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O que heteronormatividade tem a ver com as nossas crianças?

A gente coloca na cabecinha delas, desde muito cedo, que ser heterossexual é a norma, o correto, o que se espera delas. Isso não está certo

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Já contei neste espaço que a descoberta do meu feminismo só aconteceu por causa dos meus filhos. É por causa deles também que eu continuo aprendendo, na prática, um monte de conceitos relacionados a essa luta pela igualdade. Um dos mais recentes se chama heteronormatividade.

Confesso (com vergonha) que ao ler esse palavrão pela primeira vez – eu, uma mulher heterossexual – fiquei pensando: “Ih, lá vem mais uma novidade ‘esquisita'”. Depois de entender do que se tratava, porém, tudo fez sentido. Grosso modo, heteronormatividade é quando relações heterossexuais se tornam o padrão, quando tudo que é diferente disso é ignorado ou demonizado.

Mas o que isso tem a ver com as crianças? Tem a ver que a gente coloca na cabecinha delas, desde muito cedo, que ser heterossexual é a norma, o correto, o que se espera delas.

Há coisa de duas semanas, depois da festa junina da escolinha dos meus filhos, uma pessoa de quem eu gosto muito estava conversando com meu mais velho e perguntou algo mais ou menos assim: “Você viu, Miguel? Como as meninas estavam lindas? De vestido, elas estavam lindas, né?”

Sim, elas estavam mesmo, assim como estavam os meninos de camisa xadrez e bigodinho. Por que, então, ressaltar as meninas para meu filho? Por que ele deveria considerá-las atraentes? Por que nós, adultos, queremos que meninos e meninas já se enxerguem dessa forma?

Tenho alguns palpites. O primeiro deles é que isso se trata de um capricho nosso. Queremos que as crianças correspondam às nossas expectativas e às dos outros. E as nossas expectativas, infelizmente, ainda são carregadas de preconceitos e estereótipos.

A outra coisa é que nós, mães e pais, em geral, queremos proteger nossos filhos. E achamos, ingenuamente, que eles estarão mais seguros se forem “iguais a todo mundo”.

Há algum tempo, outra pessoa de quem gosto muito, mãe de uma menina bissexual, relativamente tranquila em relação à sexualidade da filha, ficou arrasada porque a garota havia cortado o cabelo bem curtinho. “Mas ela tinha um cabelo tão lindo! Por que ela foi fazer isso?”, questionava a minha amiga, chorosa.

Ela, na verdade, não estava triste com o corte de cabelo. Estava triste, depois admitiu, porque, de cabelos curtos, a filha se tornava alvo mais fácil da intolerância. E isso não é pouca coisa no nosso país, o líder global em assassinados de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.

A solução, contudo, não é reforçar que essas pessoas se escondam, pelo contrário. Não é possível ensinar tolerância se não tivermos contato com o diferente. Sinceridade, não tenho medo algum que meus filhos se relacionem, no futuro, com outros homens. Tenho medo, sim, que eles precisem fingir ser o que não são.

Romper com a lógica da heteronormatividade é difícil, mas é necessário.

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