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Quando a ficção entra na roda

Cada vez mais comuns, clubes de leitura recuperam poder de agendamento e de aglomeração em torno da literatura em prosa

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Young women in a book club
1 de 1 Young women in a book club - Foto: iStock

Tive a oportunidade de acompanhar bem de perto o encontro de um clube de leitores. Pouco acostumado a compartilhar leituras presencialmente, reticente a grupos, fui seduzido pela surpresa de ver um romance examinado de corpo e alma.

Nessa posição de voyeur (não tinha lido a obra em questão), atestei personagens sendo dissecados em seus humores, suas escolhas, sabedorias e tolices. Senti como a ficção torna-se realidade – antes, além e colada na experiência estética.

O Tzvetan Todorov de A Literatura Em Perigo teria ficado aliviado: o mal da teoria absoluta estava distante daqueles leitores comuns, pessoas que não fazem da literatura profissão (chata). Não estão à procura de estruturas, gêneros, discursos, narrativas.

Na ampla roda, o livro foi examinado no que dizia respeito sobretudo a seus personagens, principais e secundários, a partir do narrador-protagonista. O leitor criticou, lamentou, quis a morte de fulaninha, desejou melhor destino a sicraninho. Amou, odiou.

A literatura se aproximou da vida de cada um para fazer sentido, vários sentidos. Não foi objeto de prova de concurso, não se deu como obrigação. Pelo contrário: o prazer do encontro com a textura do texto determinou a comunhão desierarquizada entre os presentes.

Um amigo escritor já havia constatado essa face feliz do artefato literário. “Os livros vivem nos clubes.” Convidado a falar sobre seu romance de estreia em grupo similar, percebeu na pele de autor como a literatura é chamada a fazer parte da identidade de cada um.

Os clubes de leitores são fenômeno fascinante em tempos de isolamento virtual. É grande a tentação de dizer, em tom de obviedade, que são respostas à solidão das redes sociais. A associação para ler retoma, no mínimo, um modo de concentração, de olho no que pode ser dito para outros.

Fico curioso em torno da ideia de curadoria: como os livros são escolhidos? Fico atento à noção de crítica: alguém está autorizado a dar a “última” palavra? Espanto-me com a disposição para o encontro um tanto inusitado: não há outra atividade mais divertida?

No final do ano passado, um tradicional clube de leitoras pouco tradicionais me convidou para encerrar as atividades do ano. Adorei participar (me convoquem de novo!). Foi chance de acolhimento gratificante, proporcionada por quem lê sem interesse exclusivamente privado.

Não me entendam mal: a gratuidade e o desinteresse são uma dádiva. Faltam no Brasil leitores que não façam parte do mundinho das letras, muitas vezes enjoativo. Excelente descobrir essas aglomerações compostas por gente que gosta mesmo de ler.

Nessa volta a uma esfera pública literária, homens e mulheres se debruçam para argumentar em torno de prosa. Ainda não me deparei com agremiações de poesia, talvez reservada aos saraus. E com poemas, convenhamos, a conversa arrisca-se a embate.

Me parece sobretudo que essa prosa sobre literatura tira certo ranço de pedantismo caro a grande parte da crítica universitária e jornalística, traz a palavra a uma verticalidade ao rés-do-chão, arranca o significado do lugar fixo de correntes de pensamento hegemônicas.

É bom saber que a literatura ainda se torna ação e reação (entre velhos e novos amigos). Ainda que não propícia a todos os tipos de leitores, a resenha literária festiva, feita em casas e cafés, tem oferecido algum tipo de esperança. Que seja real enquanto dure o tempo delicioso da ficção.

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