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E se a gente pudesse programar os filhos?

Por mais que as intenções dos pais sejam positivas, não seria injusto com as crianças manipulá-las para atender às nossas expectativas?

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Man holds hand of a baby with bar code on it. Genetic cloning concept.
1 de 1 Man holds hand of a baby with bar code on it. Genetic cloning concept. - Foto: Istock

Nesta semana, o mundo assistiu, atônito, ao anúncio de um cientista chinês sobre o nascimento de bebês geneticamente modificados. Na terça-feira (27/11), He Jiankui participou de uma conferência, postada no YouTube, na qual informava que duas irmãs gêmeas vieram ao mundo após terem seu DNA geneticamente modificado, de forma a torná-las imunes ao vírus da Aids.

A história chocou a comunidade científica. A própria instituição à qual o cientista é vinculado, a Universidade de Ciências e Tecnologias do Sul (na China), disse não estar a par do experimento e acusou He Jiankui de forjar o aval do comitê de ética. Em todo o mundo, especialistas alertaram para os riscos de tal procedimento, uma vez que as alterações genéticas podem provocar mutações imprevisíveis em outros genes.

“Se, por um lado, editar o gene CCR5 (usado pelo HIV para entrar nas células) não é difícil tecnicamente, submeter um embrião a uma tecnologia de tanto risco é uma loucura”, resumiu a geneticista brasileira Mayana Zatz, em um comentário para a Rádio USP. Um experimento como esse seria proibido nos Estados Unidos e na maioria dos países da Europa, frisou a especialista.

Na quarta-feira, o pesquisador cedeu às pressões e disse que haverá uma “pausa” nos testes clínicos, dada a repercussão do caso. Antes, porém, ele defendeu o método: “Não se trata de criar bebês projetados, apenas uma criança saudável.”

Isso pode soar como o canto da sereia para muitos de nós. Quem não gostaria de poder proteger o filho ou filha de doenças? Se, ao passarem por qualquer gripe mais severa, já ficamos desejando que o mal recaia sobre nós, em vez deles, o que não daríamos para garantir que sejam saudáveis e imunes a patologias mais graves?

Eu não daria nada (obviamente, falo isso com um aperto no coração). Simplesmente porque a vida deles não me pertence – e ter filhos é, por essência, reconhecer a nossa limitada capacidade de ação e controle. Além disso, o quanto seria injusto (e eticamente absurdo) programarmos uma criança para atender às nossas expectativas, por mais nobres que sejam?

Quando eu era criança, e todos conheceram a famosa ovelha Dolly (o primeiro mamífero a ser clonado com sucesso), tive uma longa conversa com o meu pai sobre a técnica da clonagem. Para exemplificar as possibilidades, ele apontou para uma das pintas no meu rosto e disse que, por exemplo, uma clone poderia ter hábitos melhores do que os meus e, assim, garantir uma pele sem manchas (licença poética para as reais causas de pintas na pele). E eu fiquei pensando: mas, poxa vida, e essa nova eu vai, então, ficar sem tomar sorvete e banho de sol?! Coitada!

As pesquisas com células embrionárias são importantíssimas e promissoras, especialmente para o caso de doenças genéticas, degenerativas. No mais, experimentos com a genética de outros humanos precisam ser muito, muito bem pensados e fiscalizados – para o bem de nossas futuras gerações.

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