Para sair da zona de conforto: assista ao filme Capitão Fantástico
Longa é carregado de provocações pertinentes ao processo de criação dos filhos
atualizado
Compartilhar notícia
Sei que estou bastante atrasada, mas assisti, no último fim de semana, ao filme Capitão Fantástico e fiquei impactada. Não tanto pela qualidade cinematográfica da obra – pois não tenho conhecimento técnico suficiente para dar um parecer –, mas pela provocação que ela trouxe no aspecto da criação de filhos.
Capitão Fantástico foi dirigido por Matt Ross e lançado no Brasil no finzinho de 2016. Traz a história de um hippie anticapitalista convicto que cria os seis rebentos na floresta. As crianças fazem uma rotina pesada de exercícios, caçam, preparam a própria comida e estudam pensadores e filósofos de todas as épocas. Não têm acesso a TV ou a celulares e aprendem a usar a racionalidade desde muito cedo. Vivem como em uma tribo.
Se você está ainda mais atrasado que eu e não viu o filme, atenção: o texto abaixo contém alguns spoilers!
Isso tudo parece bem esquisito no começo, mas, em dado momento, a lógica de funcionamento da família começa a ser curiosamente perturbadora. Quando a morte da mãe os obriga a deixar a floresta por alguns dias e a visitar parentes na cidade, o estilo de vida que levam é confrontado. Uma tia questiona o fato de os meninos não estarem na escola e terem acesso a diversos tipos de facas, utilizadas para o abate de animais.
Ben, o pai e capitão do título, responde: seus filhos têm tudo o que precisam para sobreviver. Conforme argumenta, ensiná-los a caçar e a preparar a própria comida, livre de agrotóxicos, é fundamental. Também dá uma amostra de como seus pequenos sabem sobre o mundo: ele pede para um dos mais novos explicar o que é a Declaração de Direitos (a Constituição dos Estados Unidos) e, para provar como está certo, solicita o mesmo aos primos, filhos da tia responsável pela provocação – dois adolescentes típicos do mundo ocidental. Obviamente, a criança de Ben se sai muito melhor.
O capitão é quase uma caricatura – e tem inúmeras metodologias para lá de problemáticas –, mas seu ponto de vista me fez refletir sobre o que nós, como sociedade, estamos ensinando para as crianças.
Que valores passamos nas coisas triviais, como quando vamos ao supermercado, pagamos alguém para limpar a nossa casa ou compramos um presente de aniversário? Qual mensagem estamos transmitindo? Quais aprendizados são importantes para a formação do pensamento crítico? Precisamos mesmo de tantas coisas?
Há uma série de movimentos que, pautados por questionamentos como esses, têm mobilizado famílias na busca de formas mais conscientes de maternidade/paternidade. Por exemplo, o Movimento Infância Livre de Consumismo tem buscado conscientizar as pessoas sobre os problemas da publicidade dirigida a meninos e meninas, entre outros aspectos. Nos grupos de Facebook e WhatsApp, pais e mães – principalmente mães – debatem filosofias e caminhos para a implementação de uma vida mais saudável, com mais qualidade para suas famílias – sobretudo as que, por privilégio, podem fazer isso, é claro.
Eu, geralmente, não problematizo muito as coisas, mas Capitão Fantástico conseguiu me tirar da zona de conforto. Estou bem longe de me mudar para a floresta com a família, mas confesso que passei a pensar mais sobre as coisas feitas por nós de forma automática. Se você não assistiu ao filme e está a fim de algo parecido, recomendo.