Meu filho, seja bem-vindo ao mundo das palavras!
Miguel está desenvolvendo um natural afeto pela leitura, uma riqueza que vai acompanhá-lo pelo resto da vida
atualizado
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Querido Mimi,
Um dia antes de você nascer, quando eu, a médica e mais um monte de gente achamos que a hora havia chegado, fizemos uma coisa bem curiosa para aquela situação: nós lemos. Enquanto eu esperava as contrações ganharem ritmo (no que, constatamos mais tarde, era um alarme falso da sua chegada), seu pai pôs-se a ler para mim. A gente tinha esse hábito, de ler coisas um para o outro, e, naquele dia, o livro escolhido era Mania de Explicação, da Adriana Falcão.
Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
[…]
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
É um livro bonitíssimo, Miguel. Você o tem na sua estante, mas, do alto de seus 5 anos, prefere as proezas escatológicas do João do Pum (livro de Mário Prata). Compreensível e esperado, eu sei.
Lembrei-me disso esta semana, quando você ensaiou a primeira frase em um livro, na minha frente. Não é inédito que tenha juntado letrinhas – a proeza foi com o folheto da pizzaria, na frente do seu pai –, mas foi a primeira vez que você se emocionou ao perceber o que estava realizando. Ao ver os seus olhinhos brilhando, feliz com a conquista, só pude pensar: é, parece que estamos fazendo isto certo!
Digo isso, Mimi, porque fizemos uma escolha (eu e seu pai) de esperar que você estivesse pronto para o mundo das palavras. Ninguém pegou na sua mãozinha para ensinar o contorno do alfabeto, ninguém te pressionou para que memorizasse vogais e consoantes. A gente só foi lendo para você, contando histórias, respondendo à sua curiosidade à medida que ela aparecia.
E sabe o que aconteceu? Você parece ter criado ou começado a criar afeto pela leitura. Isso é tão precioso, meu filho! É uma riqueza que vai te acompanhar pelo resto da vida, te fará viajar para onde quiser sem sair do lugar. E, certamente, vai encher a mim e seu pai (ex-livreiro, amante dos livros) de orgulho.
Filho, seja bem-vindo ao universo das palavras! Só posso desejar muitas aventuras. E torcer para que o sistema de ensino formal – um outro mundo novo, no qual você em breve vai ingressar – não destrua o seu amor pelo conhecimento.