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Prefeito cassado em 2017 festeja demora do TSE e segue no cargo

Da cidade de São Mateus, Daniel da Açaí foi condenado por abuso de poder econômico há dois anos e é um dos 150 nomes que perderam o cargo

atualizado

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1 de 1 Daniel-da-Açaí - Foto: Divulgação / PSDB

Cassado em 2017 por abuso de poder econômico por distribuir água potável e caixa d’água para a população nas proximidades do período eleitoral de 2016, o prefeito do município de São Mateus (ES), Daniel Santana Barbosa (PSDB), mais conhecido como Daniel da Açaí, tem a possibilidade de concluir o mandato devido à demora da Justiça Eleitoral.

Em ação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral do Espírito Santo (MPE-ES), o político foi condenado em duas instâncias, mas mantém o poder em uma das cidades capixabas mais importantes por força de liminar. Desde o recurso interpelado pelo tucano, a ação caminha a passos lentos em Brasília. Ele foi condenado à perda do mandato e inelegibilidade por oito anos, com a exigência adicional de convocação de novas eleições.

O caso do tucano é um dos inúmeros registrados no Brasil por problemas ocorridos durante os pleitos municipais. Para se ter ideia, desde as últimas eleições municipais, realizadas em outubro de 2016, cerca de 150 cidades fizeram votações suplementares, por um custo estimado que se aproxima da casa dos R$ 3 milhões. Na esmagadora maioria das ocorrências, conforme a Justiça Eleitoral, os afastamentos se deram por perda de mandato após cassação. Apesar de o número se mostrar considerável, há casos como o de Daniel da Açaí, em que a efetivação da sentença passa pela boa vontade da Justiça Eleitoral.

O recurso analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é a última instância para que a cassação do prefeito enfim saia do papel.  No ano seguinte da perda do cargo, em 2018, o efeito da condenação foi suspenso por decisão do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-ES), Annibal de Rezende Lima. Ele acolheu recurso da defesa, mantendo-o no cargo até manifestação do TSE.

Contudo, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) provocou o TSE para que a sentença fosse cumprida. Em 2018, Daniel da Açaí mudou a banca de defesa e contratou os irmãos Henrique Neves e Fernando Neves, ambos ex-integrantes do TSE. Fernando foi titular da Corte, enquanto Henrique desempenhou o papel de substituto.

Prazo regimental
No processo capixaba, embora a relatora e presidente do TSE, ministra Rosa Weber, tenha recusado a investida do prefeito e mantido a condenação, o julgamento teve de ser interrompido após um pedido de vista do ministro Edson Fachin. Procurado, o tribunal explicou ao Metrópoles que não há prazo regimental para que um magistrado consiga estudar e devolver o processo para a análise do plenário. A interrupção ocorreu no dia 8 de outubro, data do início da análise do recurso. Há pelo menos um mês, portanto, não houve movimentação interna. A assessoria de imprensa informou que o órgão não comenta trâmites processuais.

O MPE sustentou que o político é sócio da empresa Açaí Água Mineral e, em virtude da posição empresarial, teria distribuído água e caixas d’água para moradores carentes de abastecimento durante o período pré-eleitoral, o que configura crime. Como pano de fundo, Daniel teria usado a “Liga da Solidariedade”, projeto formado por voluntários de várias instituições, inclusive religiosas, para ajudar regiões carentes durante uma séria crise hídrica vivida no local.

No voto sobre o recurso, Rosa Weber sustentou que a distribuição de água, em região reconhecida pela necessidade hídrica, fez com que Daniel da Açaí tenha conquistado posição de vantagem em relação aos demais candidatos. Segundo a ministra, a simples filantropia deve ser afastada quando acontecer o dispêndio de recurso de patrimônio privado cuja finalidade seja favorecimento eleitoral.

Para a ministra, embora o candidato não tenha pedido voto diretamente, nem mesmo distribuído santinhos durante a ação social, o fato não afasta a configuração do abuso de poder. “Ainda que desvinculada a entrega da água ao voto, essa forma de proceder exerce forte apelo, principalmente nas camadas mais necessitadas da população”, sentenciou. Por ocupar o cargo, Daniel da Açaí recebe um salário mensal de R$ 12 mil.

Cidade parada
Cidade litorânea de importância turística e econômica para o Espírito Santo, São Mateus é o segundo município mais antigo e o sétimo mais populoso do estado, com cerca de 150 mil habitantes. Mesmo com densidade populacional tímida se comparada a capitais, a cidade capixaba sofre com a instabilidade política desde a primeira sentença, ocorrida há dois anos.

“A nossa cidade tem uma receita de R$ 32 milhões por mês e a gente não vê nada em andamento. Nenhuma obra, nenhuma melhoria, nada de manutenção. É um prefeito apenas pela forma, mas que a própria população já não reconhece. Enquanto a Justiça empurra isso com a barriga, a gente tem de esperar a decisão definitiva, mas só porque não tem outro jeito. A cidade não aguenta mais. Se você bater de porta em porta, vai saber que pelo menos 90% da população quer logo uma nova eleição”, cutuca Valdemir Andrade Dema, presidente municipal do Podemos e um dos opositores do prefeito tucano.

Dirigente do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Cael), do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o promotor de Justiça Francisco Martínez Berdeal explicou que o sistema processual brasileiro garante o contraditório e a ampla defesa aos acusados. “A gente tem certeza de que o MP fez o melhor trabalho possível, com a denúncia do caso e a procedência do pedido. Essa letargia é um retrato do sistema processual que permite uma série de recursos para tentar impugnar ou suspender os efeitos imediatos”, disse.

De acordo com o representante do MPE capixaba, as decisões eleitorais, a rigor, deveriam ser mais imediatas, justamente para não permitir situações como essa. “Embora seja uma regra geral, é dado um efeito suspensivo, que na prática faz com que a decisão não seja cumprida. Houve a condenação de um recurso e que aguardou o julgamento do TSE para efetivamente realizar novas eleições. Como está na Corte Superior, o atraso é uma situação indesejada, porque existe decisão de 1ª e de 2ª instância, com a impossibilidade de reapreciação das provas”, explicou.

A letargia na análise do caso não é considerada pelo promotor como um trabalho “jogado fora”. “Não, pelo contrário. É claro que o ideal seria que os pedidos tivessem efetividade concreta. Contudo, do ponto de vista da inelegibilidade, o resultado gera um efeito de impossibilidade de reeleição, o que gera uma penalidade ao réu”, avaliou.

“Marcha processual”
Procurado pelo Metrópoles, o Ministério Público Federal informou que o artigo 97-A, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), “estabelece que, nos processos que possam resultar em perda do mandato eletivo, considera-se como razoável a duração da marcha processual em até um ano, consideradas todas as instâncias da Justiça Eleitoral”.

Ainda segundo a nota, “com base nesse preceito, e também considerando a curta duração dos mandatos eletivos e a necessidade de apaziguamento da situação política nos municípios e estados, o Ministério Público Eleitoral busca sempre priorizar sua atuação nesses casos”, frisou. “Além disso, após o julgamento dos casos de cassação pelo TSE, a Procuradoria-Geral Eleitoral tem solicitado a pronta execução das decisões que determinam o afastamento do cargo e a realização de novas eleições”, completou.

No caso de São Mateus, segundo informa, “a PGE fez esse requerimento de execução, e a ministra relatora optou por não decidi-lo monocraticamente, levando ao plenário. Na sessão do dia 8 de outuro, a ministra relatora inclusive votou pela imediata comunicação da decisão ao TRE/ES, possibilitando-se assim a realização de novas eleições e o afastamento do prefeito e do vice de seus cargos, mas houve pedido de vista do ministro Edson Fachin. O pedido de vista é uma prerrogativa dos magistrados para poderem estudar melhor os casos, antes de proferirem seus votos”, concluiu.

O outro lado
A reportagem tentou contato, durante três dias, com a Prefeitura de São Mateus, com o prefeito Daniel da Açaí e com a Secretaria Municipal de Comunicação. As investidas foram por meio de telefone e por e-mail. Contudo, não houve retorno após os vários contatos feitos pela reportagem.

Também procurada, a defesa de Daniel da Açaí garantiu a inocência do cliente. “Acredito piamente que o prefeito não será cassado. Os fatos dos quais ele é acusado não caracterizam nenhum abuso de poder econômico”, afirmou o advogado Henrique Neves.

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