Vinho e queijo mais baratos: acordo Mercosul-UE anima casas do DF
Cena local vê com bons olhos a redução tarifária. No entanto, produtores temem concorrência sem apoio do governo
atualizado
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O acordo de livre-comércio firmado entre o Mercosul e a União Europeia pode soar como um papo chato e sem sabor. Mas isso é só na aparência, afinal, o fromage francês e os vinhos italianos agora devem chegar a um custo mais baixo no país. Enquanto consumidores soltam fogos e celebram a novidade, produtores têm um olhar desconfiado. Porém, no compto geral, a cena gastronômica do Distrito Federal celebra a maior circulação de mercadorias do Velho Mundo por estas bandas.
No caso dos vinhos e espumantes, por exemplo, a taxa atual de importação é de 27%. Em destilados, o imposto de importação fica entre 20% e 35%. Ainda não foi divulgada uma lista completa dos produtos que foram incluídos no acordo, porém, segundo o próprio governo, 91% dos itens do comércio bilateral entre os blocos entraram na tarifa zero. Assim, é grande a expectativa de que os alimentos passem a não ser tarifados, reduzindo custos para empresários e consumidores.
Mercado local
O movimento é visto com bons olhos por empresários da área de gastronomia no Distrito Federal. Conhecido por ter uma das principais adegas da cidade, o chef Francisco Ansiliero aprova as mudanças. “O livre-comércio é dinâmico e precisamos estar preparados para ele. Alguns não vão resistir e outros conseguirão prosperar. Na área da alimentação, eu vejo como positivo, pois vamos ter acesso a produtos de grande qualidade com preços mais acessíveis. Esse movimento fará o mercado local se movimentar em busca de incentivos [junto ao governo] e na melhoria da qualidade”, opina o experiente cozinheiro e restaurateur.
Na mesma linha, Pedro Capozzi, presidente da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal do Distrito Federal (Abracerva-DF), vê com bons olhos a chegada de mais produtos estrangeiros na gastronomia brasileira e brasiliense. “De modo geral, enxergo benefícios. A competitividade com produtos europeus tende a elevar o nível do serviço local e a briga por melhores condições internas. Para indústrias de transformação também temos como fator positivo a diminuição de preço de insumos de produção”, acredita. No caso da cerveja, por exemplo, o maior exportador de lúpulo do mundo é a Alemanha.
Na sua casa, atualmente, Francisco vende mais rótulos chilenos, argentinos e uruguaios – que, por pertencerem ao Mercosul, chegam ao país com preços competitivos. Com a mudança propiciada pelo acordo, acredita o chef e empresário, rótulos europeus passarão a ser mais consumidos. “Vai movimentar o pessoal e pode até promover mudanças na legislação tributária sobre as bebidas”, torce.
Verdadeira garimpadora de queijos artesanais brasileiros, Rosanna Tarsitano, dona da Tarsitano Sabor de Origem, entende que os preços dos produtos importados vão ter forte queda, estimulando o comércio. “Para o consumidor, é ótimo. Vai baratear com certeza”.
“[Com a redução tarifária] vamos conseguir democratizar mais essa bebida que vem caindo no gosto do brasileiro a cada dia. Tentamos já mesmo com as dificuldades atuais trabalhar com preços mais honestos, mas agora sem dúvida será ainda melhor, no final todos vão ganhar e muito, principalmente o cliente final”, defende Ariela Lana, do IVV Swine Bar.
Tarifa zero
Atualmente, no Brasil, os vinhos são taxados como bebidas alcoólicas. Em outros países, sobretudo os grandes produtores, vinhos ganham tributação de alimento, o que gera um preço mais competitivo. Assim como Francisco, Guto Jabour, da importadora GB Vinhos, acha que o acordo dará “um empurrão” nas mudanças na regulação do setor e no fortalecimento de políticas públicas.
“Acho que pode estimular o país a mudar a forma como se tributa o vinho, podendo reduzir os custos para as importadoras e produtores. E tornará a bebida mais competitiva por aqui”, diz Jabour. Para ele, o acordo entre União Europeia e Mercosul gerará uma economia real para o consumidor final na casa de 15%. “É uma boa medida, vai aumentar a quantidade de rótulos em circulação no Brasil. Agora, precisamos criar uma educação na população sobre a bebida, estimular o consumo consciente”, conclui.
Efeitos a longo prazo
Apesar da excitação de todos em comprar produtos europeus mais baratos, Guto Jabour lembra: os efeitos não são imediatos. O acordo prevê regras de transição e tem todo um processo de tramitação. Elisa Ribeiro Pinchemel, advogada internacional e professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), explica que ainda há um caminho até o “desconto” chegar às prateleiras de supermercados e restaurantes.
“Agora, caso siga o procedimento normal, o acordo precisa ser referendado pelo parlamento dos 28 países da União Europeia e dos quatro países negociantes do Mercosul. Alguns analistas têm apontado, numa visão mais otimista, dois anos de tramitação. Além disso, os documentos até então divulgados indicam regras de transição de até 10 anos para zerar as tarifas”, fala a especialista em comércio exterior.
Segundo Rosanna Tarsitano, num primeiro momento, o setor artesanal vai sofrer um forte baque – que também será sentido no meio industrial. No entanto, ela vê frutos positivos na medida.
“[A longo prazo] acredito em um espaço de crescimento, com a possibilidade de o produtor correr atrás, aumentar a qualidade, evoluir nas práticas sanitárias. Isso forçará também o governo a dar apoio aos fabricantes artesanais. Atualmente, nem conseguimos registrar os produtos”, comenta. “A turma vai ter que pular miúdo”, sintetiza Francisco.
Mudanças na legislação
Para colher os efeitos da produção, produtores e comerciantes acreditam que seria necessário um pacote de incentivos. Desde a assinatura do acordo, na última sexta-feria (28/06/2019), o governo tem sinalizado em ações nesse sentido, mesmo sem especificar as medidas.
“A redução na tarifa de importação é importante, mas, ao menos na minha opinião, a maior mudança deveria vir na questão do ICMS, que é estadual. Isso reduziria consideravelmente o valor para o consumidor final”, argumenta Jabour.
O presidente do Instituto Brasileiro do Vinho, Oscar Ló, questiona a política tributária brasileira e aponta outros caminhos. “Os produtos locais somente serão competitivos se tiverem subsídio. Na Europa, os apoios governamentais à produção agrícola chegam a cifras de 1 bilhão de euros por ano. Precisamos de algo similar”, demanda.
Ló sugere, por exemplo, que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que pode chegar a 20% do valor de um vinho, seja utilizado na criação de um fundo destinado a criar políticas de incentivo à produção vinícola.
“O consumidor vai ter acesso a mais opções de produtos importados. Por isso, o setor produtivo nacional quer condições iguais, porque nossa carga tributária é altíssima e atravanca a produção de vinho”, encerra.
Expectativa
O Ministério da Economia estimou que o acordo vai gerar um incremento de R$ 87,5 bilhões no PIB brasileiro em 15 anos, podendo chegar a 125 bilhões – considerando-se a redução das barreiras não-tarifárias e o incrementos na produção local. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, seria da ordem de US$ 113 bilhões.
“Não é um acordo só de tarifas, vai impactar na parte não-tarifaria, facilitando o comércio. Por exemplo, na questão das regras sanitárias, que serão padronizadas para as negociações entre os países, destravando negociações. Tendo a ver de forma positiva: quando se tem um acordo dessa monta, mesmo que a indústria tenha dificuldades iniciais, após o tempo de adequação, o país se beneficia”, pontua Elisa Ribeiro Pinchemel.