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Contos de Emilio Fraia estão soltos no tempo

Em Sebastopol, o autor aborda a forma como narramos nossa própria vida

atualizado

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Sebastopol (Alfaguara), de Emilio Fraia, é sobre modos de narrar. Ou melhor, sobre como narramos nossas próprias vidas e sobre quem escolhemos para dividirmos a narração da nossa trajetória. São três contos: “Dezembro”, “Maio”, “Agosto”. É o tempo que passa por nós, mês a mês, quase sem querer.

Sebastopol é esse lugar russo, estranho, distante, que não conhecemos por experiência direta. Espaço literário onde tudo se mistura. Vivemos dentro de histórias. A narradora do último conto diz, em meia verdade, que “todas as histórias no fundo eram histórias esquisitas em que não acontece nada”.

Nesse jogo entre causa-e-consequência, o paulista Fraia encontra seu caminho. Algo ocorre para mudar o rumo da vida de alguém. E esse alguém vai se deparar com o passado reencontrado em forma de narrativa. Num vídeo, numa peça de teatro. Ou na busca inútil, dentro da piscina, por um desaparecido.

A alpinista de sucesso encontra o desastre, o dono da pousada encara o fracasso, a escritora e o diretor de teatro contemplam o nada. A habilidade de Fraia nesta estreia solo é entrelaçar pontos de vista em continuidade irrepreensível. O leitor não sente as viradas, porque sutis. Algo segue adiante.

E afeta o presente da narrativa. Não sabemos exatamente o quê. É aí que a literatura se parece com a vida: vamos contando histórias e tentando descobrir de onde viemos, onde estamos, para onde vamos. Sebastopol trata dessa existência no decorrer do tempo, no derramar dos “acontecimentos”.

Reprodução

 

Há semelhanças no desenrolar do novelo dos três textos, que conversam indiretamente. “A mesma história para nós, nascidos nesse canto do mundo, a mesma história para vocês, a história de sempre, um buraco maior e mais escuro logo adiante.” No Brasil, no Himalaia, no Peru, na Rússia.

No meio do caminho, esse elemento estrangeiro serve para desestabilizar o discurso. No primeiro conto, o gelo mortífero do Nepal. No segundo, o pó sufocante de Lima. No terceiro, a cidade encenada em qualquer lugar. As histórias cruzam fronteiras como quem diz: você, leitor, não é mais de nação alguma.

O jeito de escrever me levou à metalinguagem de Sérgio Sant’Anna e à limpidez de Rodrigo Lacerda. Parece haver algo de Don DeLillo, entre vigília e sonho filmado, entre casa e espetáculo. E é claro que memória e esquecimento não poderiam faltar se perguntamos sobre o sentido de um dia após o outro.

Os contos de Emilio Fraia compõem uma bela quase-estreia. Ele, que nasceu em 1982, estava na lista sintomática dos “melhores jovens escritores brasileiros” da revista Granta, de 2012. Há dez anos, dividiu a autoria do romance O verão do Chibo com Vanessa Barbara. Tem também uma graphic novel no currículo.

Entre acidentes e incidentes, Sebastopol convida o leitor a compartilhar um clima um tantinho desagradável, bom de ser lido enquanto a chuva não dá trégua lá fora, enquanto as relações pessoais ganham contornos inesperados. Não é obra feliz. É marcha do tempo humano que mira sem arroubos poéticos.

A palavra é direta, longe de contornos barrocos. Os contos são de releitura na simplicidade porque conversam com o leitor por meio de significados que surgem de maneira associativa. A gente dispara o cronômetro sem pressa de chegar ao topo, sem vontade de vender a propriedade, sem anseio por plateia.

Sobretudo, vamos sem verão. Como se fosse possível pular uma estação.

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