Ninguém precisa acreditar na crítica
Mais recente livro do mexicano Juan Pablo Villalobos, Ninguém Precisa Acreditar em Mim coloca leitor no lugar das personagens
atualizado
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Já pensando na listinha do que ler nas férias? Eis uma primeira dica, para rir e entristecer em alta velocidade. Porque é muito incrível este romance de Juan Pablo Villalobos lançado recentemente por aqui: Ninguém Precisa Acreditar em Mim (Companhia das Letras, em tradução de Sérgio Molina).
Em 2016, o livro do autor mexicano levou o prêmio Herralde, galardão concedido pela editora espanhola Anagrama que costuma acertar nas escolhas. Os Detetives Selvagens (Roberto Bolaño), O Mal de Montano (Enrique Vila-Matas) e O Passado (Alan Pauls) estão entre os vencedores. Tá bom pra você, caro leitor, cara leitora?
Villalobos tem uma mão que ouve muito bem a oralidade das personagens e suas matrizes culturais. Aqui, o jogo com os gêneros coloca o leitor no lugar das personagens, fala diretamente com a gente. Viramos ficção. Daí a sensação inevitável de estar dentro do texto, na pele dos que vivem essa história tresloucada.
Narrativa epistolar, diários, romance policial, autobiografia. E muito riso na obra cujo protagonista se chama Juan Pablo Villalobos, mexicano deslocado para fazer uma tese de doutorado em Barcelona, na Espanha. Villalobos, o autor, encontrou um jeito de falar sobre ficção literária com graça, sem pedantismo.
Juan Pablo, a personagem (muitas vezes, mas nem sempre narrador), se vê tragado por tramas de violência e corrupção, por conta de uma relação familiar de estirpe bem latino-americana. A percepção literária de um estudante, distanciada e desinteressada do poder, entra em choque com a realidade.
O primo, a mãe e a namorada são cultura e casa. México profundo, enraizado. De lá, chegam notícias por escrito, em forma de cartas ou confissões. Em outra geografia, o surrealismo ataca o narrador Juan Pablo de várias maneiras, inclusive na epiderme, no corpo que sente quando algo está fora da ordem “natural”.
Ninguém Precisa Acreditar em Mim tirou Villalobos da sua trilogia mexicana, iniciada em 2010 com o espetacular Festa no Covil. Agora o país de origem muda de cenário. E o autor está sempre a testar como a comédia pode adaptar-se, transmutar-se, traduzir-se em tragédia na Europa velha de guerra.
Pelo romance transitam argentinos, brasileiros, italianos, paquistaneses – na dose certa para captar vozes incorporadas em vida nada fácil numa cidade apenas aparentemente gentil. O ritmo do texto de Villalobos nunca é pouco urgente.
Nada do que está escrito aqui, porém, reproduz de fato o que o leitor encontrará no romance, porque o mais impressionante no que escreve Juan Pablo Villalobos é essa atmosfera quase delirante de palavra risonha que saca tudo sem precisar se entregar a devaneios intelectuais ou demonstrações de genialidade literária.
Deve ser algo intrinsecamente mexicano, que tenta ser compreendido em cenas dos primeiros filmes de González Iñarritu, em trechos de Octavio Paz, em algum capítulo de A Usurpadora, no som nervoso da banda Molotov. Em Barcelona, sem querer querendo, Villalobos amplia o repertório desse além-mundo.
Disse lá no começo que o livro era incrível. Foi o primeiro adjetivo que veio à cabeça, talvez incentivado pelo título-frase propositalmente duvidoso. Sim, paradoxo. Pode-se pensar nele como algo “crível”, em que se pode acreditar. Ou é possível tomá-lo como algo “inacreditável” de tão bacana. Inimaginável.
Sobre o talento do escritor ninguém tem dúvida. Sua gentileza, tive a chance de conhecer. Casado com uma brasileira e tendo vivido em Campinas durante sete anos, deixou o seguinte e sintomático autógrafo para este colunista: “Um prazer poder partilhar outro livro desse planeta distante chamado México. Se vivêssemos em um lugar normal, Niemeyer já estaria morto”.
Isso foi em agosto de 2012. Estávamos em Brasília. Oscar Niemeyer morreria em dezembro daquele ano. Em itálico acima, o título de seu segundo romance. E por tudo isso, pela estranheza das cidades, pela eventual promiscuidade da proximidade, ninguém precisa, é claro, acreditar no colunista.