Conheça a história da dona do restaurante Bali, em Brasília
A simpática dona do restaurante Bali conta a saga entre a infância de atleta na capital da Indonésia e a rotina de cozinhar para clientes que se tornam amigos
atualizado
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São 18h40 de uma sexta-feira. Na comercial da quadra 410 Sul, alguns bares começam a ficar agitados. Mas ao lado de um deles, calmamente, uma senhora destranca um cadeado e abre as portas de seu restaurante. Aos 67 anos, Suely Lim Chew (foto) é dona do tradicional Bali e faz questão de atender pessoalmente – e diariamente – os clientes. Ou, no caso, amigos.
Este repórter é um deles. Frequento o restaurante desde quando me mudei para Brasília, há 20 anos, ainda criança. Fazia algum tempo que não ia lá, mas Suely logo me reconhece e convida para entrar. A boa memória é um dos talentos dela, que costuma lembrar dos pratos preferidos dos fregueses. Explico que gostaria de escrever uma matéria sobre sua história em Brasília. Com um sorriso no rosto, ela pede para eu me sentar à mesa que costuma ficar.
A primeira pergunta que faço é sobre a infância. Ela conta que nasceu em 1948 na cidade de Jacarta, capital da Indonésia, localizada na Ilha de Java, uma das 17 mil do país. (As referências geográficas também podem ser vistas no salão do restaurante, ornado com mapas da região). E, diferentemente das histórias de imigrantes que usualmente ouvimos, a família dela não enfrentava dificuldades. “Meu pai era um empresário talentoso. Gostava de comprar fábricas falidas e reerguê-las. Eu e meus seis irmãos mais novos morávamos em uma casa linda, com três empregados”, lembra-se.
Ela aproveita para falar de uma de suas paixões: a natação. “Meu pai me colocou para treinar ainda bem pequena. Era para eu ser uma atleta olímpica.” Até hoje ela nada todos os dias no condomínio em que mora. A mudança, aliás, somente aconteceu porque o local conta com quatro piscinas, que permitem a atividade diária. “Não virei profissional, mas tenho muitas medalhas de competições voltadas a pessoas mais velhas”, conta,orgulhosa.
A trajetória de atleta foi interrompida pela grande mudança de sua vida. No início da década de 1960, seu pai resolveu apostar em um país do outro lado do mundo. “Não tinha internet naquela época, mas todos falavam muito bem do Brasil. Diziam que tinha muita oportunidade. Meu pai, que era corajoso e aventureiro, decidiu se mudar para cá”.
A primeira parada foi em São Paulo, onde ficaram por um ano. Em seguida, o patriarca da família Chew comprou uma fazenda no interior do estado, na cidade de Suzano, para a criação de galinhas. “Eram milhares delas. Mas não tínhamos luxo. Trabalhávamos muito. Eu lavava, cozinhava, estudava e como era mais velha, ensinava português para meus irmãos”.
A dedicação talvez explique o fato de Suely falar bem o português. O sotaque é carregado, mas as frases são bem construídas e bem pronunciadas. Ela ainda esnoba. “O idioma não foi tão difícil. Na indonésia a língua é uma mistura de holandês com inglês e espanhol. O alfabeto é parecido, mas a maioria das palavras são oxítonas, enquanto aqui são paroxítonas”.
Aposta em uma nova terra
Os negócios no interior paulista, porém, não deram muito certo. “O preço do frango e dos ovos caíam e as galinhas viviam doentes”, explica Suely. A saída foi uma nova mudança. Em 1967, a família Chew chega a Brasília em busca de oportunidades.
Com a capital ainda em desenvolvimento, o pai de Suely investiu na compra de pequenos mercados. “Foi a época que ganhamos mais dinheiro. As pessoas precisavam de tudo”. O sucesso fez com que a família adquirisse outros pontos comerciais e Suely pôde iniciar seu próprio mercadinho, na 209 Sul.
A vida pessoal também reservou boas surpresas. Em 1973, Suely se casou com o marido, também indonésio, que conheceu no interior de São Paulo. Nos anos seguintes, teve seu filho mais velho, atual vice-presidente da Confederação Brasileira de Badminton (CBBd), e suas duas filhas, uma servidora do Tribunal de Justiça do DF e outra recém-concursada no Ministério da Educação. “São todos muito inteligentes. Meu filho cozinha tão bem quanto eu”, diz a mãe coruja.
Dom divino
Foi somente em 1995 que Suely conseguiu realizar o maior sonho de sua vida. Há 21 anos, ela inaugurava o Bali, restaurante de comida típica da ilha indonésia. “Mas a comida lá é assim mesmo?”, pergunto. “É, sim. Eles usam muitos peixes e frutos do mar e temperos que uso aqui, como leite de coco, açafrão, capim-santo, noz-moscada”. Para manter a tradição, ela ainda viaja eventualmente para a terra natal, quando aproveita para visitar familiares.
Segundo Suely, o talento na cozinha é um “dom divino” que desenvolveu com a ajuda do pai. “Ele viajava bastante entre as ilhas da Indonésia e aprendia muitas receitas. Ele que me ensinou o que sei.”
O restaurante pouco mudou desde a inauguração. A decoração é simples, quase caseira, em tons de marrom. Um salão grande no subsolo pode ser alugado para festas. “Tem aniversário, casamento, bodas. Fazemos o buffet com comidas típicas. É muito divertido”. Mas meu lugar preferido é nos fundos, onde mesas redondas, com o centro móvel, abrigam famílias ou grupos de amigos, principalmente no horário do almoço.
Os pratos, com toques conhecidos da culinária oriental, parecem ser preparados com carinho. A própria presença de Suely dá um toque a mais de comida de vó. Mesmo que seja uma comida de vó indonésia, incluindo macarrão com frutos do mar, carne javanesa ou frango à moda de Bali.
Mas o destaque, na humilde opinião do repórter, está nas entradas. Não há como ir ao Bali sem experimentar o Wan tan, uma espécie de bolinho de frango empanado em uma massa crocante, ou o rolinho primavera. De longe, o melhor de Brasília. Ou mesmo além. “É melhor do que na própria Indonésia”, gaba-se Suely. Ela ainda afirma que, fora do restaurante, faz picanha e feijoada como ninguém.
Simpatia e fidelidade
Além da comida, a grande atração do Bali é a própria Suely. Sempre falante, gosta de sentar-se com os clientes e contar histórias. O jeito simpático, segundo ela, garante o sucesso do restaurante. “Fiz grandes amigos. Quando não voltam para comer, voltam para me ver”, conta rindo.
E não é força de expressão. Bastou alguns minutos de entrevista para um casal, acompanhado de uma filha adolescente e seu namorado. “Dona Suely, como está você?”, logo falaram. “Muito bem. Como essa moça está grande. Lembro dela pequenininha correndo aqui”, responde a dona do restaurante referindo-se a moça. Pouco tempo depois escuto que a família frequenta o local desde o início, há uns 20 anos, tal como eu.
A fidelidade dos clientes garante a permanência do estabelecimento, mesmo em tempos de crise. “Não fomos muito afetados. Quando o salão está vazio, o pessoal das embaixadas pedem comida para entregarmos lá”. Boa parte da clientela é diplomata. Segundo Suely, os representantes do Suriname, da Rússia, dos EUA e, claro, da Indonésia, estão entre os mais frequentes. “A embaixatriz da Rússia é muito minha amiga. Às vezes vem só para me ver”.
Ao fim pergunto: “Mas não bate uma saudade, uma vontade de voltar?”. E ela logo responde: “Não, só para ver família, passear. Mas amo muito o Brasil e especialmente Brasília. Realizei meus sonhos e criei raízes na cidade. Meus filhos e netos, uma jovem e um adolescente estão aqui”.
Me despeço, mas antes que eu saia, é ela quem faz a última pergunta, no estilo vó já citado: “Não vai comer nada?”. Não resisto. “Uma porção de wantan, por favor”.