Filho, pela primeira vez eu te dei um tapa. Me perdoe
Pensei inicialmente que você estava testando seus limites, mas acho que eu fui confrontada com os meus
atualizado
Compartilhar notícia
Filho, eu te dei um tapa. Pela primeira vez em pouco mais de dois anos, eu te dei um tapa. Veja, não estou tentando aliviar as coisas para o meu lado com essa referência temporal. Não estou de parabéns por isso, muito pelo contrário. Bater em uma criança de 2 anos é tão absolutamente errado que eu morro de vergonha só de lembrar. Bater em qualquer um é errado, vai contra tudo o que eu acredito e tento te ensinar todos os dias.
Só que eu bati. Sua travessura foi pegar meu estojo de maquiagem sabendo que não devia fazê-lo e sair correndo com ele nas mãos. Eu pedi para você me devolver, você gritou, pegou algo de dentro e jogou com força no chão. Fiquei muito brava, gritei de volta e te dei um tapa que pegou mais ou menos no seu bumbum. Você parou, meio assustado, meio rindo, tentando entender o que era aquilo, tão inusitado na nossa relação. Eu também parei, meio assustada, tentando entender o que tinha acabado de fazer.
Te abracei, pedi perdão e comecei a chorar compulsivamente.
Não sei o que deve ter passado pela sua cabeça, meu filho, mas o que aconteceu em seguida tocou o meu coração de forma arrebatadora. Eu fiquei sentada no chão do banheiro, com as mãos no rosto. Você veio, sentou ao meu lado, fez um carinho no meu braço e disse “mamãe tiste”. Consegue ver, Miguel, o tamanho da sua generosidade? Naquele dia, meu filho, eu entendi que, em grande parte das vezes, sou eu quem precisa aprender, não você.
Quando você tinha poucos dias de vida, ganhei da sua tia um livro que foi, ao mesmo tempo, revelador e perturbador: “A maternidade e o encontro com a própria sombra“, da argentina Laura Gutman. Perturbador porque falava o quanto você era influenciado pelo meu estado de espírito naquele momento – constantemente instável, inseguro e, claro, exausto. Revelador, basicamente, pelo mesmo motivo.
Os meses foram passando, Miguel, nós nos conhecemos e eu fiquei mais acostumada à minha nova função de mãe. Isso não quer dizer, porém, que estivesse sempre confortável nesse papel. Para falar a verdade, meu filho, os momentos de desconforto são bem numerosos. Digo ao seu pai que ter você é como estar constantemente tentando me equilibrar em um touro: quando eu acho que está tudo bem, você começa a sacudir de um jeito diferente e lá vou eu segurar com força para não cair.
Naquele dia do tapa, Miguel, acho que eu caí um pouquinho. Pensei inicialmente que você estava testando seus limites, mas acho que eu fui confrontada com os meus limites.
Eu estava cansada, com trabalho atrasado, tinha brigado com seu pai, e a casa estava uma bagunça. Talvez por isso não tenha percebido o que você queria, talvez por isso tenha ficado tão brava com a sua travessura. Que bom que você, ao me ver no chão, me ajudou a levantar e seguir adiante. Eu te amo.