Por que nos impressionamos com mães e bebês em espaços de poder?
Existe, infelizmente, a noção generalizada de que a criação de meninos e meninas é responsabilidade exclusiva do sexo feminino
atualizado
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Há algumas semanas, a pré-candidata à Presidência pelo PCdoB, Manuela D’Ávila, escreveu um textão no Facebook sobre o fato de ter levado a filha, Laura, de 2 anos, para diversos compromissos profissionais. A presença da menina foi questionada por um jornalista, e a deputada foi categórica: “Eu a levo porque sou sua mãe.”
Manuela é, no Brasil, a principal representante de um movimento – ainda tímido – de mulheres políticas que levam suas crianças para assembleias, parlamentos e debates públicos. Em 2016, uma foto dela amamentando Laura durante uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul correu a internet, chegando, inclusive, a outros países.
Na Europa, a hoje recém-eleita senadora Licia Ronzulli, do partido Forza Italia, “inaugurou” o movimento em 2010, ao levar a filha Vittoria, então com 7 semanas de vida, para votações no parlamento europeu. “É bizarro. Nós temos feito muita coisa e ninguém da imprensa se interessa. Então, venho com a minha bebê e todo mundo quer me entrevistar”, disse Licia, à época, ao jornal britânico The Guardian.
No ano passado, a senadora australiana Larissa Waters, do Partido Verde, também fez história ao amamentar a filha, Alia, no plenário do parlamento do país – que havia autorizado o gesto somente em 2016. No ano anterior, uma ministra do governo, também mãe de um recém-nascido – Kelly O’Dwyer, de orientação liberal – chegou a ouvir recomendações para ordenhar leite para não perder compromissos políticos.
O fato de Manuela, Licia e Larissa se transformarem em notícia quando estão com seus filhos a tiracolo diz muito sobre como a nossa sociedade encara as mães, as crianças e, por consequência, o próprio papel das mulheres.
Existe, infelizmente, a noção generalizada de que a criação de meninos e meninas é responsabilidade exclusiva das mães – especialmente durante a primeira infância. Como bem pontuou Manuela em seu textão no Facebook, por que será que ninguém pergunta a um político homem quem cuida dos seus filhos? Por que estranhamos a presença de mulheres e crianças em espaços públicos?
Quando políticas levam crianças para suas atividades estão quebrando uma série de paradigmas. Ao tirar os filhos do ambiente doméstico, apresentam-nos, também, como responsabilidade do coletivo. Lembram a todos de problemas como a sobrecarga materna, o déficit de creches e a baixa representatividade feminina em cargos de poder.
Atualmente, na Câmara dos Deputados, apenas 10,7% dos assentos são ocupados por mulheres; no Senado, o índice é de 14,8%. Em nível municipal, dos quase 58 mil vereadores eleitos em 2016, apenas 14% eram mulheres. “Precisamos de serviços públicos de apoio aos cuidados – que ficam sempre nas mãos das mulheres”, diz a professora Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), nesta reportagem sobre as causas para a baixa presença delas na política.
Espero que, no futuro, nos acostumemos a cenas como as protagonizadas por essas mulheres e consigamos nos tornar, efetivamente, agentes da democracia.