Com denúncias de “fura-fila” da vacina contra Covid-19, residentes do Hmib paralisam atividades
Além deles, nutricionistas e servidores do atendimento domiciliar também reclamam de exclusão na atual fase da campanha contra Covid-19
atualizado
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Grupos de servidores da rede pública do Distrito Federal que atuam diariamente com pacientes diagnosticados com Covid-19 denunciam ter sido excluídos da primeira fase da campanha de vacinação contra a doença. Médicos residentes do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) anunciaram parar até que sejam devidamente imunizados.
O Metrópoles recebeu inúmeros relatos de nutricionistas de pronto-socorro e até mesmo técnicos que atuam na assistência domiciliar de pacientes infectados e que deixaram a internação hospitalar. Residentes suspenderam as atividades após a exclusão.
Unidade de referência no DF, a equipe do Hospital da Criança José Alencar (HCB) também ficou de fora da etapa atual estabelecida pela Secretaria de Saúde. Apesar de atender crianças e adolescentes com casos confirmados da doença, a Secretaria de Saúde informou que o local “será incluído em outro momento”.
O caso ocorre no mesmo dia em que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) cobrou explicações da pasta sobre servidores que não integram o grupo prioritário de vacinação de Covid-19, mas que acabaram contemplados com a aplicação da Coronavac. O caso ocorreu após servidores administrativos, por exemplo, publicarem nas redes sociais fotos recebendo a Coronavac. Conforme a circular da secretaria, a área administrativa não é grupo prioritário da atual etapa da imunização.
Alguns profissionais relataram à reportagem o constrangimento de enfrentar a fila, mas não terem sido lembrados para a atual fase da campanha, embora tenham exposição constante ao vírus. É o caso, por exemplo, de nutricionistas que atuam no pronto-socorro do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e da Região Leste, que inclui Paranoá e outras cidades vizinhas.
“É realmente inacreditável. Estamos em total risco de infecção, entrando e saindo de alas da Covid-19 e fomos deixados de lado. E não é apenas a nossa categoria”, reprovou um especialista em alimentação do quadro da Secretaria de Saúde.
Residentes
Os nutricionistas não foram os únicos “esquecidos” na primeira fase da campanha contra o Sars-Cov-2. Outros profissionais que afirmam estar expostos ao perigoso vírus também reclamam da atuação da Secretaria de Saúde.
Em documento obtido pela reportagem, os residentes do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib) dizem ter sido preteridos nas condutas relacionadas à pandemia, “tal como ocorreu na distribuição de EPIs e na realização de testagem sorológica”.
“Assistimos perplexos o início da vacinação no HMIB com a ausência do nome dos médicos residentes da lista de vacinação prioritária, tendo alguns colegas sido expostos ao ridículo de permanecerem na fila e terem a sua vacinação recusada. Reforçamos que os médicos residentes são os principais autores no funcionamento do hospital, especialmente das portas de entrada, como o Centro Obstétrico, onde permanecemos acordados durante a noite inteira porém, mesmo assim, não fomos considerados prioridades”.
“Comunicamos que estamos em paralisação completa e total de todas as nossas atividades, com início imediato, até que todos os médicos residentes do PRM-GO estejam devidamente vacinados. É triste e frustrante que precisemos agir dessa forma para que obtenhamos a valorização e prioridade que entendemos merecer”.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos, Gutemberg Fialho, o número de vacina é insuficiente no Distrito Federal e no restante do país.
“O sindicato está extremamente preocupado com a quantidade ínfima de doses da vacina colocadas à disposição para os profissionais da linha de frente. É bom deixar claro para a população que essas 100 mil doses não trarão efeito epidemiológico de redução de casos da doença e, por isso, as medidas de proteção precisam ser mantidas”.
Para o sindicalista, é necessário que a secretaria ofereça mecanismos de transparência para que a população e os servidores tenham segurança nas deliberações do Executivo.
Outros preteridos
Profissionais que atendem em casa pacientes de Covid-19 que deixaram o hospital também foram comunicados, na quarta-feira (20/1), de que seriam colocados numa próxima etapa da campanha contra a Covid-19, o que também gerou revolta nos grupos. A reportagem conversou com servidores da Região Leste, a qual inclui as cidades do Paranoá, São Sebastião, Itapoã, Jardins Mangueiral e Jardim Botânico.
“Já estava certo de que entraríamos na primeira leva da vacina, mas depois disseram que seria numa próxima. Para você ter ideia, eu estou saindo agora para ir na casa de um paciente que está com Covid-19. A gente tira o paciente do hospital para terminar o tratamento em casa, inclusive para vacinar outros casos. Como podemos ficar sem vacina, meu Deus?”, desesperou-se o servidor que terá o nome preservado.
A equipe como um todo do Hospital da Criança também foi preterida pela fase atual do plano distrital de vacinação. Na segunda-feira (18/1), um comunicado assinado pelo superintendente executivo do hospital, Renilson Rehem, explica aos funcionários que ainda não é possível definir quando será iniciada a imunização no HCB. “Infelizmente ainda não temos como detalhar a operacionalização”, diz
No texto, a direção explica que enviou à Secretaria de Saúde, no dia 8 de janeiro, um ofício solicitando que os mais de 2 mil trabalhadores do hospital fossem incluídos no recebimento das doses. Na sexta (15/1), no entanto, a resposta foi de que “ainda não havia informações precisas referentes ao quantitativo de doses”.
Após o anúncio dos locais que seriam contemplados com unidades de vacinação sem o nome do HCB, o superintendente diz que entrou novamente em contato com a pasta tentando viabilizar a vacinação em algum outro local.
Durante o ápice da pandemia no DF, o hospital chegou a receber diversas crianças e adolescentes com casos suspeitos e confirmados da doença. Uma ala específica, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Leão Marinho, chegou a ser criada para cuidar especificamente de infectados pela Covid-19.
Em setembro, a ala chegou a ser desativada e atendeu pelo menos 115 crianças com coronavírus, segundo o próprio hospital. Na última semana, reportagem do portal ainda divulgou que cerca de 30% dos trabalhadores testaram positivo para a doença e pedia prioridade nas doses.
O Portal Covid-19, da Secretaria de Saúde, mostra, na terça-feira (19/1), que o HCB é o único equipamento público do DF que possui leitos de UTI pediátricos para a doença. Dois deles estão ocupados e apenas um está vago.
O que diz a Secretaria de Saúde?
Procurada, a Secretaria de Saúde informou que cada unidade hospitalar tem um gestor responsável pela definição dos profissionais que se enquadram nos critérios estabelecidos pela pasta para os profissionais que poderão tomar a vacina nesta fase.
“O objetivo é identificar os servidores que atendem diretamente a demanda de pacientes suspeitos ou confirmados para Covid-19, entre eles médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e administrativos, vigilantes, funcionários da limpeza, etc., desde que exerçam funções em unidades consideradas de alto risco de contágio. Além disso, a dose da vacina é diretamente ligada ao CPF de quem a recebeu”.
Conforme a nota da pasta, “o gestor responsável pela área e o servidor beneficiado, sem que atenda aos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, irão responder administrativamente pelos seus atos. Qualquer servidor pode ter acesso à lista da unidade hospitalar em que trabalha”.
O órgão ressaltou que esta “é apenas a primeira fase da vacinação contra Covid-19. Os demais servidores serão contemplados nas próximas etapas, conforme orientação e em função do número de doses disponibilizadas pelo Ministério da Saúde”.
Sobre os residentes do Hmib, a secretaria informou a categoria faze parte do “grupo prioritário para a vacinação nesta primeira etapa”.