Precisamos parar de nacionalizar clássicos da gastronomia estrangeira
É importante valorizar a língua e a cultura, mas chegamos a um ponto de exagero que deve ser discutido
atualizado
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Recentemente um fato gerou burburinho no BBB22. Tiago Abravanel mencionou que faria um croque monsieur diferenciado, mas, ao descrever o prato, disse ser um sanduíche de requeijão feito no forno. Tudo errado. Ainda assim começaram os movimentos que questionavam chamar pelo nome francês e não de sanduíche de forno, o que não faria sentido, porque o croque é tão específico quanto o bauru ou o misto quente. Ele é feito no pão de forma, com presunto, queijo ementhal e molho branco e gratinado com queijo gruyère.
Nomes estrangeiros de preparos já existentes no país, e que ganharam um nome nacional, de fato não precisam ser usados. É completamente desnecessário chamar churrasco de barbecue, defumador de pit smoker, macarrão de pasta, e assim vai. Agora, existem preparos que são específicos, consagrados na gastronomia e não possuem um equivalente nacional. E esses não devem ser traduzidos para um preparo já existente no país. Explico.
Ano passado, por exemplo, publiquei a receita do cupcake de carrot cake. Ridicularizaram os nomes, mas sem usar o tutano. O cupcake não é um “bolinho”, é um batido pesado específico feito em forminhas. Seria o mesmo que chamar brigadeiro de trufa confeitada, não é a mesma coisa. E o carrot cake não é um bolo de cenoura. Primeiro, porque é um preparo extremamente específico da confeitaria estadunidense, que leva cenoura ralada e especiarias e é coberto com um creme ácido de cream cheese. Segundo, porque temos uma concepção própria de bolo de cenoura, que é aquele normalmente feito com cenoura batida com os outros ingredientes no liquidificador e coberto de calda de chocolate ou brigadeiro.
Imagine você pedindo em uma confeitaria aqui no Brasil um bolo de cenoura e chega na mesa um carrot cake. Ia ser um momento de inversão de expectativas e, provavelmente, de decepção. O mesmo ocorre com diversos outros preparos: pain au chocolat não é um pão de chocolate, mas uma massa folhada recheada com bastões de chocolate amargo; cheesecake não é um bolo de queijo, inclusive o nosso bolo de queijo não tem nada a ver com isso. Os exemplos são infindáveis.
Imagine também o caminho inverso, com outros países querendo traduzir nossa caipirinha, feijoada, coxinha, empada, pão de queijo e outros quitutes extremamente específicos. Não dá certo, não é mesmo?
Acho que, no final, caímos na mesma máxima de qualquer discussão de internet: tenha conhecimento antes de se posicionar. Se for uma estrangeirização de um preparo já existente aqui ou genérico, vamos usar o português, se for uma receita consagrada e específica, usamos o nome original.