Por que relacionamos alimentação saudável à falta de prazer?
É preciso acabar com esse lugar-comum de que “comida gostosa” fura a dieta
atualizado
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Recentemente vi um post de uma endocrinologista falando dos “vilões” da dieta no Instagram. Tratava-se de uma figurinha que destacava frases como “hoje o dia foi horrível, vou comer algo gostoso”, “hoje trabalhei demais, mereço algo gostoso”, “fui promovido, mereço comemorar com algo gostoso”. E, ela, claro, te ajudaria a não cair nessas “armadilhas”. Com um passado de obesidade, acho essa abordagem problemática.
Me preocupou muito ver algumas coisas. Primeiro, a demonização de considerar comida como uma recompensa ou prazer, afinal, somos mamíferos e instintivamente o fazemos. Mão há nada de errado nisso. Outra coisa que pondero é: por que o “algo gostoso” é necessariamente algo fora do plano alimentar?
Começo fazendo um adendo, profissionais de saúde devem buscar a saúde, não um tipo de corpo. Não há necessidade de falar que está gordo ou que precisa emagrecer. Tenha certeza que o paciente ouve isso o tempo inteiro da família, amigos, afetos, mídia e desconhecidos. No consultório, ele precisa de acolhimento.
Retomando, acho que por muito tempo a nutrição, nutrologia e endocrinologia andaram em separado da gastronomia. Da minha vivência (obviamente não posso expandir para todo o universo de profissionais), conheço poucos da área que aceitam o prazer por comer como parte dos planos alimentares propostos e isso na verdade é um reflexo da sociedade, não dos profissionais.
Chegamos ao cúmulo de ter uma “refeição lixo” nome tão errado que é difícil saber por onde começar. Felizmente estão substituindo para “refeição livre” e vejo alguns profissionais que de fato se aprimoraram e seus pacientes chegam a até pular esses momentos, já que não há necessidade.
Já fiz alguns jantares para amigos aqui em casa e ao final perguntei o que acharam. Depois de saber que todos estavam bem satisfeitos com a indulgencia da refeição, ressaltei que era o que chamavam de “comida de dieta”. Já servi em evento, como entrada, berinjelas tostadas com molho espesso de tomate e crocante de castanha-do-pará; salmão, vinagrete de folha de alho-poró, abóbora tostada e cevadinha salteada, como prato principal. Sobremesa costuma ser mais difícil, mas servi frutas embebidas em calda de vinho branco e kefir com raspas de limão. Delicioso, não é mesmo? E saudável.
As opções para um cardápio saudável e saboroso são infinitas, basta você apresentar o que pode e o que não pode comer a um cozinheiro competente. Pode ter certeza que ele vai apresentar combinações que você não pensaria duas vezes em pedir em um restaurante sem pensar em dieta.
Obviamente não dá para ter tudo. Você não pode se acabar em doces, ultraprocessados e tudo mais, mas pode ter prazer e recompensa em pratos que não te tiram tanto da linha, além de poder em alguns momentos se dar sim ao prazer dos excessos. Basta voltar ao normal na refeição seguinte e saber que isso foi só uma pausa. E não fazer constantemente.
Outro problema que vejo é o tecnicismo dos profissionais da área, mas a falta de empatia e humanização do trabalho. Muitos não sabem o que é ser gordo, o que é ter compulsão alimentar, o que é descontar frustrações na comida. Apenas estudaram, mas não se empenharam em de fato entender.
Já passou da hora de gastronomia, saúde e ciência alimentar se juntarem para tirar esse falso estigma da sociedade e passarmos a nos alimentar bem e por prazer. Eu já reforço isso bastante em minhas redes e, em uma escala e alcance infinitamente maiores, Paola Carosella e Rita Lobo também. É possível, pessoal.