Munido de armamento de guerra e apoiado por um exército de 100 sicários – matadores de aluguel sul-americanos –, o PCC deu um recado com a morte de Jorge Rafaat Toumani: a partir daquele dia, a fronteira entre Brasil e Paraguai pertencia a outro “rei”. Esse é o episódio que marca a entrada do PCC no grande tráfico internacional de cocaína. Hoje, a facção opera em 24 países e fatura R$ 5 bilhões por ano, segundo as estimativas das autoridades.
Crédito: ReproduçãoA metralhadora que matou Rafaat foi instalada dentro de uma caminhonete branca O assassinato do concorrente, executado em junho de 2016, garantiu ao PCC o domínio sobre a rota completa da cocaína, desde as plantações em países andinos, principalmente a Bolívia, até os portos brasileiros, como o de Santos (SP), de onde a droga é embarcada para o exterior. Também permitiu acesso à maconha produzida em larga escala no Paraguai.
O levantamento mais recente do Ministério Público de São Paulo (MPSP), datado de novembro de 2021, mostra que o PCC arrecada mais de U$ 1 bilhão por ano (cerca de R$ 5 bilhões), sem considerar os negócios particulares de lideranças. Em 2005, quando ainda estava engatinhando no tráfico, o grupo movimentava cerca de R$ 5 milhões por ano.
Fábio Vieira/MetrópolesO Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) acredita que o PCC arrecada U$ 1 bilhão por ano Na condição de maior fornecedora de cocaína para a Europa, a multinacional do crime já expandiu sua operação para 23 países, além da matriz brasileira. Em 2012, o PCC só atuava pontualmente na Bolívia e no Paraguai.
Atualmente, há 1.545 membros batizados do PCC que operam fora das fronteiras brasileiras, os “irmãos”, a maior parte na América do Sul. Há integrantes mapeados nos Estados Unidos, no México, na Inglaterra, na Holanda, na França, na Suíça e no Líbano, onde o quilo da cocaína tem o seu maior valor de mercado.
O assassinato de Rafaat marcou também o acirramento dos conflitos com o Comando Vermelho (CV) e com a Família do Norte (FDN), com os quais a facção paulista chegou a fazer planos de grandes alianças e agora são inimigos mortais.
A hegemonia dos paulistas na fronteira obriga as outras facções criminosas, que resistem à ideia de ter o PCC como único fornecedor, a buscar alternativas menos rentáveis para a operação do tráfico.
A FDN, por exemplo, vai buscar cocaína no Peru. Sem poder atravessar o Paraguai, a facção usa a chamada “rota do Solimões” para ter acesso à droga pelo Amazonas, escoá-la até o Nordeste e só então mandá-la para o Rio de Janeiro – dando uma “volta” no mapa que representa mais riscos e mais custos.
Após conquistar a hegemonia no tráfico de drogas em São Paulo e de ganhar influência em todos os estados brasileiros, o PCC expandiu os seus negócios em outros países, tornando-se o principal fornecedor de cocaína para a Europa.
Principal especialista em PCC e “decretado” por combater a facção, o promotor Lincoln Gakiya, do MPSP, avalia que o sucesso do PCC no narcotráfico está inicialmente ligado à figura de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, convocado por Marcola para compor a sua cúpula em 2002. “Teve uma importância fundamental em direcionar o PCC para o campo das drogas”, diz.
Réu em mais de uma dezena de processos por homicídio, tráfico de drogas e formação de quadrilha, Gegê do Mangue saiu pela porta da frente da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior paulista, em fevereiro de 2017. Sob a bênção de Marcola, o bandido recebeu a missão de ser o número 1 do PCC nas ruas.
Gegê recebeu alvará de soltura às vésperas de julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), com a promessa de comparecer à audiência. Era mentira. O criminoso foi condenado à revelia, mas nunca mais pisou na cadeia.
ReproduçãoGegê recebeu a missão de ser o número um do PCC nas ruas e direcionou a facção para o tráfico de drogas Investigadores acreditam que Gegê fugiu pelo Paraguai e foi em seguida para a Bolívia, onde fechou parcerias com cocaleiros. Àquela altura, o PCC já havia matado Rafaat e dominado a fronteira seca, o principal corredor da droga, mas queria aumentar as remessas até o Porto de Santos, de onde parte a maioria das cargas com destino à Europa.
Por meio de Gegê, o PCC se tornou a única organização criminosa do Brasil que compra e revende cocaína da Bolívia, onde cada família tem aval da legislação para cultivar até 1,6 mil m² da planta de coca. Estudo da Polícia Federal mostra que o país é responsável por produzir 54% da droga que entra no Brasil. Outros 38% vêm do Peru.
Fora da cadeia, Gegê também constatou que traficantes usavam toda a estrutura montada pelo PCC para tocar negócios próprios, sem que nenhum lucro fosse revertido para a facção. Foi quando deu a ordem: agora tudo pertenceria à “família”. Ou o PCC entrava na jogada, ou o esquema paralelo deveria acabar.
“Gegê apurou que estavam usando um canal e a logística do PCC para fins particulares. Ele proibiu. Os traficantes estavam usando fornecedores, transporte… E quando perdiam a droga diziam que [a remessa] era do PCC. Ele viu que todo mundo estava roubando, a verdade é essa”, afirma Gakiya.
Um dos atingidos pela ordem de Gegê foi Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, que estava foragido havia quase duas décadas e se tornara um dos maiores fornecedores de pasta-base de cocaína e de armas para o PCC. Ele também mantinha parcerias com Marcola, em negócios particulares.
Com fazendas na Bolívia e uma carteira de clientes que incluía desde quadrilhas menores a grupos estrangeiros, o traficante internacional resistia à ideia de poder negociar apenas com o PCC. “Fuminho colocava em torno de quatro toneladas de cocaína por mês no Porto de Santos”, diz Gakiya. Na Europa, o quilo da cocaína vale, dependendo do país, entre R$ 160 mil e R$ 530 mil, segundo fontes policiais europeias ouvidas pela reportagem.
Líder do PCC na Baixada Santista, no litoral paulista, o traficante Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, faturava alto com esquemas próprios e também torceu o nariz para as mudanças. Foi em um dos helicópteros dele, adquiridos com dinheiro ilegal, que Gegê embarcou em fevereiro de 2018, juntamente com outro integrante do PCC, o Paca. Eles foram atraídos para uma emboscada.
O plano era levá-los do Ceará, onde passaram férias com as suas famílias, de volta à Bolívia. Minutos após a decolagem, a aeronave pousou em uma clareira aberta dentro de uma reserva indígena em Aquiraz, na Grande Fortaleza. Lá, Gegê e Paca foram executados a tiros.
O crime teria sido encomendado por Fuminho. “É impossível mandar matar dois membros da Sintonia Final sem que Marcola soubesse ou não tivesse autorizado”, diz Gakiya. “O próprio Gegê acabou contrariando os interesses financeiros particulares de Marcola, Fuminho e outros membros que vendiam na Baixada. Isso levou ao assassinato.”
Rapidamente, espalhou-se a versão de que Gegê e Paca estariam roubando o caixa da organização – justificativa que não foi capaz de convencer todo mundo. Líderes e integrantes do PCC cobravam vingança. Cabelo Duro acabou morto, atingido por tiros de fuzil, na porta de um hotel de luxo da capital paulista, na semana seguinte.
Um “salve” interceptado na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, a P2, exigia, ainda, a cabeça de Fuminho. Amigo pessoal de Marcola, ele chegou a ser jurado de morte, mas foi “perdoado” e teve o “decreto” retirado por ordem do chefão do PCC.
Outros líderes
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A partir de 2019, lideranças do primeiro e do segundo escalão do PCC começaram a ser mandadas para isolamento em presídios federais.
Não demorou para que as vagas abertas na Sintonia Geral Final, a cúpula da organização, fossem preenchidas. Criminosos de longa data no PCC, responsáveis por ajudar na criação do setor de advogados e da célula que planeja atentados contra autoridades, ascenderam na hierarquia da facção.
Oito meses após os assassinatos de Gegê e Paca, em outubro de 2018, investigadores descobriram que Fuminho estava pessoalmente envolvido em um plano de resgate de Marcola e outros 14 líderes da facção aprisionados na P2 de Presidente Venceslau. Nas suas fazendas na Bolívia, havia um contingente de sicários em treinamento de guerrilha que contava até com soldados africanos, experts em armas pesadas.
O plano era espetacular. Um grupo iria incendiar caminhões para bloquear estradas. Outro atacaria a estação de energia elétrica para cortar o sinal de comunicação. Batalhões da Polícia Militar seriam metralhados. Tudo para que só o helicóptero do PCC voasse naquele dia na região, sem chance de a polícia reagir. A trama foi descoberta e, por medida preventiva, o aeroporto local ficou interditado com barreiras nas pistas de pouso e decolagem.
Havia razão para levar o plano a sério. No mês anterior, 20 criminosos haviam invadido o Presídio de Piraquara, no Paraná, e resgatado 29 presos do PCC. Com a participação de criminosos da facção, assaltos violentos a transportadoras de valores em cidades do interior, no que foi chamado “Novo Cangaço”, também passaram a ocorrer, dando mostra do poder de fogo do PCC.
Crédito: Depen/DivulgaçãoEm 2018, 20 criminosos invadiram o Presídio de Piraquara, no Paraná, e resgataram 29 presos do PCC