Desejo que meus filhos rolem na grama, na areia e sujem as roupas
Não tem nada que água, sabão e, eventualmente, remédio para vermes, não resolva
atualizado
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“Você não tem medo que tenha algum bicho aí?”, me perguntou uma senhora, genuinamente preocupada ao ver que eu assistia ao meu filho mais velho pular e esconder os pés em um monte de folhas secas, perto de uma árvore. “Na verdade, não…”, eu respondi, um pouco insegura, me sentindo meio mãe desnaturada. Eu deveria ter?
Depois eu fiquei pensando que não é a primeira vez que estranhos manifestam um tom alarmado ao ver a forma como Miguel se diverte ao ar livre.
Em uma outra situação recente, ele e a filhinha de uma amiga estavam correndo descalços na parte de trás do CCBB quando uma moça os alertou sobre a existência de montinhos de terra no chão. “Cuidado, as formigas vão picar os pezinhos de vocês”, disse ela, falando com as crianças, mas dando o recado para nós, as mães.
Entendo que as pessoas tenham a melhor das boas intenções, mas confesso que esse tipo de intervenção começa a me dar nos nervos. Primeiro porque me parece um tanto quanto arrogante: eu não pedi ajuda ou opinião e sou responsável pelos meus filhos. Segundo porque eu, como responsável por eles, prefiro correr o risco de consolar eventuais choros do que privá-los de certas experiências.Recentemente, o pesquisador norte-americano Richard Louv, autor do livro “A última criança na natureza” (Editora Ground), alertou para o que chama de deficit de experiências ao ar livre. Segundo ele, as crianças estão desenvolvendo problemas físicos e psicológicos porque passam tempo demais dentro de casa.
Aqui, nós tentamos aproveitar ao máximo as atividades na “natureza”, ainda que seja nas árvores próximas ao bloco. Embora tudo tenha começado mais por necessidade minha – caso contrário, Miguel desmontaria a casa inteira – hoje faço questão de sair com ele e com o irmão, para que eles vejam outras coisas, conheçam cheiros e texturas.
Quando meu filho pisa nas folhas secas, ele não está apenas se divertindo e gastando energia. Ele também observa que há folhas diferentes nos galhos, e eu tento explicar o que aconteceu com aquelas que estão no chão. É claro que há um cuidado com potenciais perigos – por exemplo, se eu souber que a árvore abriga a toca de um animal –, mas eu não parto do pressuposto que tudo é perigoso.
Então, não, eu não tenho medo que haja um bicho no monte de folhas, ou que meu filho seja picado por formigas. Para falar bem a verdade, eu, Carolina, até tenho, mas também me controlo para não passar para ele os meus medos e traumas – se assim for, ele pode virar um adulto com agonia de cigarra e pavor de barata.
Desejo que meus filhos conheçam os bichos e a sujeira, que rolem na grama e na areia, que acumulem roupas manchadas. Não tem nada que água, sabão e, eventualmente, remédio para vermes, não resolva.