O dia em que eu decidi dar uma lição em meu filho – e o que eu aprendi
Cuidar de criança pequena é uma das tarefas mais exaustivas que conheço. Não porque elas dependem da gente para quase tudo – comer, tomar banho, ir ao banheiro –, mas porque são pequenos seres inconsequentes. Eles não têm o menor zelo pela própria integridade física, não importa o volume dos nossos berros. Tampouco estão ligando para a ordem […]
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Cuidar de criança pequena é uma das tarefas mais exaustivas que conheço. Não porque elas dependem da gente para quase tudo – comer, tomar banho, ir ao banheiro –, mas porque são pequenos seres inconsequentes. Eles não têm o menor zelo pela própria integridade física, não importa o volume dos nossos berros.
Tampouco estão ligando para a ordem das coisas dentro e fora de casa ou para a relação entre causa e efeito. A prova derradeira para mim veio esses dias. Miguel estava muito empenhado em jogar pela janela todos os brinquedos que pudessem passar pela rede de proteção. Todos. Tentei diversas abordagens, explicando de forma agradável e bem-humorada, fechando a cara, brigando pra valer. Nada adiantou, pelo contrário.
Em alguns momentos, ele jogava de propósito, aparentemente interessado em ver a minha cara de brava. Até que eu decidi dar uma lição nele: escondi as pernas da cadeira que ele costuma usar para fazer as refeições (sim, elas também haviam sido arremessadas para baixo).
Na hora de comer, ele foi até a mesa e se deparou com uma cadeira baixa demais para ser usada. “Cadê, mamãe?”, ele perguntou, e eu quase fiquei com pena da cara que ele fez quando contei que as pernas estavam perdidas. Alguém passou lá embaixo e pegou. “A mamãe disse que isso podia acontecer com as coisas que você joga pela janela, não disse?”, eu falei, me sentindo meio sabichona, meio canastrona.
Ele ficou um pouco chateado, mas isso deve ter durado uns 30 segundos. Quando me dei conta, ele havia arranjado uma solução. Pegou um carrinho de passeio infantil, desses que imitam um carro de verdade, sentou, e foi para perto da mesinha. E assim terminou a minha grande lição.
Fiquei com essa história na cabeça, tentando achar outras formas de mostrar para ele o quanto jogar as coisas pela janela é errado, até que me deparei com um texto escrito pela educadora norte-americana Deborah MacNamara (em inglês). Grosso modo, ela explica por que as crianças com menos de 5 anos simplesmente não conseguem pensar duas vezes antes de agir.
As partes pré-frontais do cérebro, responsáveis pelo controle dos impulsos, idealmente amadurecem entre 5 e 7 anos de idade para a maioria das crianças. (…) Até que essa mudança ocorra, dando origem a uma integração mais sofisticada do cérebro, a criança terá pouca ou nenhuma capacidade de parar quando estiver sob agitação emocional
escreve Deborah
Isso ajuda a explicar outros episódios em que parece ocorrer um “surto” na cabeça da criança. Enquanto eu escrevia esse texto, por exemplo, tive de correr para a sala porque Miguel estava jogando todo o conteúdo do açucareiro em cima da mesinha. Quando eu interrompi a brincadeira e ainda dei uma bronca nele, ele passou a me bater.
Para ele, naquele momento, não importa que eu seja a mamãe e que ele me ame. Eu fui a pessoa que acabou com aquela atividade divertidíssima e, portanto, quem merecia toda a raiva. Como explica Deborah, “assim como um cavalo com viseiras, eles veem apenas a coisa/pessoa/emoção que está bem na frente”.
Essa explicação não significa, contudo, que eu seja permissiva com Miguel. No caso do tapa, por exemplo, contenho as mãos dele e explico, com firmeza, que ninguém o agride e, portanto, ele não tem o direito de fazer isso com ninguém. Funciona para que ele pare de bater, mas, obviamente, não o faz entender toda a dimensão disso. Para isso – e para as mil outras atitudes “descabidas” – ainda será necessário um longo caminho. Então, melhor eu preparar o meu português, porque acho que só com muita conversa chegaremos lá.