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Existem crianças más?

Levar o filho ao psiquiatra ainda é um tabu para muita gente, mas é o caminho caso a criança seja diagnosticada com alguma psicopatia

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Broken Doll
1 de 1 Broken Doll - Foto: iStock

Macaulay Culkin ainda era um talentoso ator mirim quando estrelou o filme O Anjo Malvado, em 1993. Na produção (de qualidade duvidosa), o astro de Esqueceram de Mim encarnava o papel de um garoto na faixa dos 12 anos que mentia e fazia maldades compulsivamente, se revelando um jovem psicopata – embora o diagnóstico propriamente dito só possa ser feito por volta dos 18 anos.

Os sinais do chamado transtorno de personalidade antissocial (nome técnico da psicopatia) podem começar bem cedo, por volta dos 2 anos de idade. “Forte oposição aos cuidadores, por vezes de forma agressiva, grande dificuldade em seguir regras e combinados, tendência a ir contra os limites impostos, comportamento vingativo e humor irritável são algumas das características”, explica a médica Maria Cecília Freitas, psiquiatra da infância e adolescência e professora da Universidade de Brasília (UnB).

Para um diagnóstico, essas atitudes devem ser frequentes na maior parte dos dias e se repetir em diferentes contextos – como acontecia com a menina britânica Mary (May) Bell, na década de 1960, em uma cidade do norte da Inglaterra. May virou um ícone da maldade infantil. Ainda na primeira infância, ela destruía brinquedos, não demonstrava emoções e maltratava animais. Aos 11 anos, estrangulou dois meninos, de 3 e 4 anos.

May foi condenada em 1968 e ficou sob custódia até 1980, quando tinha 23 anos. Depois de sair, retomou a vida, formou uma família e, em 1998, contou sua história à jornalista Gitta Sereny, no livro Gritos no Vazio (Editora Gutenberg). Na obra, falou sobre os inúmeros abusos que sofreu na infância – físicos e psicológicos – e se disse curada. Em 2003, ela conquistou na Justiça o direito de permanecer em anonimato.

Mas o que faz com que existam crianças más?

Não há consenso entre os especialistas quanto à medida do papel da genética, do ambiente e – até mesmo – de lesões e doenças na ocorrência do transtorno de personalidade antissocial. É certo, contudo, que a família é essencial para o diagnóstico e o tratamento precoce.

“Crianças pequenas podem matar animais, agredir colegas fisicamente e colocar o irmão em risco sem que tenham um transtorno do comportamento. A empatia pelo outro não é uma característica tão inata quanto pensamos”, esclarece a psiquiatra Maria Cecília. Ela ressalta, porém, que a sensibilidade à dor do outro deve ser exercitada, através de bons exemplos e da correção dos hábitos.

“A repetição de uma ação inadequada precisa de uma consequência ruim. A crença de que o comportamento opositor gera ganhos é a base da psicopatologia do transtorno de personalidade, e uma vez enraizada, tem um tratamento muito difícil”, reforça a especialista, sócia fundadora do Instituto Brasiliense de Psiquiatria (IBP).

Um dos maiores desafios, segundo Maria Cecília, é os pais aceitarem a sua participação na consolidação do transtorno. Muitos só procuram ajuda por pressão da escola; outros admitem a presença dos sintomas, mas esperam uma resposta “milagrosa” com as medicações e a ação da terapia.

“Sei que é muito difícil admitir que seu filho tem hábitos complicados de conduta, mas o primeiro passo é olhar de frente para o problema e se incluir no tratamento”, diz. Em muitos casos, pode haver o diagnóstico de transtornos mentais associados – como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) – e a necessidade de uso de remédios. “Apesar da enorme frequência dos transtornos mentais, levar o filho ao psiquiatra parece ainda ser um tabu para muita gente”, lamenta Maria Cecília.

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