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Não perca os dois romances deliciosos de Martha Batalha

A escritora pernambucana é autora dos livros A Vida Invisível de Eurídice Gusmão e Nunca Houve um Castelo

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Jorge Luna/Divulgação
Martha Batalha
1 de 1 Martha Batalha - Foto: Jorge Luna/Divulgação

Descobri A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (Companhia das Letras, 192 páginas) com certo atraso. Amigos e amigas, leitores de respeito, já haviam dado a dica sobre o aparecimento de uma narradora especial. E o adjetivo que acompanhava os relatos para definir o romance era “delicioso”. Ou “gostoso” de ler. Sim, pode-se falar assim de literatura, com e sem assombração.

No caso da escritora Martha Batalha, a simplicidade trabalha a serviço das histórias de personagens ao estilo Reader’s Digest: tipos inesquecíveis. Estamos no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950 ao lado das irmãs Guida e Eurídice, para mergulhar em dramas familiares de classe média e entremear os indivíduos à história maior, inclusive com a presença de gente “visível”, famosa, reconhecível.

Lançado em 2016, o romance de estreia encontrou respaldo nas mãos do dito leitor comum e no interesse de editoras de todo o mundo. A autora tijucana, nascida em Pernambuco, voltou à carga este ano com Nunca Houve um Castelo (Companhia das Letras, 256 páginas). O cenário é mais uma vez o Rio e seus bairros marcados por colonizações e modos específicos de sobrevivência, do começo do século 20 até tempos bem recentes.

O livro narra a saga dos Jansson, suecos que construíram um castelo em Ipanema, de frente para o mar. Na segunda parte, o romance escapa bastante do tom de fábula – sempre em torno de um núcleo familiar (laços de sangue e semelhanças de identidade) –, para ser mais realista e fazer jus aos anos duros da ditadura militar, que há muito não precisam mais de óculos alegóricos. Pleonásticos, quem sabe.

Reprodução
A Vida Invisível de Eurídice Gusmão

De modo geral, a prosa de Batalha esbanja bom humor, numa visão de mundo baseada no tom da crônica, passeando entre fatos e ficções, dando conta dos hábitos da cidade. Parece que as histórias foram feitas à perfeição para serem encaixadas ali, no prazer do comentário irônico, na percepção das dores e dos prazeres de viver. É curioso ver a intenção épica respirar por frestas do cotidiano da luta por ascensão social. Sai da frente que atrás vem gente.

A exceção a essa leveza é justamente a parte final de Nunca Houve um Castelo, quando o texto encontra o país melancólico atual e a autora mostra versatilidade narrativa. Às vezes, sinto falta literal de vírgulas, tamanho o desprendimento das frases, que não se comportam de modo a guardar dúvidas ou mistérios. Nenhuma Capitu. De Machado de Assis, as ruas e avenidas. Dele também, um retrato de época. Já a adesão antimachadiana a uma mistificação típica de parte da literatura brasileira renasce encorpada pela distância inteligente da memória.

Em mais de um sentido, esses dois primeiros livros de Martha Batalha estão fora de uma ordem contemporânea. Recuperam o processo de engenharia cultural da urbe-nação e não falam do eu da autora (apesar de sempre apontarem algo sobre isso). Isso, obviamente, dá um tremendo alívio para quem anda cansado de infinitas viagens umbilicais, de intermináveis círculos egocêntricos.

Nessa vibe démodé, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão e Nunca Houve um Castelo deixam de aplacar todas as ânsias ideológicas, para desespero de quem procura apenas conforto moral e retórico na literatura, como se ela fosse capaz de redenção. O desejo aparece aqui para os que ainda estão dispostos a fazer viagem estética na companhia de uma narradora poderosa, capaz de compreender em profundidade as dúvidas e angústias de suas personagens.

Reprodução
Nunca Houve um Castelo

 

E não é que temas do momento não estejam presentes nas duas obras. Pelo contrário. Machismo, feminismo e homossexualidade, por exemplo, fazem parte do que Batalha oferece para debate. Mas estão por dentro, entranhadas na constituição real das pessoas ficcionais, com as contradições que inquietam corpos e mentes inseridos numa sociedade em processo de amadurecimento, no lugar que deveria ser a vanguarda do país.

A cidade do Rio de Janeiro está lá fora. Dentro da casa carioca, onde a ficção de Martha Batalha ganha sua maior potência, há manias e maluquices, traições e tormentas. Em breves espaços entre cor e sombra, desenrola-se grande parte da trajetória de mulheres que, afinal, escrevem seus destinos. No percurso da escrita, a vida se torna visível e o castelo imaginário se ergue, para delícia e gostosura de um número cada vez maior de leitores.

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