Escritório que criou “piscina” dentro do Paranoá descarta a intervenção no lago
Dávila Arquitetura garantiu que imagem se trata de um deck com a água do próprio lago como parte da proposta de ampliação do Brasília Palace
atualizado
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Depois de apresentar um projeto que ilustra claramente a construção de uma piscina invadindo o Lago Paranoá, o escritório responsável pela proposta de ampliação do Brasília Palace Hotel descartou, nesta terça-feira (5/1), a possibilidade de uma intervenção deste tipo num dos mais conhecidos cartões-postais da capital federal. Construções em áreas públicas, como no lago, são proibidas pela legislação vigente.
Em nota encaminhada à coluna Janela Indiscreta (leia a íntegra abaixo), a Dávila Arquitetura pontuou que a área em azul-claro, destacada em várias versões do desenho projetando o novo cais, na verdade, ilustrava a água do próprio Lago Paranoá. Arquitetos ouvidos pelo Metrópoles, contudo, reforçaram que a marcação é usada como um símbolo de piscina ou spa, na linguagem desses profissionais.
O caso foi revelado pelo Metrópoles, após a reportagem ter acesso à proposta preliminar apresentada pelo grupo Paulo Octávio para aumentar o potencial construtivo do Brasília Palace Hotel. O empresário é dono do empreendimento e fez uma consulta, junto aos órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF), sobre a possibilidade de realizar intervenções no local, já que o projeto original do prédio é assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
“Pelo desenho, o azul reforçado representa uma construção, talvez pastilhas, talvez azulejos. Dá a entender que é menor que uma piscina e maior que um spa. Um sombreamento também foi incluído, sugerindo que o cais está bem acima da superfície das águas”, disse um dos profissionais consultados pela coluna.
“Quando um desenho de um projeto é elaborado, principalmente sobre uma imagem da realidade atual, tudo o que é incluído é interpretado como construção. Se a ideia original fosse um deck com o formato quadrado, a cor da água do lago deveria ter sido preservada para fortalecer esse entendimento, coisa que, na minha avaliação, não ocorreu”, explicou outro renomado especialista da cidade.
Veja as fotos com aproximação do detalhe:
Nota
“Esclarescemos (sic) que não se trata de piscina ou spa. O conceito procura inserir a água como elemento mesclado à (sic) elementos orgânicos que compõem a paisagem bucólica. A água ilustrada representa a água do próprio Lago Paranoá que aparece espelhada na superfície do interior do deck. A intenção conceitual foi de justamente deixar o deck de acesso ao Lago menos árido e mais lúdico”, reforça o escritório Dávila Arquitetura, um dos maiores do país.
No texto, os arquitetos contratados por Paulo Octávio também reforçam a ideia de respeitar o complexo idealizado por Niemeyer antes da construção de Brasília.
“Com relação à edificação do Brasília Palace, destacamos nosso pleno respeito à arquitetura original de Oscar Niemeyer. A obra como hoje está caracterizada permanecerá intacta. Nenhuma conexão para acesso nem mesmo em subsolos será criada. No relato protocolado junto à Seduh e Iphan discorremos sobre as vistas e visadas estudadas de forma a manter o Palace como o protagonista do conjunto”, frisam.
Ainda de acordo com o texto, “a intenção de ocupar majoritariamente a periferia do terreno (as laterais mais longas) cria um pano de fundo discreto e uniforme para a obra do Brasília Palace, neutralizando a paisagem atual das vistas mais ecléticas do Royal Tulip e do Lake Side. Os itens histórico, diagnóstico e potencialidades do relato
protocolado registram toda uma linha de raciocínio e concepção conceitual e demonstra (sic) o cuidado com a memória da obra original, assim como a preservação de suas vistas e visadas principais”.
Para finalizar, a Dávila Arquitetura volta a destacar que a “intenção do protocolo que foi feito em setembro é de dividir com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e com a SCUB – Secretaria do Conjunto Urbanístico de Brasília, SEDUH, o conceito de um plano de massa, para que possamos com base nele obter diretrizes para a continuidade do processo. Até a presente data nem a SCUB nem o IPHAN se pronunciaram oficialmente”.
Pedido de vistas
A proposta de possível ocupação do terreno ainda está em análise do Grupo Técnico Executivo do Governo do Distrito Federal (GDF), formado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Secretaria de Cultura e, ainda, DF Legal, órgãos superiores para autorizar ou não alterações no conjunto urbanístico da capital federal.
Assim como outras obras de Niemeyer na cidade, o Brasília Palace Hotel necessita de uma longa jornada burocrática até que, de fato, consiga a sinalização positiva para alguma alteração no projeto original. Após receber a cópia do processo, a Secretaria de Cultura decidiu pedir vistas e interromper o andamento da proposta, já que, embora não tenha o título de tombamento, o hotel “tem reconhecida relevância arquitetônica e histórica para Brasília”.
“Esclarecemos que o Brasília Palace Hotel, além de ser passível de tombamento específico, integra o conjunto de edifícios de Oscar Niemeyer que são, inclusive, anteriores ao concurso para o Plano Piloto de Brasília, possuindo, por isso, valor arquitetônico e histórico inquestionável e referencial para o Distrito Federal”, escreveu o secretário Bartolomeu Rodrigues, ao justificar o ato em despacho interno.
Atualmente, o hotel tem um prédio de 4 andares, conforme prevê a legislação, além de um restaurante que ocupam uma área total de 14,4 mil metros quadrados. Com os novos empreendimentos, quadras e estacionamentos, a nova obra ocuparia outros 37,7 mil metros quadrados, mais do que o dobro do projeto original.
“Originalmente, a relação de visadas [vistas] do Brasília Palace com o Alvorada era mais significativa em função da pouca ocupação da área nos primeiros anos da inauguração de Brasília. A fachada das unidades voltadas para o Alvorada que também corresponde ao sol da manhã hoje já não mais conseguem visualizar o Palácio por interferência da edificação vizinha”, registra o escritório que assina a autoria do projeto.
Em agosto de 1978, um incêndio causado por uma cafeteira elétrica esquecida ligada destruiu parte do prédio e resultou no fechamento do local por mais de 20 anos. O estabelecimento projetado por Oscar Niemeyer foi adquirido pelo empresário Paulo Octávio e reformado em 2005. Grande parte das características originais foram mantidas após investimento de mais de R$ 22 milhões.
Faixa mínima
Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu como área de proteção permanente (APP) a faixa com largura mínima de 30 metros em projeção horizontal, a partir do nível máximo normal dos reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas. O GDF acatou a diretriz e decidiu que construções na orla do Lago Paranoá estão proibidas neste raio, com exceção daquelas que sejam para o uso público.
De acordo com o relatório concluído pelo grupo de trabalho criado para analisar o Plano Urbanístico de Uso e Ocupação da Orla do Lago Paranoá, as principais ações a serem desenvolvidas são a contenção de processos erosivos, a revegetação e a revitalização de corredores ecológicos.
Em 2011, uma decisão judicial determinou a desobstrução da orla em um espaço nesses 30 metros da margem do lago. A ação decorreu de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e acatada pelo Tribunal Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). A ação foi realizada apenas durante o governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), quando houve uma tentativa de criar áreas de uso público. A medida, contudo, ficou boa parte no papel.
O que dizem os envolvidos?
Procurado pelo Metrópoles, o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, confirmou que a pasta solicitou vistas na tramitação do processo, de forma cautelar. “O que estamos tratando é de um prédio que, embora não esteja tombado, integra o patrimônio e o legado deixado por Oscar Niemeyer. Para se ter ideia, ele foi erguido antes mesmo da aprovação do plano de Lúcio Costa. Para a nossa cidade, sem dúvida, tem um valor histórico inenarrável”, disse.
Também acionada pela coluna Janela Indiscreta, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) informou que o processo ainda está em análise na Subsecretaria do Conjunto Urbanístico de Brasília.
“O interessado contatou a Seduh, no final de setembro, solicitando diretrizes para utilização do potencial remanescente do lote e encaminhou estudo preliminar com simulação de ocupação – ainda em debate”.
Ainda conforme a nota encaminhada, a pasta explica que, em 28 de outubro de 2020, foi realizada reunião com o escritório de arquitetura responsável pelo desenvolvimento da proposta de ocupação, onde foram apresentadas as considerações iniciais da Seduh para ajuste da proposta.
“Em função da importância do Brasília Palace Hotel no contexto do Conjunto Urbanístico de Brasília, o processo será objeto de debate junto ao Grupo Técnico Executivo, formado pelo Iphan, Seduh, Secec e DF Legal, que irá decidir em conjunto e apresentar a posição consolidada dos órgãos sobre a questão”, frisou.
Já o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-DF) afirmou que vai aguardar a manifestação terminativa dos outros órgãos antes de se posicionar oficialmente.
As organizações PaulOOctavio esclarecem, também por meio de nota, que a imagem em questão representa um deck, e que nunca foi – nem será – intenção da companhia construir uma piscina no Lago Paranoá.
Veja o documento original do escritório de arquitetura:
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