Uma crônica para meus filhos sobre os perigos do autoritarismo
Não tem batalha ganha quando se trata de liberdade e respeito. É preciso sempre estar atento
atualizado
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Queridos Mimi e Sossô,
Quando a mamãe nasceu, na pré-história (mentira, nem foi há tanto tempo assim), as pessoas viviam um clima ótimo. O ano era 1985 e mesmo quem não estava muito por dentro dos acontecimentos políticos acabou sendo contaminado pela euforia da chamada “abertura democrática”.
É uma coisa um pouco complicada de explicar rapidamente, meninos, mas sabem aquele livro Quem manda aqui?? Pois bem, assim como descrito na história, havia um soldado que, durante muito tempo, não soube brincar e só queria mandar. Como quando a gente está na quadra e algum garoto mais velho não empresta a bola e tampouco quer dividir o espaço. Chato, não é mesmo?
Mas, como eu ia dizendo, no ano em que a mamãe nasceu, as pessoas conseguiram fazer o soldado voltar para o quartel. E todo mundo passou a poder usar a quadra, pintar, escrever, pular amarelinha, jogar bola até mais tarde. Foi bem bacana. Parecia que a gente nunca mais ia ter que lidar com o soldado mandão – ou com qualquer outra criatura que se comporte como o dono da razão.
Acontece, Mimi e Sossô, que nunca estamos 100% seguros quando se trata de gente que não sabe brincar. Sempre vai ter alguém querendo impor as coisas, alguém que não respeita o outro e só quer fazer valer a sua própria vontade, mesmo quando temos leis dizendo o contrário. Há até uma palavra para esse fenômeno: autoritarismo. Como quando a mamãe berra “porque eu mandei e acabou!”, só que sem essa pessoa ser a mamãe. Dá pra imaginar que loucura?
Esses últimos dias, meninos, aconteceram duas coisas que mostram os perigos do autoritarismo. Primeiro, um soldado sem graça lá do Rio de Janeiro quis inspecionar os livros vendidos em uma grande feira. Ele queria ter certeza de que só havia desenhos do seu agrado, como se isso fizesse algum sentido!
Depois, outros soldados rabugentos, lá de Recife, acabaram com um espetáculo feito para crianças justamente sobre esse assunto, o autoritarismo. Porque, filhos, se tem uma coisa que os soldados não gostam é quando a gente fala abertamente dos mandos e desmandos deles.
Estou contando essas coisas todas para que vocês nunca se esqueçam: a gente precisa estar sempre vigilante nessa vida. Não tem batalha ganha quando se trata de liberdade e respeito, é preciso nunca deixar de defender esses valores, mesmo nas situações em que as pessoas parecem já tê-los esquecido. Também escrevo, meninos, torcendo para que o meu receio em relação a esses últimos acontecimentos não se confirme. Torcendo para que vocês sejam livres de verdade e nunca experimentem o medo de falar o que pensam.
Com amor,
Mamãe