O que realmente pensam as mulheres que não desejam filhos?
Pesquisa da UnB problematiza o tema, uma forma de refletir sobre as condições das mães na sociedade brasileira
atualizado
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“Árvore seca”. “Egoísta”. “Quem vai cuidar de você na velhice?”. São muitas as coisas desagradáveis (e sem noção) ditas a mulheres que não desejam ter filhos. Mas o que elas sentem? Como percebem a pressão social pela maternidade? Uma pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) decidiu estudar o assunto e trouxe um olhar acadêmico ainda pouco usual no país sobre esse “não desejo”.
“Culturalmente, as duas coisas parecem opostas: ser ou não ser mãe. A mulher que tem filho ascende socialmente, como se a outra, a que não deseja crianças, nunca fosse saber o que é felicidade de verdade”, diz a psicóloga Daniele Fontoura Leal, autora do estudo, feito no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da UnB. Na pesquisa, ela entrevistou 10 mulheres, brancas e negras, de diferentes classes sociais.
As entrevistadas trouxeram muita reflexão sobre a carga pesada que recai sobre as mulheres mães na sociedade. “Ainda há pouco espaço para se falar do mal-estar que vem com a maternidade. Isso não é encarado como uma questão de saúde mental, tampouco algo que deva receber atenção de políticas públicas”, comenta Daniele. Assim, problemas como o abandono paterno e a falta de creches não são debatidos (afinal, ser mãe é uma dádiva!).
Como explica Daniele, há, ainda, uma espécie de “contaminação” cultural das teorias mais conhecidas sobre a maternidade. “Freud, criador da psicanálise, diz que a mulher só se reencontra com a potência de verdade, presente no falo do homem, quando tem um filho. Só ficaria completa dessa forma”, ilustra. A pesquisadora também lembra do autor Donald Winnicott, que teorizou sobre a “mãe suficientemente boa”, responsabilizando as genitoras pelo cuidado primário que todo ser humano precisa ter.
Por fim, há também a construção da chamada “maternidade científica”, no início do século 20, quando passaram a ser realizados vários estudos que estabeleceram a ideia da maternidade como a função primordial das mulheres. “Nem estressada a mulher pode ficar que isso passa para o leite (materno)”, exemplifica Daniele, sobre uma das coisas surgidas a partir de então. “Não se trata de dizer se essas abordagens estão certas ou erradas, mas, na minha pesquisa, procuro trazer um novo olhar para isso, baseado no feminismo e nos estudos de gênero”, explica.
Iniciativas como a de Daniele não são triviais. O primeiro estudo sobre o assunto no Brasil foi publicado apenas em 1998, enquanto, na América do Norte, havia artigos desde os anos 1970. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não tem um marcador para indicar mulheres que não desejam filhos – e olha que o país vem experimentando quedas sucessivas nas taxas de natalidade.
Nas entrevistas feitas por Daniele, muitas mulheres justificaram o não desejo de maternidade por vontade de se dedicar à carreira; outras querem viajar o mundo. Também apareceu a preocupação com a superpopulação e com questões ambientais.
Outro ponto foi o preconceito. “Uma das mulheres com quem conversei estava recebendo o diagnóstico de endometriose. O médico perguntou se ela tinha filhos. Quando ela respondeu “não e não pretendo”, ouviu: ‘ah, então é por isso que você está com endometriose’.”
Para Daniele, estudar o não desejo de maternidade é também falar de maternidade. “Enquanto houver essa ‘briga’ entre mães e não mães para ver quem tem a melhor experiência, vamos deixar de visibilizar coisas muito importantes, como o acesso ao planejamento familiar e a métodos contraceptivos”, diz.