Crianças e suas frustrações natalinas
Dar presente é, no final das contas, uma questão de administrar expectativas, as nossas e as do presenteado
atualizado
Compartilhar notícia
Se tem uma coisa que as crianças fazem bem é demonstrar sentimentos. Com o tempo, é claro, incorporam os filtros do pudor adulto – ou das boas maneiras e da educação, como queiram chamar. Até que isso aconteça, contudo, a espontaneidade infantil nos brinda com muitas pérolas. Por exemplo, quando o Papai Noel se equivoca e não traz o presente desejado:
– Olha lá, Solano! Tem uma bicicleta debaixo da árvore! Será que é sua?
– Não. Eu pedi um carro Porsche verde.
2 anos e 10 meses de pura eloquência.
Há quem se frustre com razão. Vítimas de certa avareza, ou, quem sabe, do senso prático dos adultos. Conta um amigo que, na infância em Salvador, véspera de Natal, aquele calorão, ele e a irmã se depararam com dois embrulhos enormes debaixo da árvore. Seria um autorama? Um posto de combustível de mentirinha? A casa da Barbie? Ansiedade a mil.
Ao rasgarem as embalagens, surpresa: dois incríveis ventiladores. Passaram o Natal chateados, porém fresquinhos.
Mas é impossível acertarmos sempre. Na minha casa, percebo que a frustração ocorre quando o regalo é de vestir.
– Olha, filho, que legal essa camiseta que você ganhou! Linda, né?!
– É. Mas cadê o presente?
Suspeito que parte desse fenômeno se deve ao fato de vivermos em uma situação econômica pra lá de privilegiada, diferentemente da maioria das pessoas no país. Meus filhos têm muitas coisas, brinquedos, roupas. São as únicas crianças, no lado da família que vive em Brasília, beneficiadas com toda a sorte de presentinhos e presentões de tias e avós corujas (e pai e mãe também, confessamos).
E, frequentemente, todos damos com os burros na água. Queremos fazer as crianças felizes, mostrar que foram lembradas, de uma forma que nos pareça justa e equânime. No caso da bicicleta aí de cima, fizemos recomendações ao Papai Noel: se vai trazer uma bike para um, tem que garantir a do outro. Não queremos guerras em casa.
Mas não entendemos nada de nada, pelo visto. O tal “Porsche verde” – obviamente, uma miniatura – era a grande expectativa da noite. E custaria R$ 10. Já a bicicleta…
Dar presente é um pouco isso, no final das contas: uma questão de administrar expectativas, as nossas e as do presenteado. Por isso que o tal amigo oculto é tão temido por muitos. Decepcionar e ser decepcionado já é chato entre os mais chegados, com conhecidos, então, nem se fala. Mas faz parte do aprendizado.