Você conhece a baunilha do Cerrado? Especiaria floresce em Brasília
Ligada a comunidades tradicionais, o ingrediente tem ganhado mais espaço na gastronomia graças ao sabor intenso e frutado
atualizado
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A baunilha é utilizada na culinária há pelo menos 400 anos. As vagens têm sabor adocicado e intenso, sendo a segunda especiaria mais cara do mundo – atrás apenas do açafrão espanhol. Normalmente cultivada em Madagascar e países do leste asiático, como Papua Nova Guiné, o tradicional ingrediente encontra um concorrente de peso no Cerrado.
De nome científico Vanila edwalli, a baunilha do Cerrado, ou baunilha-banana, vem de belas orquídeas amareladas, com favas gigantes se comparadas às africanas.
A vagem, fruto da orquídea, é a especiaria em questão. Pode chegar a 25cm de comprimento e possui formato alongado (daí a alusão à banana). Quando crua, ainda na árvore, tem a superfície oleosa. Cresce naturalmente no bioma Cerrado e, nos últimos anos, recebe mais atenção dentro da gastronomia.
Raridade
Encontrar a baunilha do Cerrado não é tarefa fácil. Seu cultivo, assim como o do fruto africano, demanda muito trabalho. Cada flor dá poucas favas por ano. Além disso, a extração precisa ser feita delicadamente.
A baunilha foi catalogada pelo movimento Slow Food na iniciativa Arca do Gosto, um cadastro mundial que descreve e divulga sabores ameaçados de extinção, mas ainda vivos e com potenciais produtivos e comerciais reais.
Além da Arca do Gosto, o projeto realizado pelo Instituto Atá, do chef Alex Atala, busca auxiliar famílias da comunidade quilombola Kalunga a ter mais qualidade de vida e desenvolvimento a partir da venda da baunilha e de outros produtos típicos. Sendo assim, além de deliciosa, a especiaria faz parte de uma ação social.
Barão da baunilha
O dinamarquês Simon Lau Cederholm é um dos amantes da biodiversidade do Cerrado. Comandou o premiadíssimo restaurante Aquavit, que encerrou as atividades em 2013. O estabelecimento funcionava na casa do chef, onde ele mantém plantação de baunilha no quintal.
Plantar baunilha é um processo lento. Estamos voltando a 10 mil anos atrás, quando eramos coletores. Estou fazendo isso de novo aqui, com essa planta. Até porque transformá-la em fava é o mais fácil de tudo. Difícil mesmo é manter a safra
Simon Lau
O chef conta que trabalha com a especiaria em sua residência há pelo menos 10 anos e, ainda assim, se surpreende com as diversas possibilidades. Mesmo com várias plantas, não consegue recolher mais de sete favas por ano. Em sua propriedade na Cidade de Goiás (GO), ele tem um número maior de orquídeas. Foi lá, inclusive, onde teve o primeiro contato com a baunilha do Cerrado.
Há mais ou menos 15 anos, um senhor com cara de bicho do mato, bem simples, bateu em minha porta dizendo vender baunilha. Estava tudo dentro de uma caixa de sapatos. Como a iguaria é muito cara, cheguei a pensar que era outra coisa. Quando eu vi o tamanho da fava, quase ‘tive um treco’. Comprei um monte e me apaixonei
Simon Lau
Produção caseira
O chef ensina a trabalhar com a orquídea trepadeira. As vagens estão prontas para serem colhidas quando começam a apresentar pequenos pontos pretos, como a banana. Então, é só deixar secar por cerca de 3 dias para desenvolver sabor e perfume.
Como não precisa viajar por longas distâncias para chegar ao consumidor, basta conservá-la no açúcar. Uma mesma fava pode ser utilizada em diversos pratos. Dá para usar as sementes em doces, sucos, infusões e outros preparos. Vale ressaltar que a baunilha do Cerrado é levemente mais ácida que a tradicional.
Sobre o preço, o chef completa: “Com certeza tem inflacionado, uma fava custava R$ 1. Hoje, é encontrada por R$ 10. Mas isso é bom, porque motiva as pessoas a plantarem em casa. Quando o agricultor, o dono de terras, vê nisso uma possibilidade de lucro, pensa duas vezes antes de desmatar. Conheço pessoas que deixaram de criar gado pra coletar frutas e plantar baunilha do Cerrado”.