CLDF: comissão aciona Polícia Civil após suposto racismo de advogados
Comissão de Direitos Humanos solicitou a averiguação dos fatos apresentados no grupo de WhatsApp e a punição no caso de comprovação
atualizado
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A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa (CLDF) acionou a direção-geral da Polícia Civil (PCDF) para que investigue o caso sobre um possível caso de racismo dentro de grupo de WhatsApp integrado por advogados do Distrito Federal. O caso foi revelado pelo Metrópoles.
O documento é assinado pelo presidente do colegiado, deputado distrital Fábio Felix (PSol), e é direcionado ao delegado-geral da corporação, Robson Cândido. Após a divulgação do episódio, a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) abriu um processo no Tribunal de Ética e Disciplinar da instituição.
“O episódio, apresentado em reportagem jornalística, identifica que, após anunciar vaga para estagiário afrodescendente, em dois grupos de Whatsapp formados por advogados, houve participantes que ‘fizeram piadas, postaram frases de duplo sentido e enviaram emojis discriminatórios'”, registrou Felix.
O distrital solicita a averiguação dos fatos apresentados e, “comprovado o viés racista das mensagens, a tomada das providências cabíveis para a responsabilização dos envolvidos”, reforçou.
Entenda o caso
A iniciativa de um escritório de advocacia de Brasília em abrir seleção para contratar estagiários negros foi recebida com deboche por um grupo de bacharéis em direito. No WhatsApp, alguns deles trocaram mensagens zombando da ação.
O texto do escritório Telesca e Advogados Associados, com a chamada “Vaga de Estágio para Afrodescendente”, mal foi enviado e os comentários contrários à iniciativa começaram. Veja o anúncio:
Em dois grupos formados por integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a seleção foi duramente criticada. Alguns, inclusive, fizeram piadas, postaram frases de duplo sentido e enviaram emojis discriminatórios.
O Metrópoles teve acesso ao conteúdo vazado do grupo. Um deles, Yure Gagarin, usou expressões como “racismo contra branco” e “vou chamar meu primo macaco para preencher a vaga” ao comentar a intenção do escritório em dar oportunidade para jovens estudantes negros. Em outro momento, um defensor chegou a postar hashtag #forapreconcietobranco. Veja abaixo:
A divulgação gerou questionamentos sobre por que o escritório estava “excluindo as pessoas brancas da seleção”. Um dos integrantes do grupo chegou a citar que “grande parte da população” estava sendo impedida de participar do processo. “Acho lindo o racismo contra branco”, completou.
Uma advogada loira, identificada como Lisbeth Bastos, ironizou: “Então posso mandar meu CV. Já fui muito discriminada por Deus ter me feito linda”. Yure Gagarin, responde, então, com figurinha de integrantes do famoso “meme do caixão”, sugerindo que seriam os novos estagiários do escritório. Quem interage com ele durante o deboche é outro advogado da cidade, Renato Denis.
Inclusão
Após receber os prints das conversas, a reportagem do Metrópoles entrou em contato com o proprietário do escritório que ofertou a vaga de estágio para negros. O advogado Max Telesca afirmou ter tido a ideia como uma medida afirmativa.
“Foram falas revoltantes. As pessoas ainda não entenderam o racismo e o racismo estrutural. A nossa ideia é fazer uma ação inclusiva e afirmativa. Jamais pensei que algo tão sério fosse tratado com um nível tão baixo. Perderam a noção, ou melhor, acho que nunca tiveram” revoltou-se.
À reportagem, o presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-DF, Antonio Alberto do Vale Cerqueira, afirmou que o colegiado é responsável pela fiscalização dos aproximadamente 67 mil advogados inscritos na Ordem.
“Seguindo a política inclusiva da OAB-DF, [o tribunal] entende como intoleráveis atos de preconceito, ainda mais aqueles galgados no racismo estrutural, que vão contra os ideais inclusivos que devem nortear quaisquer políticas públicas”, disse.
De acordo com Antonio Alberto, o tribunal “tem como dever de ofício apurar máculas às condutas éticas” que devem ser seguidas pela advocacia, nos termos da lei do Código de Ética e Disciplina que regula as atividades da categoria profissional.
“Já determinamos a abertura de processo investigativo para apuração e eventual responsabilização dos envolvidos, sejam inscritos na ordem para estágio, sejam já atuantes na advocacia”, reforçou.
“Uma vez comprovadas declarações preconceituosas e de cunho racista em grupos de advogados, praticadas por aqueles afetos à jurisdição do TED, elas certamente serão punidas de forma exemplar e em obediência à legislação pertinente”, concluiu.
O que dizem os citados
Ao Metrópoles, Gagarin afirmou que todas as mensagens são montagem e negou ter feito os comentários no grupo. “Fui apenas espectador. Vi os comentários, estou nos grupos, mas não digitei nada disso. Meu avô é negro, minha avó também, tenho descendência negra e jamais faria esse tipo de comentário. Vou à polícia denunciar a fake news contra mim”, alegou.
Já Renato Denis confirmou a autoria as mensagens nos grupos. O advogado disse que os grupos são destinados “à descontração entre os amigos da OAB”. “O grupo não reflete o que eu penso. Não é nada para ser levado a sério. Em momento nenhum entrei no mérito de racismo. Não emito valor sobre isso. Ali estava brincando, como várias outras brincadeiras que acontecem lá”, disse.
A advogada loira que disse ter sofrido “discriminação por ser linda” é Lisbeth Bastos. Ela não foi localizada pela reportagem para comentar o caso. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.