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Matadouro-Cinco está vivíssimo aos 50 anos

Obra-prima do norte-americano Kurt Vonnegut Jr. sobre a guerra e suas consequências no cotidiano ganha nova edição brasileira

atualizado

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Matadouro-Cinco, de Kurt Vonnegut Jr., tem um título alternativo: A cruzada das crianças – Uma dança compulsória com a morte. A conjunção disjuntiva “ou” está lá para isto mesmo: criar outra possibilidade de entrada na obra central e no universo ficcional muito peculiar desse escritor “teuto-americano de quarta geração”. O livro acaba de completar 50 anos. Ganhou reedição no Brasil pela Intrínseca, com tradução de Daniel Pellizzari.

O escritor Antônio Xerxenesky conclui o prefácio com a constatação de que, “ao usar uma linguagem tão enganosamente simples para expor o absurdo da guerra, em tudo que esta tem de desumano, caótico, aleatório, Kurt Vonnegut Jr. consegue dizer isso e muito mais”. Travada obrigatoriamente por jovens com caras de bebês, a guerra é o encontro corpo a corpo com morte. Para o leitor, o convite se dá no balanço entre o fácil e o fóssil.

Primeiro, porque a linguagem nunca é entrave nesta ficção científica que parte da experiência pessoal de Vonnegut na Segunda Guerra e, em particular, no bombardeio que matou 130 mil pessoas na cidade de Dresden, na Alemanha. Ele estava lá, prisioneiro “protegido” no matadouro de número cinco. Mesmo com experimentações estruturais, a obra tornou-se um best-seller contracultural pacifista. Mantém até hoje vigor na fluência comunicativa.

A aglomeração de corpos – restos humanos da batalha – entra para reduzir o efeito da comicidade do texto de Vonnegut. Matadouro-Cinco é um romance engraçado e triste que se pergunta o tempo todo sobre a possibilidade de falar da guerra, com direito a interferências do narrador. O protagonista Billy Pilgrim viaja na imaginação do tempo e do espaço. O leitor entra na dele como quem veste roupa inapropriada para o combate, numa espécie de morte renascida.

O autor traz de volta o planeta Tralfamadore, definido por Malcolm Bradbury como “em parte uma localização patológica, em parte um lugar que abre as portas para um conhecimento alternativo”. A ficção científica serve para pensar possibilidades de escape aos horrores perpetrados pelos humanos. Uma das personagens diz a certa altura que o romance Os irmãos Karamázov já não basta para “tudo o que se pode saber a respeito da vida”.

A insuficiência de Dostoiévski transforma-se aqui nesse transitar do realismo a um admirável mundo novo pós-moderno em que a literatura seria capaz de reinventar o indivíduo e a sociedade, a partir de uma autoconsciência narrativa delirante. A história ganha a ficção que lhe cabe a partir da imaginação de um autor com nome e identidade. Os extraterrestres tralfamadorianos amam em seus livros “a profundidade de muitos momentos maravilhosos, vistos todos de uma só vez”.

É essa sensação de completude alquebrada que este clássico contemporâneo ainda nos oferece em 2019. Não à toa, Matadouro-Cinco está no cânone da literatura norte-americana do século 20 e em todas as listas dos 500 ou 1.001 livros que você deve ler antes de morrer. Billy Pilgrim, o animado personagem de uma cruzada da insensatez, parece o companheiro ideal para não enlouquecermos todos no abatedouro de humanidade estabelecido pela guerra.

Pilgrim gosta da literatura de Kilgore Trout, difícil e desconhecido escritor de ficção científica inventado por Kurt Vonnegut. Adora as histórias que Trout inventa, mais do que a forma como escreve, pouco afeita ao gosto do mercado. Gosta da narrativa que dispara a imaginação rumo ao desconhecido. Adora ser um dos raríssimos fãs. Gosta de ler o que se encaixa nas suas alucinações nada bem-comportadas. Leitor comum, sobrevivente. É assim mesmo.

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