Clemente sugere conluio em ação do MP: “O Brasil já viu essa história”
Conselheiro foi alvo de nova busca e apreensão a pedido do órgão fiscalizador que investiga denúncias em contrato do Brasília Iluminada
atualizado
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Alvo de nova busca e apreensão conduzida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o conselheiro André Clemente, do Tribunal de Contas (TCDF), afirmou ao Metrópoles, nesta quarta-feira (2/2), estar sendo vítima de uma “farsa” construída “sem elementos” e em decorrência da indicação para o cargo na Corte.
“Os fatos ocorridos hoje só reforçam o que falei anteriormente e, aos poucos, os elementos dessa farsa vão se tornando públicos. Como prevíamos, tudo gira em torno da disputa pela vaga do Tribunal de Contas do DF. Tudo começa quando um deputado de oposição e candidato ao GDF denuncia 17 colegas e o secretário de Economia, alegando que esses venderam a indicação do TCDF, acreditem, em troca de emendas para uma festa de Natal. Não traz absolutamente nenhum elemento, apenas suposições infundadas”, afirma Clemente.
O ex-secretário de Economia do DF indica uma suposta combinação entre integrantes do MP e que a nova decisão, de juízo do primeiro grau, teria contrariado o posicionamento da presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
“No dia seguinte, o promotor e o procurador alinhados entram com pedidos de busca. O presidente do Tribunal de Justiça do DF e, depois, sua vice negam, porque não existe nenhum indício de nada. Dias depois, a juíza de primeira instância, sem competência para tanto, autoriza duas buscas em menos de uma semana, contrariando o que disse o próprio TJ”, argumenta.
“O Brasil já viu essa história recentemente. Quando promotor, procurador e juíza se unem para fazer política, não tem como um cidadão de bem se defender. Resta buscar o amparo das medidas judiciais cabíveis. E, depois, a responsabilidade pelos abusos e pelos danos à honra”, finaliza.
Grass se pronuncia
Embora Clemente não tenha citado oficialmente o nome de nenhum deputado, o distrital Leandro Grass se sentiu diretamente ofendido porque é o único que até o momento se apresentou como candidato ao GDF na CLDF.
Em nota divulgada na tarde desta quarta-feira, Grass disse que levou ao MPDFT, em dezembro do ano passado, “preocupações com o projeto Brasília Iluminada, que custou cerca de R$ 14 milhões para a população do DF”. “Esse valor é quase o dobro do que foi gasto no ano anterior com o mesmo propósito”, afirmou.
“Ao contrário do que o ex-secretário publicou em nota, eu não fiz denúncia contra nenhum parlamentar e nem questionei as emendas apresentadas. Também não afirmei que a indicação ao TCDF foi ‘vendida’, conforme ele aponta”, assinalou o distrital.
Segundo Grass, o que o motivou a procurar o MPDFT e falar sobre o projeto “foi a forma pouco convencional como tudo tramitou no GDF”. “O programa foi executado por uma secretaria que não detém a expertise técnica necessária e, além do valor fora dos padrões para uma ação feita por uma organização da sociedade civil, o tempo entre a aprovação e a execução foi recorde”, pontuou.
Entenda o caso
O gabinete do conselheiro André Clemente, no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), foi alvo de busca e apreensão na manhã desta quarta-feira (2/2). A casa do ex-secretário de Economia do DF, no Sudoeste, também voltou a ser alvo dos investigadores, que apuram o suposto superfaturamento na contratação do Brasília Iluminada.
Os mandados judiciais são cumpridos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e pelo Departamento de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil. A ação foi batizada de Operação Tenebris. Também são investigados a chefe de gabinete de Clemente, Edileide Oliveira Santos, e o presidente do Instituto Idheias, Geraldo Marcelo Sanches.
Veja como foi a Operação Tenebris:
A primeira fase da investigação foi deflagrada em 25 de janeiro. As investigações apontaram uma série de irregularidades no processo de contratação do Instituto Idheias para a realização do evento, o qual previa a ornamentação do canteiro central da Esplanada dos Ministérios e do Eixo Monumental, além da promoção de atividades culturais.
Confira imagens da instalação da estrutura:
A suspeita é de que a empresa, que detém formalmente a condição de Organização da Sociedade Civil, tenha sido utilizada como fachada, apenas para permitir a contratação sem licitação e, posteriormente, terceirizar quase na íntegra a execução dos serviços para companhias que lucraram com o contrato. Entre as empresas beneficiadas, estão a Mark Systems e a Primer Serviço de Comunicação e Eventos.
Esquema
De acordo com as apurações, entre 2020 e 2021, o empresário Marconi José de Souza Barros foi o responsável por sanar dúvidas do projeto de iluminação de Natal – proposta que seria, supostamente, do próprio Idheias. Ou seja, embora atue no setor de promoção de eventos com o objetivo de obter lucro, seja o proprietário da Mark Systems e tenha uma filha como dona da empresa Primer, Marconi foi qualificado como responsável pelo Brasília Iluminada do ano passado, mesmo não integrando o instituto formalmente contratado para prestar o serviço.
Com o projeto aprovado, o Idheias e Marconi contrataram a Primer, que pertence à filha do empresário, Marcela Pupe. Na prática, ela recebeu mais de 53% dos mais de R$ 9 milhões destinados ao evento no ano passado.
Outras pessoas da família Pupe foram contratadas para o Brasília Iluminada de 2020. Segundo as investigações, esse fato consiste em mais uma evidência de favorecimento de pessoas físicas e jurídicas vinculadas a Marconi.
Além de identificar esse possível direcionamento, o Gaeco destaca que a edição anterior do evento está cercada de indícios de superfaturamento dos serviços prestados e por falhas na prestação de contas. Tais irregularidades sugerem, inclusive, que o projeto não foi entregue nas condições previstas no contrato.
As suspeitas fizeram com que o Ministério Público de Contas do DF ingressasse com uma representação perante o Tribunal de Contas, com o intuito de auditar a contratação e reparar os prejuízos causados na primeira edição do evento.
O MPC, nesse trabalho, chegou a ressaltar que, em 2019, ainda sem o alastramento da pandemia no país, foram gastos pouco mais de R$ 2 milhões com ornamentação natalina e eventos. Já no curso da pandemia e com inúmeras restrições vigentes, no fim de 2020 e início de 2021 – quando o evento foi contratado pela primeira vez –, o gasto saltou para os mais de R$ 9 milhões.
Os promotores chamam a atenção para o fato de que esse esquema foi implementado na virada de 2020 para 2021 e, mesmo tendo sido alvo de questionamentos por parte do Ministério Público de Contas, ocorreu novamente nas festividades do fim de 2021 e início de 2022.
O então secretário André Clemente liderou a contratação e defendeu publicamente o evento. As investigações apontam, no entanto, que o ex-secretário já havia atuado informalmente como responsável pela primeira edição do evento, mesmo estando a contratação sob responsabilidade da Secretaria de Turismo.
Vizinhos
Para os promotores, havia interesse pessoal da Secretaria de Economia em tocar o projeto. As apurações revelaram outro fato que parece comprometer ainda mais a lisura do processo de contratação: André Clemente reside exatamente no mesmo bloco e na mesma prumada que o investigado Marconi José, no Setor Sudoeste, o que aponta para uma proximidade entre os dois e para o beneficiamento indevido das empresas da família Pupe.
O Ministério Público indica, ainda, que violando as determinações legais e regulamentares, o processo de contratação e o acompanhamento simultâneo dos gastos do evento de 2020 não foi disponibilizado na internet para que a população e os órgãos de controle fiscalizassem o trâmite.
A contratação ocorreu sem a observância de prazos e de exigências legais. Também foram reunidas provas de que a montagem das estruturas do Brasília Iluminada realizada entre 2021 e 2022 foram entregues fora do prazo estipulado.
Emendas parlamentares
De acordo com as investigações, existem indícios de irregularidades também na tramitação das emendas parlamentares que destinaram os recursos para a última edição do evento.
Uma semana após a aprovação do nome de André Clemente para o Tribunal de Contas do DF (TCDF), 17 deputados distritais decidiram remanejar recursos para o evento, cancelando o empenho de gastos com educação e outras ações prioritárias, no curso de um processo de votação acelerado e com a realização dos dois turnos de votação necessários em poucas horas.
“Honestidade e trabalho”
O governador Ibaneis Rocha (MDB) comentou, na manhã desta quarta-feira (2/2), sobre a operação de busca e apreensão no gabinete do conselheiro do TCDF e ex-secretário de Economia do Distrito Federal, André Clemente.
“Existe uma insistência muito grande do MPDFT no que diz respeito à questão do Brasília Iluminada. Já havia sido feita uma busca e apreensão, e essa segunda, eu não vi o documento. Pelo que me foi informado, também não haveria necessidade dessa busca”, pontuou Ibaneis.
“Eu confio no secretário André, sempre reforço a minha confiança no trabalho dele. Foi um secretário de grande honestidade e trabalho e que foi indicado para o Tribunal de Contas, exatamente por suas virtudes. A gente espera que haja uma apuração rápida para não ficar manchado o nome de uma pessoa que trabalhou durante mais de 30 anos para o Governo do Distrito Federal”, acrescentou.
A declaração ocorreu durante assinatura da ordem de serviço para reforma da rodoviária de Brazlândia nesta manhã.
O outro lado
Por meio de nota, o TCDF informou que fiscaliza o projeto de ornamentação desde agosto de 2021. Sobre as buscas no gabinete de Clemente, a Corte explicou que vai buscar informações junto ao Judiciário, “colaborar com as investigações, se colocar à disposição para eventuais esclarecimentos e continuar cumprindo seu dever legal de fiscalizar os gastos públicos distritais”.
Veja a nota na íntegra:
“Em relação ao Brasília Iluminada, o Tribunal de Contas do Distrito Federal esclarece que fiscaliza o projeto de ornamentação de fim de ano desde agosto de 2021 – por meio dos processos 8074/21 e 13466/21 -, ao analisar as representações protocoladas pelo Ministério Público junto ao TCDF.
A Corte verifica a ocorrência de supostas irregularidades na celebração e na execução do Termo de Fomento nº 21349/2021, firmado entre a Secretaria de Estado de Economia do DF – SEEC/DF e o Instituto de Desenvolvimento Humano, Empreendedorismo, Inovação e Assistência Social – IDHEIAS por meio do Processo 00600-00013466/2021-30.
Em janeiro, inclusive, o corpo técnico do TCDF fez visitas in loco às instalações do Brasília Iluminada no Eixo Monumental para verificar a conformidade da execução do contrato e, neste momento, os auditores do TCDF analisam a documentação relativa à contratação.
Em relação à Operação Tenebris, que envolve um membro da Corte, o Tribunal de Contas informa que vai buscar informações junto ao Judiciário, colaborar com as investigações, se colocar à disposição para eventuais esclarecimentos e continuar cumprindo seu dever legal de fiscalizar os gastos públicos distritais.
O TCDF também lembra que um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito e da Constituição Federal é a presunção de inocência. Diante disso, o TCDF aguarda o andamento das investigações e o posicionamento da Justiça.”