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Faça o que eu digo, não faça o que eu faço

Um dos desafios da educação é evitar cair em contradições, que fatalmente serão apontadas por nossos pequenos fiscais

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Um dos maiores problemas desse lance de ter filhos é que a gente precisa ser correto e coerente – se não o tempo todo, pelo menos boa parte das vezes. As crianças crescem e começam a colocar em prática todas as regras que tanto nos esforçamos para ensinar. Pior: se transformam em fiscais a expor as nossas contradições.

– Mãe, você passou no sinal vermelho.

– Não passei, não.

– Passou, sim.

– Tá bom, Miguel. Mas foi sem querer. Eu estava bem embaixo quando trocou do amarelo para o vermelho.

– Mas não pode, né.

Meu Deus, menino! Está trabalhando para o Detran?

É no trânsito também que eu acabo por xingar as pessoas que me cortam ou ultrapassam pela direita. E aí, depois de descarregar a minha metralhadora verbal, ouço: “mãe, não pode falar puta, né?”. Não, não pode. Só adulto pode. Quando você for mais velho, se quiser, vai poder falar também. Um monte.

Com o meu marido, a questão são os doces. Sim, porque os meninos só podem, teoricamente, aos fins de semana. Mas o papai, bem, tem as suas caixas de balas e biscoitos recheados guardadas no armário, disponíveis, até mesmo, antes do almoço. “Papai, por que a sua boca está com cheiro de chocolate?”, questiona, sabiamente, o patrulheiro mirim.

De tudo isso, o mais emblemático foi o dia em que fui pega na “mentira”. Porque vamos combinar: todo mundo mente ou omite coisas de vez em quando. Nem que seja um pouquinho, com a melhor das boas intenções. E assim estava eu quando li, na agenda do filho mais novo, que ele só poderia levar um único item para o dia do brinquedo na escola.

O mais velho – que não tinha nada escrito na agenda, é preciso deixar claro – veio me perguntar se podia levar dois itens. Eu liberei, mas o adverti: não conte para seu irmão. Ele vai querer levar mais coisas e não pode.

– Mãe, você quer que eu engane o Solano?

– Não é enganar. Só não precisa contar. É para ele não ficar triste. (E para eu não ter de lidar com uma crise interminável de choro, penso.)

– Mas e se ele perguntar?

– Vamos fazer outra coisa, Miguel?

Por que vocês, crianças, são tão astutas? Já estou no aguardo do dia em que Miguel vai falar, na frente de todo mundo: mãe, lembra do dia em que você falou para eu enganar o Solano? E eu, com cara de tacho e sorriso amarelo, vestirei de vez o manto do mau exemplo.

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