Conheça mulheres que estão revolucionando a gastronomia de Brasília
No Dia Internacional da Mulher, o Metrópoles apresenta os nomes de Brasília que estão se destacando na gastronomia
atualizado
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O caminho entre a mulher e a cozinha de casa está livre. No mercado gastronômico, porém, a história é outra. No Brasil, 7% dos endereços renomados têm comando feminino, de acordo com o site especializado Chef’s Pencil. São poucas, mas juntas elas fazem barulho (na verdade, um panelaço). Em Brasília, cada vez mais refeições e drinques de qualidade chegam às mesas pelas mãos delas.
Um estudo publicado em 2017 na revista científica Estudos Feministas analisou que as mulheres enfrentam diversos desafios, como a desvalorização de sua experiência e conhecimento, o assédio, a discriminação de gênero e a dificuldade de conciliar a vida profissional e pessoal. Também destacou, por sua vez, a importância da presença e do reconhecimento dessas mulheres no mercado gastronômico, especialmente no que diz respeito à diversificação e inovação da gastronomia brasileira.
No Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta quarta-feira (8/3), o Metrópoles conta a história de alguns dos nomes que estão se sobressaindo cada vez mais no setor. Um deles é o de Roberta Azevedo. Nascida e criada em Brasília, ela trabalhava com moda, mas teve o primeiro “e definitivo para o futuro” contato com a gastronomia em uma viagem para a França. “Eu não escolhi a gastronomia, ela me escolheu”, brinca.
Após um curso básico de gastronomia, a chef aprendeu com os franceses o valor da terra, dos produtos regionais e de como transformar temporadas de produtos em comida. “Depois disso me apaixonei pela cozinha, mas não comecei a cozinhar de forma profissional… Abria minha casa para algumas pessoas e fazia pratos especiais para amigos e familiares”, explica.
Contudo, o tempo passou e um convite surgiu: a amiga, Ana Victoria Neddermeyer (hoje à frente da Nolina Pizza), convidou Roberta para um duo a quatro mãos no projeto L’épice Food Lab, uma agência que realizava eventos de gastronomia espalhados por Brasília.
Após alguns anos, resolveu estudar nutrição e unir esses dois mundos, uma vez que o maior direcionamento de seu trabalho é o equilíbrio entre o conhecimento técnico e aprofundado das propriedades dos alimentos e da arte da gastronomia.
“Aprendi de verdade a cozinhar quando eu coloquei a mão na massa e vi que a gastronomia por ela mesma não me bastava. Eu sempre tive muito interesse em saber mais sobre os alimentos e o processo produtivo, então resolvi estudar de forma mais aprofundada sobre”, contou.
Nova fase: a Comedoria Sazonal
Em 2020, sem eventos para atender durante a quarentena, Azevedo viu a oportunidade de abrir o restaurante flexitariano Comedoria Sazonal, local que tinha como pilar os insumos da estação, os produtores locais, as culturas e hábitos alimentares, além do fortalecimento econômico, social e ambiental da cadeia alimentar. Além de gestora da empresa, que ficava dentro da comunidade criativa Infinu, na 506 Sul, ela atua na área de consultoria e implementação de novos negócios de gastronomia e nutrição.
De portas fechadas desde o último domingo (5/3), o restaurante não funcionará mais no formato tradicional. “Fechamos as portas dos pontos físicos, mas continuamos com a marca e projetos paralelos, de consultoria”, adiantou com exclusividade. Ela afirmou ainda que o best-seller da casa, o carrot cake, continuará sendo vendido sob encomenda. “Estamos focados nos produtores, pequenos projetos… A ideia é disseminar a cultura de uma comida mais limpa e consciente”.
“O olhar feminino sobre os negócios”
Na entrevista, a empresária endossou que não costuma pensar sobre as diferenças entre homens e mulheres. “Eu sei que ainda é um mundo muito dos homens e cozinheiros, mas eu só vejo vantagens em ser uma mulher empreendedora nessa área”, frisa. “Eu acho que nosso desafio maior é amentar o número de mulheres na área, para termos mais chefs, cozinheiras, mixologistas e empresárias no ramo”.
Ela avalia que o olhar feminino sobre os negócios é diferente e isso impacta diretamente no mercado:
“A gente faz a gestão de forma feminina … Existe o afeto, o acolhimento, a gestão mais organizada das mulheres que trabalham com gastronomia de forma geral”, pontua.
Mesmo assim, ela comenta que o mundo gastronômico está passando por uma grande transformação. “Esse olhar para as mulheres no mercado e esse espaço que estamos ganhando faz com que a gente fique mais endossada, visível e reconhecida. Eu acho que temos espaços consolidados, mas ainda podemos mais, ocupar mais lugares e mostrar ainda mais para o mundo do que somos capazes”, finaliza.
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Projetos paralelos
Dentre as novidades, Roberta indica conhecer o novo menu do Ernesto Cafés Especiais, que carrega sua assinatura. “É um menu bem gostoso, afetivo e vem com a bagagem de uma tendência de mercado: o cliente ir em um café a qualquer hora do dia e ter um menu que abarque café da manhã, brunch, almoço, lanche da tarde e jantar”, explica, indicando “ficar de olho” nos estabelecimentos que estão investindo nesse formato.
O cardápio feito por ela conta com pratos como Cuscuz da Terra (R$ 34), com farinha d’água, feijão fradinho, cenoura assada com melado, couve-flor assada com cominho, cebola roxa caramelizada, ervilha torta e finalizada com granola salgada e rama de cenoura; e pancetta com angu (R$ 48), que leva barriga de porco à pururuca com polenta de fubá crioulo, salada de couve marinada no limão, picles de maxixe e finalizada com crocante de fubá crioulo. Ao todo são sete opções, disponíveis em todas as unidades do Ernesto diariamente das 11h30 às 15h.
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Presença forte em um mercado “conservador”
Outra chef de cozinha que merece destaque é Catarina Freire. A jovem começou na gastronomia vendendo bolos na faculdade e percebeu que aquele poderia ser o seu futuro. “Um dia, uma professora comprou todos os bolos e me questionou se eu estava feliz naquele curso. Nunca mais voltei. No semestre seguinte, dei inicio a minha profissionalização na faculdade de gastronomia”, contou.
Ao Metrópoles, ela relembra que já trabalhou com o chef Thiago Paraiso e assumiu a cozinha de três pontos no DF: Nakombi, Southside e Nosso Burguer. Além deles, se especializou em gastronomia autoral e em gestão de negócios gastronômicos e atua como consultora de alimentos e bebidas. “Estou desenvolvendo minha empresa, com meu nome, para me tornar referência no que faço”, frisa.
Nessa caminhada, ela comenta que, infelizmente, o equilíbrio entre homens e mulheres na gastronomia de Brasília apresenta discrepâncias e abismos. “Basta checar os indicados aos ‘prêmios’ gastronômicos anualmente: homens brancos, cisgenero e heterossexuais ainda aparecem na mente da sociedade quando falamos em chefs de cozinha”, aponta.
“Como mulheres profissionais da gastronomia, temos muito a explorar dentro desse mercado que nos tolera diariamente. Ser mulher é ser resistir e isso por si só já é um imenso desafio. Ser mulher preta dentro do ambiente de cozinha é viver sempre questionando se estou certa, se me vesti certo, se falei certo”, diz a chef.
Cercada de um mercado gastronômico que afirma ser “conservador” e “pouco disposto a arriscar”, Catarina salienta que a indisponibilidade do público para o novo faz com que as gerações mais novas de profissionais da cozinha fiquem na “zona de conforto”. “Eu diria que o maior desafio, para mim, é lembrar diariamente que esse espaço é meu”, frisa.
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Para crescer cada vez mais, Freire não descansa: “Estabeleci que 2023 seria o ano em que eu começaria a consolidar de fato minha carreira dentro do mercado brasiliense. Na eminencia dos 28 anos, retorno para o lado de Thiago Paraiso em uma empreitada chamada Contexto Bar“, entregou. “Além disso, estou dando aulas de gastronomia em uma escola do Sudoeste ao lado de Gustavo Sasaki e indo atrás de parcerias com empreendedoras do setor para caminharmos juntas em busca da legitimação de nosso espaço”, finaliza.
Da cozinha ao balcão
Nem só de comida vive a presença feminina nos bares e restaurantes do país. Nos últimos anos, houve um aumento significativo do número de mulheres trabalhando na coquetelaria brasileira. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), em 2019, cerca de 30% dos bartenders do país eram mulheres, algumas delas reconhecidas internacionalmente.
Uma mulher que está se destacando em Brasília é a mixologista Ana Negra. Referência quando o assunto é drinque em Brasília, a bartender comanda o bar da Casa Mimo. Mas a história dela com os copos começou um pouco antes: “Eu comecei a trabalhar em eventos no ano de 2017, após concluir a faculdade de Engenharia, por motivos financeiros. E, aleatoriamente, fui convidada pra trabalhar em um beach club na Bahia, fazendo drinques”, diz.
Mesmo sem experiência, ela topou o novo desafio e acabou crescendo dentro da empresa. “Passei por muitos estágios dentro de um bar, de backbar, bartender, chefe, eventos, consultorias, treinamentos… Após muito estudo acadêmico, entendi que gostava de criar e vi um potencial a ser alcançado”, explica, frisando que nunca deixou de estudar sobre coquetelaria e está em constante aprendizado.
Como mulher, ela afirma que enfrentou muitas dificuldades e ainda passa por “perrengues” por conta do gênero. “Em sua grande maioria, os clientes e colegas de trabalho dão muito menos validação no trabalho. É como se precisássemos sempre nos reafirmar e ter que provar o tempo todo que somos capazes de fazer o que estamos propondo”, comenta. Ela fomenta que a linha entre homens e mulheres na coquetelaria ainda está distante do equilíbrio.
“Vamos dando pequenos passos significativos. Ainda precisamos ocupar mais espaço, mas, para além disso, ter a mesma valorização, respeito e validação que homens no mesmo cargo”, declara Ana.
Negra ainda complementa que o potencial concentrado nas mulheres que se destacam é enorme. “Vejo um olhar mais sensível, metódico e comercial com uma visão muito mais ampla do que em outros momentos que vivemos. São mulheres que tão sempre se atualizando em tendências, técnicas e na riqueza de ingredientes disponíveis.”
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Para o futuro, a profissional planeja disseminar a cultura da coquetelaria em Brasília.
“Vamos realizar o curso Coquetelaria na Prática no mês de março e abril com vagas sociais. O foco é poder repassar o conhecimento que tivemos durante a carreira, teorizar o conhecimento prático e formar profissionais bem instruídos”, diz. “Outro projeto pessoal é usar minha imagem e a visibilidade que tenho na área para ‘reeducar’ as pessoas sobre as possibilidades na coquetelaria, dando ênfase para a junção de memórias afetivas, ancestralidade e diáspora”, entrega.