Não basta a retórica liberal contra a desigualdade
É preciso fazer reformas bancária e tributária, retomar papel do Estado e enfrentar a minoria rentista e a elite que vive da miséria do povo
atualizado
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Nos últimos dias e semanas, lemos e ouvimos várias lideranças liberais como Luciano Huck e Armínio Fraga defenderem o fim das desigualdades. Fraga chega a zombar da esquerda, no alto de sua fortuna acumulada na especulação financeira, uma das principais causas da desigualdade não apenas no Brasil e na América Latina, mas no mundo.
A revista Forbes traz a informação de que os 206 bilionários brasileiros em sua maioria não produzem nada, vivem de renda, dos juros altos e não pagam impostos — desde 1995, graças ao governo FHC, eles não pagam impostos sobre lucros e dividendos distribuídos.
Hoje, detêm a bagatela de R$ 1,2 trilhão. Em 2012, 74 bilionários detinham um patrimônio declarado de R$ 346 bilhões.
Essa escandalosa e criminosa concentração de renda é a principal causa da desigualdade e da pobreza no Brasil, um país rico, já que tem uma renda para cada família com 4 pessoas de R$ 15 mil por mês. No mundo, esse quadro ainda é mais grave — 26 cidadãos têm riqueza maior que 3,9 bilhões de cidadãos, ou seja, a metade da humanidade.
O sistema tributário no Brasil, que deveria distribuir renda, é um dos principais instrumentos de concentração de renda, propriedade, riqueza, grandes fortunas, doações e heranças. Os mais ricos e as altas classes médias não pagam impostos ou pagam menos relativamente que a maioria da população, que ainda é expropriada nos impostos indiretos e regressivos de bens e serviços.
Para completar o verdadeiro assalto à renda nacional, o sistema bancário, com juros reais imorais e vergonhosos, explora o conjunto da população.
Catástrofe social
Estas são as verdadeiras causas do subconsumo, do baixo ou nenhum crescimento do país, onde tudo está ainda para ser construído e milhões não têm empregos e, quando os têm, são subempregos, precários e informais, uma verdadeira catástrofe social e humanitária, resultado direto das reformas trabalhistas.
É uma ilusão acreditar que o povo suportará por muito tempo essa estrutura econômica e social que só beneficia uma minoria. Vai reagir e se levantará como o fez na Colômbia, no Chile e no Equador.
Mesmo com crescimento econômico, esses países se veem frente a rebeliões populares, uma vez que a maioria não é, não foi e não será beneficiada por um crescimento que só concentra renda e aumenta a pobreza, onde o trabalhador não tem direito a um transporte decente, a um salário suficiente para uma vida digna, a escolas e hospitais para seus filhos e família, ao lazer e à cultura, à paz e à segurança na aposentadoria.
Política ultraliberal
Os liberais e o chamado centro que dizem se opor a Bolsonaro e sua política de extrema direita precisam explicar como farão a distribuição de renda e combaterão a desigualdade apoiando a política ultraliberal de Bolsonaro-Guedes.
Ela é uma regressão social e econômica e um desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social, recém-construído no Brasil. É evidente que esta política não deu certo nos países nossos vizinhos e levou ao impasse em que vivem hoje. E certamente não dará certo no Brasil.
Como entregar para o mercado, na prática para os bancos e grupos financeiros, o combate à desigualdade sem enfrentar a concentração de renda, riqueza e propriedade, base não só da desigualdade, mas da atual estagnação de nosso país e de todo o mundo?
Ao contrário de tudo que afirmam os liberais, o caminho trilhado entre 2003 e 2013 prova que a base de nosso crescimento é a distribuição de renda, via salários e gastos sociais, via inovação e conhecimento, via pequena e média empresa.
Labirinto trágico
Os cartéis e monopólios que dominam nossa economia não são e não serão capazes de tirar nosso país desse labirinto trágico em que se encontra. É preciso uma radical reforma dos sistemas bancário, financeiro e tributário que evite que nosso país se reduza a ser um produtor e exportador de alimentos e minerais.
É necessário retomar o papel do Estado no desenvolvimento nacional e um projeto de nação e de integração regional, com política industrial e de inovação, diversificação da matriz produtiva com conhecimento, conteúdo nacional e acesso para a pequena e média empresa.
O ultraliberalismo que o centro chamado democrático apoia e retoma produziu no passado economias não diversificadas, primárias e desiguais, concentradoras de renda, riqueza e propriedade como podemos ver em toda a América Latina.
Desafio
O desafio do centro liberal é este — não basta a retórica contra a desigualdade. É preciso muito mais: fazer as reformas estruturais bancária e tributária, retomar o papel do Estado e enfrentar a minoria rentista e a elite que vive da miséria e da pobreza do povo.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.