A difícil arte de largar o “papel de mãe”
É importante para as crianças ter um pai presente, ativo, mesmo que meta os pés pelas mãos de vez em quando
atualizado
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Certa vez, eu estava no trabalho quando o Lourenço, pai dos meninos, me ligou dizendo que a escola havia entrado em contato com ele. Um dos dois, não recordo qual, tinha febre e era preciso buscá-lo mais cedo. Eu fiquei em choque. Como assim a escola ligou para o pai?! Eles não sabem que eu sou a mãe? Cadê o respeito às instituições?
Passado o espanto inicial – e depois de ter conferido o meu celular, para ter certeza de que a ligação não tinha vindo primeiro para mim –, eu me peguei a pensar no meu próprio apego ao papel de mãe. Se eu me sinto tão sobrecarregada com mil tarefas e com a carga mental invisível que recai sobre as mulheres com filhos, deveria estar aliviada quando o pai assume o protagonismo, não?
O problema é que eu também sou resultado de um sistema a martelar o tempo todo: mãe é mãe. É a pessoa que precisa resolver tudo. A responsável pelo cuidado da família. Isso fica claro, por exemplo, quando médicos e outros profissionais de saúde se dirigem apenas à mulher na hora de falar sobre as crianças. Ou quando a escola se comunica somente com as mães. Ou até quando a gente vê um menino ou menina fazer algo sem noção na rua e soltamos, em tom de brincadeira: “Cadê a mãe dessa criança, gente?”
Sei que falo de um lugar extremamente privilegiado. Em um país onde 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento e outras milhões têm apenas pais de Facebook (para postar aquela foto bacana no fim de semana), ter um paizão da porra como parceiro nessa empreitada é praticamente ganhar na loteria.
Muitas de nós, mulheres, vemos os homens como incapazes, como se eles não fossem dar conta – ainda que de forma inconsciente. Porque, afinal, eles não vão saber combinar a roupinha (e a criança vai sair de casa parecendo um palhaço). Eles vão esquecer alguma coisa importante ou fazer brincadeiras perigosas ou, ainda, vão deixá-los acordados até muito mais tarde do que deveriam. E talvez façam tudo isso mesmo.
Mas tenho aprendido que precisamos largar o osso. Muito porque, durante alguns meses, Lourenço esteve desempregado. Em vários dias, ele passou a fazer todas as coisas que eu fazia: buscar as crianças na escola, interagir mais com as professoras, separar sucata para o trabalhinho, pensar no jantar – ou a não pensar, e aí nós pedíamos pizza. Os meninos passaram a comer muito mais macarrão com salsicha do que eu gostaria, mas, e daí?
É importante para eles ter um pai presente, ativo, que meta os pés pelas mãos de vez em quando. Tira um fardo de cima de mim e ensina coisas que nem as minhas melhores palavras seriam capazes.
E eu que me vire para lidar com a frustração de não ver as coisas sendo feitas do meu jeito.