“Fanatismo” de crianças por cocô está relacionado à sexualidade
A percepção dos genitais nessa faixa etária é uma etapa crucial para o conhecimento do próprio corpo
atualizado
Compartilhar notícia
Se houvesse um ranking das palavras que eu mais ouço quando estou com meus filhos, o primeiro lugar seria, obviamente, “mamãe” e o segundo, “cocozão”. Para Miguel, de 3 anos e 9 meses, não tem nada mais legal do que relacionar qualquer assunto sobre o qual estejamos conversando com “cocozão fedorento” ou “pum barulhento”, entre outras variações escatológicas.
De onde vem essa fixação?
O “fanatismo” por esses temas é normal e tem a ver com o desenvolvimento da sexualidade nas crianças. “No começo da vida, há a fase oral, quando o bebê se satisfaz pela boca, com a chupeta, com o aleitamento materno ou com os dedinhos”, contextualiza a pediatra Mariane Franco, presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
“A partir dos 2 anos e meio, temos a chamada fase anal: a criança aprende a controlar o esfíncter, a segurar e soltar o xixi e o cocô, e acha isso fantástico”, acrescenta. Mariane explica que a percepção dos genitais nessa faixa etária é uma etapa crucial para o conhecimento do próprio corpo e para o consequente desenvolvimento saudável da sexualidade.
Mas, por que falar tanto do cocozão? Porque é assim que os pais costumam se referir à “obra” que os filhos fazem no vaso sanitário. Para ensinar a fazer as necessidades na privada e concluir o desfralde, é comum que festejemos o cocozão, dando até tchau para ele na hora da descarga. “Eles repetem porque ouvem a mãe falar assim e porque acham incrível ter esse poder”, diz Mariane.
Na mesma toada, pontua a pediatra da SBP, surge o início da exploração dos genitais em busca do prazer – o prazer fisiológico, natural, sem qualquer relação com sexo ou maldade. Por volta dos 4 anos, os meninos começam a explorar o pênis e as meninas podem esfregar ou apertar a vulva (às vezes, na perna dos pais ou outros cuidadores) em busca da sensação de satisfação.E não tem nada de errado nisso, pelo contrário. “Muitos pais, às vezes, por questões religiosas, se apressam em repreender, dando a entender que aquilo é errado. Mas esse não é o caminho”, aconselha a pediatra.
O melhor a se fazer é explicar, aos poucos e com carinho, que tudo que sai do nosso corpo não foi aproveitado, não é para ser “reutilizado”. “E ir insistindo para que a criança lave as mãos sempre que se tocar, porque pode estar sujo”, reforça Mariane.
Também é importante que essa orientação seja passada aos outros cuidadores – à babá, aos avôs ou às professoras da creche. “A noção de privacidade em relação aos órgãos genitais é construída aos poucos, e os pais precisam ser pacientes e delicados ao abordarem a questão”, finaliza a pediatra.