Temos que falar sobre maternidade idealizada
Blog reúne desabafos sobre as dificuldades de ser mãe
atualizado
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Thais Cimino, 32 anos, ficou grávida em um momento delicado. Ela e o marido francês viviam na Austrália e estavam prestes a se mudar para a França, quando descobriram a gestação. Thais desembarcou no país europeu sem amigos ou parentes por perto e sem falar o idioma do companheiro. “O que era para ser lindo e maravilhoso foi um período horrível de isolamento para mim”, lembra ela, hoje mãe de uma garotinha de 2 anos. Para piorar, Thais teve um abcesso mamário e precisou fazer uma cirurgia 45 dias depois de dar à luz. O procedimento a obrigou a parar de amamentar.
“Aquilo veio como uma bomba. Eu já estava sozinha e sensível, fiquei ainda pior. Depois de um tempo, comecei a pensar: ‘será que só eu me sinto dessa forma’?”, conta. Buscando ouvir outras mulheres em situações de medo, tristeza e solidão relacionadas à maternidade, ela lançou o blog Temos que falar sobre isso. Nesta entrevista, ela conta mais sobre o projeto, que, em um ano, já acolheu mais de 400 relatos e acaba de ser transformado em uma ONG.
De onde surgiu a ideia do blog?
A partir da minha experiência pessoal. Moramos na França há três anos, vim para cá já grávida. Foi difícil, a família do meu marido não nos aceitava e eu não falava uma palavra em francês. Perdi meu padrasto quando estava com oito meses de gestação. O que era para ser lindo e maravilhoso foi um período horrível de isolamento para mim. Minha mãe veio para o parto, mas foi embora 15 dias depois, no mesmo momento em que meu marido voltou ao trabalho. De repente, me vi completamente sozinha, isolada e com uma dificuldade enorme para amamentar. Fui para a emergência do hospital três vezes, até que um ultrassom revelou o abcesso mamário, e eles me internaram para fazer a cirurgia.
Você imaginou que passaria por esses problemas no pós-parto?
Não, não tinha ideia que pudesse ser tão duro. Nunca imaginei que a gente ficasse com o psicológico tão abalado nesse período. O pré-natal daqui é ótimo, mas ninguém fala sobre isso durante o acompanhamento. Com o problema do abcesso, eu me sentia em um filme de terror. Depois da cirurgia, fui para casa esperar que o dreno caísse naturalmente e a ferida cicatrizasse. Mas as feridas psicológicas demoraram muito mais tempo para sumir. Eu tinha vergonha de dar mamadeira para a minha filha, tão bebezinha, que deveria estar recebendo apenas o leite do peito. Inspirada na minha história, criei o blog, para que outras mulheres também pudessem falar abertamente sobre suas dores.
E como foi a repercussão?
Para minha surpresa, começaram a chegar muitos desabafos já nas primeiras semanas. Criamos um espaço onde as mulheres podem falar sobre seus sofrimentos sem medo de serem julgadas. Na nossa sociedade, é muito fácil condenar pelo que vemos superficialmente, sem saber que as mulheres podem carregar experiências ruins, como um aborto, um parto frustrado ou a necessidade de voltar a trabalhar logo no primeiro mês de vida do bebê. No blog, elas podem falar o que quiserem, nós não levantamos nenhuma bandeira. A maternidade já é cheia de rixas e espaços segregados sobre a forma de criar as crianças; nossa proposta é justamente o contrário: a de unir as mulheres, para que se sintam acolhidas.
Como é esse acolhimento no Temos que falar sobre isso?
Algumas se sentem melhores só de escrever e colocar suas frustrações para fora, outras estão claramente pedindo ajuda. Em casos mais graves, nos quais percebemos histórias de abuso ou violência sexual, pedofilia ou depressão pós-parto com risco para a vida da mãe ou do bebê, por exemplo, buscamos manter um diálogo com aquela mulher. Atualmente, nossa equipe é formada por 23 pessoas que fazem esse trabalho de forma voluntária. São psicólogas, enfermeiras e terapeutas, entre outros profissionais, que estabelecem essa comunicação e também orientam sobre formas de buscar ajuda. Nossos voluntários produzem, ainda, textos informativos sobre assuntos relacionados à maternidade.
Quais são os próximos passos do projeto?
Acabamos de fundar nossa ONG, para levar o projeto para além da internet. Queremos mostrar para mais e mais pessoas que a maternidade pesa bastante no psicológico das mulheres, ainda mais considerando o fenômeno ocidental de isolamento das mães. Nossa ideia é fazer cursos de formação para profissionais de saúde, capacitando-os para lidar com as mulheres nessa fase da vida.
Como isso pode ajudá-las a vencer as dificuldades da maternidade?
Por exemplo, muitas vezes, um quadro de depressão pós-parto começou com uma depressão na gravidez ou ainda antes da gestação. Queremos preparar os estudantes da área de saúde para que eles identifiquem sintomas. Além disso, queremos chegar a mulheres mais pobres, que não têm tanto acesso à informação. Talvez sejam elas as mais vulneráveis e as que mais precisam de ajuda.
Se você quiser ler o fazer um desabafo, visite o Temos que falar sobre isso.