Secretaria desautoriza hospital e mantém ambulatório LGBTQIA+ no DF
Pacientes que dependem do atendimento relataram ao Metrópoles que Hmib havia comunicado fim do programa de acompanhamento
atualizado
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A Secretaria de Saúde do Distrito Federal garantiu, nesta sexta-feira (6/8), a continuidade do programa de atendimento ambulatorial especializado em saúde mental ofertado pelo Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) para a população LGBTQIA+. A decisão contraria o comunicado feito pela unidade pública aos pacientes que dependem do serviço e revelado pelo Metrópoles.
Na nota à imprensa, a pasta esclareceu que “o ambulatório LGBTQIA+ não será fechado e vai continuar fazendo parte Hospital Materno Infantil Dr. Antônio Lisboa (Hmib). O atendimento para a população também não será interrompido”.
Ainda conforme o texto, a intenção da Secretaria de Saúde, pelo contrário, é de ampliar o atendimento para este público, em todos os níveis de atenção e em todas as regiões de saúde.
“A Subsecretaria de Atenção Integral à Saúde vai normatizar e regulamentar o atendimento desse ambulatório, que hoje é feito no Hmib, para que um maior número de pessoas possam ser atendidas e tenham acesso ampliado aos serviços ambulatoriais”, garantiu.
Desmonte
A coluna Janela Indiscreta noticiou que os pacientes LGBTQIA+ que dependem do atendimento ambulatorial especializado em saúde mental ofertado pelo Hmib foram surpreendidos, na última quinta-feira (5/8), com o possível encerramento do programa na unidade, que é referência no Distrito Federal. A intenção, conforme relatos recebidos pelo Metrópoles, seria priorizar iniciativas relacionadas à finalidade do hospital, que é focado em maternidade.
Criado no ano de 2018, o ambulatório psiquiátrico especializado na comunidade LGBTQIA+ também auxilia na formação dos estudantes de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs). Caso o programa seja suspenso, cerca de 300 pacientes, em grande parte pessoas trans e autistas, podem ser prejudicados.
A Diretoria de Serviços de Saúde Mental considera que os pacientes contemplados pelo programa não se enquadram em quadros clínicos de transtornos mentais ou sofrimentos psíquicos associados à ginecologia ou obstetrícia. Por isso, a orientação desse órgão é que os atendimentos agendados até o dia 31 de dezembro deste ano deverão ser encaminhados, para que a diretoria possa remanejá-los a outros endereços da Secretaria de Saúde, sem que o tratamento seja interrompido.
“Esse ato é totalmente preconceituoso. Por que não pode continuar o atendimento psiquiátrico, sendo que não há outros locais especializados para nós na rede pública? Não faz sentido, a não ser que, por trás disso, haja interesses políticos de partidos com tendências preconceituosas e de exclusão”, disse um paciente trans, autista, que preferiu não ter o nome divulgado.
A reportagem apurou que mais de 470 pessoas aguardam, em lista de espera, o atendimento pelo ambulatório da especialidade do Hospital Dia, localizado na 508 Sul. A instituição deve acolher a maior parte dos pacientes tratados no Hmib.
Presidente da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), Rita Louzeiro é autista e atendida no ambulatório do Hmib há pelo menos três anos. Ela teme que a interrupção da especialidade, a qual acolhe os grupos e respeita a legislação vigente, seja um ato “extremamente perigoso para a saúde emocional e psicológico” de uma comunidade que já é negligenciada pelo poder público.
“O atendimento do Hmib é único no país, porque consegue fazer intersecção entre questões neurodiversas e questões do grupo LGBTQIA+. Há estudos comprovando que, entre pessoas autistas, a gente tem o maior número de pessoas que são LGBTQIA+ do que acontece no grupo do restante da população não autista. Isso interfere na percepção que profissionais têm, por exemplo, ao diagnosticar o autismo em pessoas LGBTQIA+, assim como acontece com a população negra”, explicou.
Serviço raro
Advogada em direitos humanos e consultora de direitos de pessoas com deficiência, Adriana Monteiro lembrou que a especialidade psiquiátrica ofertada pelo Hmib é rara na rede pública do Brasil, o que pode dificultar o tratamento e o acompanhamento dos pacientes.
“Vejo todos os dias no escritório a dificuldade que as famílias atendidas para esse tipo de serviço especializado têm – não só aqui no DF, mas no Brasil todo. O Hmib deveria se orgulhar da oferta desse serviço e a secretaria [de Saúde] também, porque é um serviço muito raro. Embora ele seja um hospital de alta complexidade, também faz o atendimento terciário, secundário. Tanto que o hospital oferece as especialidades de otorrinolaringologia, oftalmologia, dermatologia, entre outras; e isso não pode se dizer que é um serviço exclusivo da gestante puérperas que estão lá”, ponderou.
Para a diretora de Diversidade da Universidade de Brasília (UnB), Susana Xavier, pessoas LGBTQIA+ imersas em ambientes violentos tendem a adoecer. Assim, o acompanhamento especializado, com respeito a essa realidade, é mais do que necessário para garantir a saúde mental de todos os pacientes atendidos.
“Não pode ser um tratamento de forma generalizada, mas tem que ser conduzido por especialistas que compreendam que esses indivíduos estão expostos a todo tipo de violência, fruto dessa rejeição pela sociedade. Então, quando se trata precisamente de pessoas trans, travestis, não binárias, bissexuais, mulheres lésbicas, é muito difícil de se encontrar, nos serviços de saúde públicos, profissionais que compreendam essa especificidade e que deem um tratamento qualitativo, um tratamento digno a essas pessoas”, afirmou.
O ativista Christiano Ramos, que preside a ONG Amigos da Vida – especializada no acolhimento da comunidade vulnerável LGBTQIA+ –, lembrou que, no ano passado, em parceria com empresas, construiu um espaço, no Hmib, especializado no atendimento de mulheres vítimas de violência e também da comunidade trans.
“Imagina só que, em tempos de pandemia, quando todo mundo está aflorando os transtornos psicológicos e lutando pela saúde mental, um serviço desse acaba. É muito preocupante”, alertou.
O que dizem os envolvidos?
Quando a reportagem foi publicada, a médica psiquiatra Kyola Vale, responsável pelos atendimentos na unidade hospitalar da Secretaria de Saúde desde 2018, afirmou ter tomado conhecimento sobre a decisão administrativa da instituição, mas que ainda estava se inteirando sobre o assunto.
“Tenho esperança de que tal posição seja revertida, uma vez que não existem outros espaços de inserção dessa população, principalmente porque a maioria deles também apresenta neurodiversidade. A grande maioria são pessoas autistas e que vão ficar sem atendimento”, resumiu.