocorreu naquele dia. Lourdes saiu do carro consciente e andando, mas teve choque hipovolêmico, após o rompimento de uma veia, e faleceu a caminho do hospital, aos 50 anos. Marcos ficou gravemente ferido e teve de ser internado na UTI por sete dias, dentre os quais passou cinco em coma induzido. Ele ainda possui uma cicatriz extensa no local do ferimento. Ryan, que estava deitado numa cama, nos fundos da van, quebrou o fêmur, e hoje possui uma perna (direita) seis centímetros menor do que a outra.

LOCAIS DOS ACIDENTES

O socorro chegou rapidamente. Cada um foi colocado em uma ambulância diferente. Marcos, que ficou preso às ferragens e aparentava estar em situação mais grave, devido à fratura no braço, recebeu o primeiro atendimento. Lourdes e Ryan foram levados em seguida. O mais velho só soube da morte da mãe depois de ganhar alta da unidade de terapia intensiva (UTI), uma semana depois. O mais novo, que não precisou ser intubado, soube no dia seguinte, após conseguir acessar o Facebook e ver as mensagens de luto.

Fábio Vieira/Metrópoles

Um recado, no entanto, surpreendeu os irmãos e só foi revelado dias depois. A mãe, enquanto era socorrida, conversou com uma mulher no local do acidente e pediu que fosse dito aos filhos que eles não desistissem do sonho e continuassem cantando. “Foi a última frase dela para a gente”, revela Marcos. “Ela sempre abraçou a ideia da dupla. O que ela podia fazer, fazia para dar certo. Lutou muito para isso. Eu não vou desistir. Era o sonho dela”, afirma, emocionado.

O cantor reconhece que são poucos os que conseguem atingir o sucesso: “Dá certo para uns 15%. Para o resto, é luta”, expressa. Mas diz que seguirá resistindo, assim como resistiu no leito de UTI. A dupla pretende lançar, este ano, EP com quatro músicas e retornar para a estrada. Uma das canções foi feita em homenagem à mãe. “Seu destino foi sempre mostrar, brigar quando é preciso, mas ensinar o certo. Suas lágrimas, seu sorriso, mataria ou morreria pelos seus meninos. Mãe, me perdoe por errar”, diz a letra.

A convivência com
traumas e dificuldades
pós-acidente

Sobreviver a uma tragédia, como a vivenciada pela dupla Marcos e Ryan, ou sofrer um baque sentimental ao receber notícia de morte de um ente querido em um acidente nas rodovias são situações que quase sempre deixam marca traumática. Na música, a dificuldade se expressa até na relação que as pessoas passam a ter com as canções e imagens dos artistas. João Reis Araújo, pai de Cristiano Araújo, por exemplo, diz não conseguir ouvir o repertório cantado pelo filho, tampouco ver vídeos em que ele aparece.

Arquivo Pessoal

O empresário convive, ainda, com a dificuldade de passar pela BR-153, rodovia em que o filho morreu. Praticamente impossível de evitar, pois ela corta o estado de Goiás e atravessa Goiânia, cidade onde ele mora, interligando a capital a municípios da região metropolitana. “Não dou conta nem de olhar para os lados. É a coisa mais difícil do mundo ter de passar por ali”, assinala o pai de Cristiano.

Marcos, da dupla com Ryan, demorou para voltar a dirigir. Ele se sente desconfortável ao volante sempre que começa a chover, pois a situação remete ao dia em que ocorreu a tragédia que tirou a vida da mãe. O irmão mais novo já decretou que, se eles voltarem para a estrada, o veículo não será adesivado com nenhuma identificação. Um carro anterior de Marcos já havia se envolvido numa batida em Faxinal (PR), e tinha a marca da dupla. “Parece que todo carro com plotter acontece algo. Eu fiquei meio traumatizado com essa história”, revela Ryan.

Arquivo Pessoal

A mãe do cantor e ex-The Voice Renan Ribeiro, Angélica Panseri, baixou um decreto após a morte do herdeiro: “Música, não mais”. O marido, Edson Aparecido Panseri, 53, que formou dupla com o filho no passado, recebe convites de colegas para cantar e fazer participações em pequenos shows, mas a mulher sempre coloca um limite: “Uma música, e só”. A última vez em que ele pegou o violão guardado em casa para tocar foi há cerca de dois anos. Só voltou a tirar o instrumento do armário durante a visita da reportagem do Metrópoles, em junho deste ano.

Sertanjos

Integrantes da equipe de George Henrique e Rodrigo também ficaram traumatizados. O produtor-geral e técnico Leandro Barbosa, 46, que trabalha para a dupla há mais de uma década, conta que demorou um tempo para conseguir dirigir um carro com tranquilidade. Na estrada, qualquer freada do ônibus já é suficiente para acordá-lo. Assustado, ele verifica logo se não está acontecendo nada. “O medo é constante”, ressalta.

ACIDENTES
CONFORME A PISTA:

DUPLA
459478
SIMPLES
568681
MÚLTIPLA
85175

* Totais são de 2012 a 2021 (10 anos)

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