Hmib ameaça acabar com programa de saúde mental à população LGBTQIA+
Atualmente, o atendimento contempla cerca de 300 pacientes, que, na maioria dos casos, são pessoas autistas e trans do DF
atualizado
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Os pacientes LGBTQIA+ que dependem do atendimento ambulatorial especializado em saúde mental ofertado pelo Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) foram surpreendidos, na quinta-feira (5/8), com o possível encerramento do programa na unidade, que é referência no Distrito Federal. A intenção, conforme relatos recebidos pelo Metrópoles, seria priorizar iniciativas relacionadas à finalidade do hospital, que é focado em maternidade.
Criado no ano de 2018, o ambulatório psiquiátrico especializado na comunidade LGBTQIA+ também auxilia na formação dos estudantes de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs). Caso o programa seja suspenso, cerca de 300 pacientes, em grande parte pessoas trans e autistas, podem ser prejudicados.
A Diretoria de Serviços de Saúde Mental considera que os pacientes contemplados pelo programa não se enquadram em quadros clínicos de transtornos mentais ou sofrimentos psíquicos associados à ginecologia ou obstetrícia. Por isso, a orientação desse órgão é que os atendimentos agendados até o dia 31 de dezembro deste ano deverão ser encaminhados, para que a diretoria possa remanejá-los a outros endereços da Secretaria de Saúde, sem que o tratamento seja interrompido.
“Esse ato é totalmente preconceituoso. Por que não pode continuar o atendimento psiquiátrico, sendo que não há outros locais especializados para nós na rede pública? Não faz sentido, a não ser que, por trás disso, haja interesses políticos de partidos com tendências preconceituosas e de exclusão”, disse um paciente trans, autista, que preferiu não ter o nome divulgado.
A reportagem apurou que mais de 470 pessoas aguardam, em lista de espera, o atendimento pelo ambulatório da especialidade do Hospital Dia, localizado na 508 Sul. A instituição deve acolher a maior parte dos pacientes tratados no Hmib.
Presidente da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), Rita Louzeiro é autista e atendida no ambulatório do Hmib há pelo menos três anos. Ela teme que a interrupção da especialidade, a qual acolhe os grupos e respeita a legislação vigente, seja um ato “extremamente perigoso para a saúde emocional e psicológico” de uma comunidade que já é negligenciada pelo poder público.
“O atendimento do Hmib é único no país, porque consegue fazer intersecção entre questões neurodiversas e questões do grupo LGBTQIA+. Há estudos comprovando que, entre pessoas autistas, a gente tem o maior número de pessoas que são LGBTQIA+ do que acontece no grupo do restante da população não autista. Isso interfere na percepção que profissionais têm, por exemplo, ao diagnosticar o autismo em pessoas LGBTQIA+, assim como acontece com a população negra”, explicou.
Serviço raro
Advogada em direitos humanos e consultora de direitos de pessoas com deficiência, Adriana Monteiro lembrou que a especialidade psiquiátrica ofertada pelo Hmib é rara na rede pública do Brasil, o que pode dificultar o tratamento e o acompanhamento dos pacientes.
“Vejo todos os dias no escritório a dificuldade que as famílias atendidas para esse tipo de serviço especializado têm – não só aqui no DF, mas no Brasil todo. O Hmib deveria se orgulhar da oferta desse serviço e a secretaria [de Saúde] também, porque é um serviço muito raro. Embora ele seja um hospital de alta complexidade, também faz o atendimento terciário, secundário. Tanto que o hospital oferece as especialidades de otorrinolaringologia, oftalmologia, dermatologia, entre outras; e isso não pode se dizer que é um serviço exclusivo da gestante puérperas que estão lá”, ponderou.
Para a diretora de Diversidade da Universidade de Brasília (UnB), Susana Xavier, pessoas LGBTQIA+ imersas em ambientes violentos tendem a adoecer. Assim, o acompanhamento especializado, com respeito a essa realidade, é mais do que necessário para garantir a saúde mental de todos os pacientes atendidos.
“Não pode ser um tratamento de forma generalizada, mas tem que ser conduzido por especialistas que compreendam que esses indivíduos estão expostos a todo tipo de violência, fruto dessa rejeição pela sociedade. Então, quando se trata precisamente de pessoas trans, travestis, não binárias, bissexuais, mulheres lésbicas, é muito difícil de se encontrar, nos serviços de saúde públicos, profissionais que compreendam essa especificidade e que deem um tratamento qualitativo, um tratamento digno a essas pessoas”, afirmou.
O ativista Christiano Ramos, que preside a ONG Amigos da Vida – especializada no acolhimento da comunidade vulnerável LGBTQIA+ –, lembrou que, no ano passado, em parceria com empresas, construiu um espaço, no Hmib, especializado no atendimento de mulheres vítimas de violência e também da comunidade trans.
“Imagina só que, em tempos de pandemia, quando todo mundo está aflorando os transtornos psicológicos e lutando pela saúde mental, um serviço desse acaba. É muito preocupante”, alertou.
O que dizem os envolvidos?
O Metrópoles entrou em contato com a médica psiquiatra Kyola Vale, responsável pelos atendimentos na unidade hospitalar da Secretaria de Saúde, desde 2018. A especialista afirmou ter tomado conhecimento sobre a decisão administrativa da instituição, mas que ainda está se inteirando do assunto.
“Tenho esperança de que tal posição seja revertida, uma vez que não existem outros espaços de inserção dessa população, principalmente porque a maioria deles também apresenta neurodiversidade. A grande maioria são pessoas autistas e que vão ficar sem atendimento”, resumiu.
Procurada oficialmente, a Secretaria de Saúde afirmou que a informação referente ao desmonte no atendimento não procede. “O atendimento psiquiátrico do público LGBTQIA+ continua acontecendo normalmente no Hmib”, garantiu.