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A suprema necessidade da verdade

Crítica literária Michiko Kakutani mostra como as democracias precisam voltar a falar de forma objetiva sobre os fatos

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Astrid Stawiarz/Getty Images for Tribeca Film Festival
TDI Awards – 2018 Tribeca Film Festival
1 de 1 TDI Awards – 2018 Tribeca Film Festival - Foto: Astrid Stawiarz/Getty Images for Tribeca Film Festival

A Morte da Verdade, de Michiko Kakutani, apresenta “notas sobre a mentira na era Trump”. Lançado aqui no final do ano passado, parece mais do que atual: necessário. Está dedicado aos “jornalistas em todo o mundo que trabalham para noticiar os fatos”. Em dias de ridícula censura suprema, recomenda-se a leitura.

Crítica literária do jornal The New York Times por quase 40 anos, Kakutani traça um painel alarmante sobre a circulação de fake news e mentiras de toda sorte. A sinceridade deu lugar à falsidade. O bom senso e o senso comum foram substituídos por formas de “ataque”, impulsionadas por extremo relativismo.

Parte da culpa, aponta Kakutani, está na popularização do desconstrucionismo, responsável por eliminar qualquer objetividade, ao sugerir “que a razão é um valor ultrapassado, que a linguagem não é uma ferramenta de comunicação, mas uma interface instável e enganosa que está constantemente subvertendo a si mesma”.

Além de uma base de dados bem amarrada, a autora recorre a exemplos literários. Dentre eles, David Foster Wallace. O autor de Graça Infinita previu o domínio público da ironia e do sarcasmo. Não mais a proposta inicial de destruição da hipocrisia, mas a normalização do cinismo como estratégia discursiva.

A Morte da Verdade toma os Estados Unidos como cenário primeiro. O mundo vem a reboque, influenciado e influenciando um ambiente já dominado pelo caos das polarizações ideológicas, dos embates radicais, das “bolhas e tribos” que dividem os indivíduos com o intuito de exterminar o diálogo.

Essa confusão tem fundo autoritário. A militância passa a ser mais importante do que a moral. Importam pouco as informações corretas, devidamente apuradas e checadas. A trolagem midiática quer ver o circo pegar fogo, quer transformar a metáfora em tática, “para cansar e deixar todos exaustos”.

Informação demais ou nenhuma informação? Admirável Mundo Novo ou 1984? Huxley ou Orwell? A era digital, diz Kakutani, transforma “uma enxurrada de informações errôneas e desinformação” em propaganda que convida à resignação, à impotência, ao niilismo. Já que é assim mesmo, deixa rolar.

A deslegitimação da imprensa torna-se corriqueira, proposital. Quando a instabilidade vem dos poderes instituídos na sociedade supostamente democrática, a coisa fica ainda mais feia. Se até o ministro é um troll, resta-nos lutar contra a dissimulação, a favor de uma possível verdade objetiva.

O argumento central de Michiko Kakutani é esse. Está passando da hora de parar de dizer que tudo é narrativa, como se tudo fosse ficção. Menos entretenimento, mais seriedade. Precisamos voltar a compartilhar uma linguagem consensual sobre a realidade para chegar a valores objetivos comuns.

Escreve a autora no Epílogo: “Não existe uma solução fácil, mas é essencial que os cidadãos questionem o cinismo e a resignação dos quais os autocratas e os políticos sedentos por poder dependem para subverter a resistência”. Cidadãos de “esquerda” deveriam se manifestar contra a censura a um veículo de “direita”, e vice-versa.

Estão em risco os pilares da democracia, de base norte-americana: os três poderes, educação e uma imprensa livre e independente. Os jornalistas de verdade precisam sobreviver. Os jornalistas dos fatos são imprescindíveis. Verdade e fatos estão colados ao substantivo próprio e plural. Liberdade é expressão real.

E a linguagem faz sentido, a partir de um debate racional. “Sem verdade, a democracia é tolhida”, escreve Kakutani. Na capa, uma serpente invade o balãozinho da fala de um personagem oculto, anônimo, todo e qualquer. A víbora toma espaço e ameaça por dentro. O desenho não tem a menor graça.

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