Novas diretrizes para o parto: o que isso significa?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou extenso documento com novas recomendações para o atendimento de mulheres prestes a dar à luz
atualizado
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“Parto normal?! Devia chamar parto anormal, isso sim”, me disse, certa vez, uma moça com quem conversei num desses diálogos de salão de beleza. Depois dessa sentença, ela saiu enumerando uma série de coisas ocorridas no dia em que ganhou o primeiro filho: falta de acolhimento, grosseria, ameaças devido aos gritos, impossibilidade de comer e estar acompanhada de alguém de sua confiança. “Eu não passo mais por isso de jeito nenhum”, finalizou, não acreditando quando eu disse que não precisava ser assim.
Embora a chamada violência obstétrica seja bastante corriqueira – uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo indicou: uma a cada quatro brasileiras já passou por isso durante o parto –, ainda é difícil enfrentá-la. Também pudera: não deve ser fácil estar com um ser humano tentando sair de você e, ao mesmo tempo, ficar atenta e pronta para argumentar sobre protocolos enraizados entre os profissionais de saúde.
Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um extenso documento com 56 novas diretrizes para o atendimento de mulheres durante o parto. Foi a primeira atualização das recomendações do órgão para esse assunto desde 1996.
“Nós queremos que as mulheres deem à luz em um ambiente seguro, com profissionais qualificados e em unidades bem equipadas. No entanto, a crescente medicalização de processos normais está afetando negativamente a experiência do parto”, alertou Nothemba Simelela, diretora da área de Família, Mulheres, Crianças e Adolescentes da OMS, no dia do lançamento do documento.Uma das principais mudanças diz respeito à necessidade de respeitar o tempo de cada mulher para o processo do parto, sem a urgência de uma regra universal. Em muitos hospitais e maternidades, por exemplo, há a crença de que a gestante precisa dilatar um centímetro por hora. Quando isso não acontece, ela passa a ser submetida a intervenções – como o uso de ocitocina sintética, responsável por aumentar a dor nas contrações, ou de métodos para o rompimento da bolsa amniótica.
Mas, na prática, o que muda com o documento?
“Infelizmente, nem mesmo as recomendações do documento de 1996 da OMS são seguidas pelos profissionais brasileiros em sua totalidade”, lamenta a doula e educadora perinatal Erica de Paula. “Mas a expectativa é que a nova geração de médicos e enfermeiros, em processo de formação neste momento, procurem guiar a atuação pelos estudos mais recentes”, acrescenta ela, roteirista do documentário O Renascimento do Parto, que registrou o movimento de humanização do nascimento no Brasil nos últimos anos.
Erica lembra que o documento da OMS pode ser uma ferramenta importante para as gestantes. “Quando isso se torna disponível às usuárias do sistema de saúde, pode ser usado, na internet, para conseguir informação e exigir dos médicos e das instituições um atendimento baseado nas recomendações atuais, protocolando um plano de parto e tomando providências legais caso ele não seja cumprido”, pontua.
Se você acha parto humanizado coisa de hippie – ou que tem de ser de cócoras, em casa ou na água –, está enganado. De acordo com Erica, para se encaixar nessa categoria, a prática necessita de três pilares: 1) as condutas obstétricas e neonatais precisam estar baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis; 2) o nascimento deve ser considerado não apenas um evento médico e biológico, mas também um acontecimento psicológico, social, familiar e espiritual; e 3) deve-se respeitar o protagonismo da mulher, para que ela seja parte ativa das escolhas relacionadas ao seu parto.
“O parto humanizado pode ocorrer em ambiente hospitalar, domiciliar ou em casas e centros de parto normal”, esclarece. “Pode, inclusive, contar eventualmente com determinadas intervenções, se forem necessárias, indicadas e consentidas pela paciente.”
O que diz o documento da OMS?
São 56 itens, entre os quais:
• Não há prazo para a mulher ter a dilatação
• É preciso incentivar a parturiente a caminhar e adotar posições verticalizadas para ganhar o bebê
• A episiotomia (corte entre a vagina e o ânus) não deve ser adotada como procedimento de rotina
• Exames de toque devem ser realizados com intervalos de, no mínimo, quatro horas
• Práticas como lavagem intestinal e monitoração contínua dos batimentos cardíacos do bebê (em gestantes saudáveis) são desnecessárias
• Não se deve fazer a aspiração nasal no recém-nascido como prática de rotina
• Não é necessário dar banho no bebê nas primeiras 24 horas de vida
• A comunicação entre a gestante e os profissionais de saúde deve ser boa e eficiente