No dia 12 de maio de 2006, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, foi levado para depor sobre um plano de retaliação à transferência da cúpula do PCC para um presídio de segurança máxima, na véspera do Dia das Mães. Contrariado, ele declarou à polícia: “Não vai ficar barato”.

Uma onda de violência se alastrou pelo estado minutos depois, com atentados simultâneos, policiais mortos e dezenas de ônibus incendiados.

Com medo do PCC, a cidade de São Paulo ficou deserta, comércios fecharam mais cedo e repartições públicas encerraram o expediente.

A reação também foi violenta: policiais anunciavam mortes de suspeitos e grupos de encapuzados caçavam e executavam pessoas nas ruas.

A barbárie durou dez dias e terminou com o saldo de 564 mortes, muitas delas sem esclarecimento até hoje.

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capítulo 2:

a ascensão de marcola

a ascensão de marcola

Metrópoles publica 2º capítulo da série sobre a trajetória do Primeiro Comando da Capital (PCC), fundado em 31 de agosto de 1993

Alfredo Henrique e Felipe Resk31/08/2023 02:30











Os ataques que pararam São Paulo, a cidade mais rica e populosa do Brasil, em maio de 2006, foram a maior demonstração de força da história da facção criminosa. Sem a presença dos fundadores, o comando do grupo havia trocado de mãos. Por trás dos atentados, estava a liderança de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, o novo chefão.

Áudio exclusivo, obtido pelo Metrópoles, mostra a conversa entre o preso Julinho Carambola, amigo de Marcola, e um funcionário da Corregedoria da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), na véspera dos atentados de 17 anos atrás. Sem saber que era gravado, ele avisa que a facção espalharia o terror nas ruas paulistas caso os líderes fossem transferidos para uma unidade de segurança máxima.

“É pra pôr no chão mesmo, não é só aqui [cadeia]. É o sistema inteiro e a rua, cara. Dessa semana em diante, você vai ver na rua e não vai acreditar, cara”, diz o criminoso. “Tudo por causa disso [transferência]. É comitê do PSDB [partido do governo da ocasião], tudo o que você imaginar [será alvo]. É para acabar com o estado de São Paulo”, afirma Carambola ao servidor público.

Crédito: FERDINANDO RAMOS/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Em 2016, o PCC parou a cidade de São Paulo por 10 dias com assassinatos nas ruas, assaltos e queimando ônibus

Na conversa, Carambola defende o PCC e diz que a facção “acabou” com a tortura nos presídios. Também deixa claro que a organização criminosa “cata” seus inimigos “de fuzil” nas ruas e admite que há corrupção para conseguir informações que deveriam ser sigilosas: “O dinheiro compra tudo, cara”.

Àquela altura, o PCC já dominava os presídios de São Paulo e não lembrava tanto o “Sindicato do Crime” da década de 1990. Seis dos oito fundadores estavam mortos.

Com a nova cúpula, o tráfico de drogas virou prioridade, e a “luta contra a opressão do sistema”, idealizada no primeiro estatuto, só ganhava atenção se envolvesse alguém da diretoria da facção.

Condenado a mais de 330 anos de cadeia, Marcola é apontado como o homem por trás da transformação do PCC em organização criminosa com estrutura e visão empresariais. Responsável por assaltos milionários, ele está no sistema penitenciário desde 1986, quando tinha 18 anos.

Em depoimentos, o líder máximo do PCC afirma que “já estudou bastante Lênin”, o líder da Revolução Russa de 1917, e elege “Assim Falou Zaratustra”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), sua obra preferida.

Ficha de inclusão de Marcola no sistema penitenciário

Afilhado de Cesinha e um dos primeiros batizados, Marcola logo assumiu a liderança. Em comum com os fundadores, tinha perfil político, raciocínio rápido e capacidade de influenciar colegas de cela. Em contrapartida, discordava de métodos mais violentos, sem objetivos claros, defendidos pela primeira cúpula.

Em 2002, por exemplo, Cesinha e Geleião planejaram usar carros, recheados com 30 quilos de dinamite, para explodir o prédio da Bolsa de Valores de São Paulo e o Fórum Criminal da Barra Funda, ambos na capital paulista. Para Marcola, a facção ganharia mais ficando fora do radar da polícia e das autoridades.

Crédito: Reprodução/TV RecordMarcola discordava dos métodos mais violentos usados pelo Geleião

Segundo o procurador Márcio Christino, a visão de retaliar com atentados apenas em casos extremos ficou mais forte após Marcola dividir cadeia com o guerrilheiro chileno Mauricio Hernández Norambuena, líder da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), antigo braço armado do Partido Comunista do Chile, em 2006.

Norambuena estava preso em São Paulo pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto, em 2001. “Ele ensinou a Marcola que nunca se pode ir contra o povo, mas a favor do povo, e orientou que atentados não funcionam da forma que o PCC pretendia porque o resultado é a repressão”, diz Christino.

Crédito: Robson Fernandjes/Estadão ConteúdoO guerrilheiro chileno Mauricio Hernández Norambuena foi uma grande influência para Marcola

A diretoria de Marcola

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Julio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola

O criminoso é quem assumiria o posto de líder máximo do PCC em uma eventual ausência de Marcola. Condenado a 168 anos de prisão, responde por mortes de policiais militares e de outros presos desde a década de 1990.

Está preso no sistema penitenciário federal

Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue

Com passagens por roubo e tráfico, liderou ataques a autoridades e consolidou o domínio do PCC no Porto de Santos, o principal escoador de cocaína para a Europa. Solto por habeas corpus em 2017, virou o número 1 da facção nas ruas.

Morreu em fevereiro de 2018, executado em uma emboscada em Aquiraz (CE), em meio à guerra interna do PCC.

Daniel Vinicius Canônico, o Cego

Condenado a mais de 99 anos de prisão por diversos crimes, participou do roubo no Aeroporto de Brasília. Foi apontado como responsável por aumentar o faturamento do PCC com o tráfico de drogas.

Está preso no sistema penitenciário federal

Roberto Soriano, o Tiriça

Liderou quadrilhas e fez assaltos em diversos estados. Escreveu um romance medieval na cadeia, censurado por suspeita de ser uma mensagem cifrada de plano de fuga.

Está no sistema penitenciário federal

Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka

Afilhado e homem de confiança de Marcola, virou responsável por repassar ordens do chefão do PCC a outros membros da cúpula. Conhecido como “general” e condenado a mais de 80 anos, já ordenou, de dentro da prisão, mortes de rivais.

Está preso na Penitenciária Federal de Brasília

Edilson Borges Nogueira, o Birosca

Chefe do tráfico de drogas na zona sul da capital e em Diadema, na Grande São Paulo. Financiador do PCC, articulou alianças com outras facções brasileiras.

Morreu em dezembro de 2017, assassinado a facadas durante o banho de sol na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP)

Fabiano Alves de Souza, o Paca

Livre, participou da expansão do PCC para outros países da América Latina e liderou negociações de armas para a facção. Fugiu da cadeia em 2011, quando foi beneficiado por uma saída temporária.

Morreu em fevereiro de 2018, executado em uma emboscada em Aquiraz (CE), em meio à guerra interna do PCC.

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A relação entre Marcola e os fundadores do PCC já estava estremecida desde o assassinato de Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, enforcado no Piranhão, em julho de 2001. A guerra ficaria evidente com a morte de Ana Maria Olivatto Herbas Camacho, 45 anos, a mulher de Marcola, executada a tiros por homens encapuzados, em outubro de 2002.

Para vingar o assassinato da esposa, Marcola teria vazado a informação de que Geleião era condenado por estuprar uma jovem durante um roubo – crime repudiado pela massa carcerária e proibido pelo estatuto do PCC. Geleião e Cesinha acabaram expulsos e “decretados” (à morte) pela facção no mês seguinte.

Com os antigos líderes depostos, Marcola imediatamente escalou sete “homens de confiança” para compor o primeiro escalão do PCC, a chamada Sintonia Final Geral, em 2002. Entre eles, estava Julinho Carambola. Pela primeira vez, a alta diretoria, formada majoritariamente por assaltantes, tinha traficantes de drogas.

Crédito: ReproduçãoJulinho Carambola fazia parte do primeiro escalão do PCC, a chamada Sintonia Final Geral, em 2002

Cesinha seria assassinado a estocadas na Penitenciária de Avaré, no interior paulista, em agosto de 2006. Já Geleião fez uma espécie de delação premiada, ainda antes de esse termo jurídico existir, em troca de proteção policial. Ele morreu aos 60 anos, de Covid-19, em maio de 2021, após quatro décadas trancado na cadeia.

Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, em 2006, Marcola admite ter sido escolhido para liderar a organização criminosa após a guerra com os fundadores, embora diga que nunca tenha ambicionado o posto. Desde então, ele nega na Justiça o cargo.

Crédito: Hugo Barreto/MetrópolesEm 2006, Marcola admitiu ter sido escolhido para ser líder do PCC, mas desde então nega à Justiça o cargo

“Por um momento, quando eu me defrontei com os líderes, fui colocado nessa situação de chefão. Eu nunca aceitei essa situação de chefão. Eu nunca quis isso, nunca busquei isso e nunca aceitei ser isso”, declarou Marcola aos deputados federais, durante 4h13 de depoimento, tomado dentro do presídio, em junho daquele ano. “Não, você é um líder nato, tanto é que diz: ‘eu não quero ser’ e eles te consideram um líder, não é? Você é um líder nato”, concluiu o deputado João Campos (PSDB-GO), um dos membros da CPI.

A organização

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A hierarquia do PCC é composta por várias “sintonias”, com função específica, líderes próprios e linha de reporte definida.

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A gestão de Marcola é responsável por direcionar a atuação do PCC para o tráfico de cocaína. Também criou a atual estrutura da facção, organizada em células chamadas de “Sintonias”. Com funções bem definidas e ordens transmitidas por “salves”, cada setor tem autonomia na sua área e toma decisões no dia a dia.

A estrutura do PCC permite adaptações e trocas rápidas na cadeia de comando. Descentralizado, o modelo de decisões dificulta investigações e garante que a organização criminosa continue arrecadando mesmo quando líderes nas ruas são presos.

Apenas as questões mais importantes, como as que envolvem o caixa da facção ou supostas traições de lideranças, chegam à Sintonia Geral Final. Para investigadores, essa estrutura se consolidou justamente em 2006, nos “Ataques de Maio”, ordenados a partir da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde a alta cúpula estava presa.

Divulgação/Secretaria da Administração PenitenciáriaOs ataques de 2006 foram orquestrados dentro da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau

Em solidariedade aos faccionados de São Paulo, detentos também fizeram rebeliões em Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Mato Grosso do Sul – uma das evidências de que o PCC já se espalhava pelo Brasil na época.

Os ataques só cessaram após o governo paulista e Marcola entrarem secretamente em acordo, o que é negado pelas autoridades até hoje. Segundo o procurador de Justiça Márcio Christino, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), a negociação aconteceu da seguinte forma:

Uma advogada ligada ao PCC, o corregedor da Secretaria da Administração Previdenciária, um delegado e um comandante da PM foram em um avião oficial até o presídio. Lá, entregaram um celular a um preso do PCC. “Marcola não fala ao telefone. Ele chama alguém para falar por ele e esse alguém é conhecido como ‘a voz’”, relata o membro do MPSP. Os ataques acabaram cerca de 24 horas depois da conversa entre as autoridades e o intermediário do chefão da facção.

Três meses depois, o PCC faria nova chantagem para tentar extinguir o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), a “tranca-dura”. Criminosos sequestraram o repórter Guilherme Portanova, da TV Globo, e só o liberaram com a exibição de um vídeo da facção na maior emissora do país, na madrugada do dia 13 de agosto de 2006.

Domínio do tráfico

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Sob comando de Marcola, o PCC investe no comércio ilegal de cocaína. O esquema para controlar as bocas de fumo tem a colaboração de líderes com expertise em tráfico de drogas, que passa a ser o principal foco da facção.

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No tráfico de drogas, o PCC foi bem-sucedido na estratégia de formar um cartel em São Paulo, ao fornecer a baixo custo o produto para traficantes menores e tomar a “loja” por cobrança de dívida. Nas áreas dominadas, a facção também passou a regular as comunidades e impor suas regras aos moradores.

Uma das principais diferenças entre o PCC e outros grupos criminosos é que o controle territorial é exercido sem “ostentação”. Não há soldados armados nas ruas. Caso a “disciplina” seja desrespeitada, o infrator está sujeito aos chamados “Tribunais do Crime”, ou “Tabuleiros”, com sentenças que vão de espancamento a execução sumária.

O controle territorial é um dos motivos para que pesquisadores atribuam ao PCC a acentuada queda no número de homicídios comuns, observada em São Paulo a partir dos anos 2000. A lógica da facção seria que, “se há assassinato, há presença policial; se a polícia aparece, atrapalha o tráfico”. Essa tese dos pesquisadores é rechaçada por gestores da Segurança Pública paulista.

Crédito: Alexandre Schneider/Getty ImagesO PCC instalou várias “lojas” por São Paulo revertendo o lucro do tráfico de drogas diretamente para o caixa da facção

Em 2013, o domínio do PCC no tráfico de drogas ficou demonstrado em denúncia do Ministério Público de São Paulo, que fez a primeira radiografia da facção e acusou 175 pessoas – incluindo a cúpula inteira de Marcola. À época, a organização já atuava em todo o Brasil, e o lucro era estimado em cerca de R$ 100 milhões por ano.

Um ano depois, a Operação Oversea, da Polícia Federal, identificou as primeiras remessas de cocaína enviadas pelo PCC para a Europa, quando a facção ainda não tinha rotas consolidadas ou esquema sofisticado de lavagem de dinheiro.

Mapa das facções

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O mergulho no tráfico internacional de drogas e a tentativa de monopolizar o crime nos diversos estados brasileiros fizeram o PCC entrar em rota de colisão com outras organizações criminosas.

Antigo aliado dos paulistas, o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, declarou guerra ao PCC. A disputa refletiu-se imediatamente nas cadeias brasileiras, consideradas o principal termômetro da criminalidade.

O primeiro revés da facção paulista aconteceu em janeiro de 2017. Integrantes da Família do Norte (FDN), aliados do CV, decapitaram e queimaram 56 presos ligados ao PCC no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM).

O PCC não deixou barato. Na mesma semana, a organização promoveu a matança de 33 detentos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), e mais 26 na Penitenciária de Alcaçuz, na Grande Natal (RN).

Crédito: PMRN/DivulgaçãoEm 2017, o Comando Vermelho (CV) e o PCC entraram em guerra, e dezenas de detentos morreram dentro de presídios em Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN)

Em 2020, relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostrou a existência de 31 facções registradas entre os detentos do sistema federal. Com 205 presos, o PCC era responsável por dois terços dessa população. De longe, a maior organização criminosa brasileira.

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