Haute cuisine: conheça os bastidores da cozinha da embaixada francesa
Comandado pela chef Bárbara Bicalho, o espaço serve a autoridades nacionais e internacionais com rigor e técnica
atualizado
Compartilhar notícia
País que transformou a culinária em alta gastronomia, a França é o berço do Guia Michelin (chamado por muitos de a bíblia dos gourmets) e do conceito de elegância à mesa. A pedido do Metrópoles, a Embaixada da França em Brasília abriu as portas de sua cozinha. Acompanhamos os bastidores da produção do jantar de gala do Goût de France. A operação foi comandada pela chef brasiliense Bárbara Bicalho, 32 anos.
A profissional atua na cozinha desde 2015. É ela a mente criativa por trás dos menus oferecidos em coquetéis e todo tipo de evento oficial. Bárbara coordena a equipe formada por Mônica Nunes e Sebastião Sena, responsável pelos doces e sobremesas.
Dividida em duas instalações, a sede e a residência oficial, a embaixada está localizada na 801 Sul. No salão principal, com capacidade para receber até 40 pessoas, a hora de servir segue uma série de regras. “O convidado de honra sempre é o primeiro a ser servido, enquanto o anfitrião – no caso, o embaixador – é o último”, explica Sébastien Mahe, o administrador-geral. Quando há uma autoridade religiosa, ela automaticamente ganha a preferência.
Veja detalhes de um jantar de luxo na Embaixada da França em Brasília:
Outro espaço muito utilizado na embaixada é a sala anexa ao salão principal, onde há um jardim de inverno capaz de comportar até 16 convidados. “O embaixador costuma oferecer cafés da manhã e chás nesse ambiente”, diz Sébastien.
Por fim, há o terraço, localizado na área externa, à beira da piscina. É o local indicado para as maiores recepções realizadas na embaixada, como o 14 Juillet – data comemorativa da Queda da Bastilha. Nessas celebrações, a lista de convidados costuma bater a marca de 1,5 mil pessoas.
Um costume comum do serviço oferecido em dias de jantares de gala é que, antes de seguirem para a sala de jantar, os convidados degustam aperitivos com pequenos canapés e champanhe na biblioteca reservada. Após a refeição, todos retornam ao ambiente. Lá, entre mercis e au revoirs, a celebração termina com café e um licor digestivo.
O refinado gosto diplomático
Perguntada sobre as diferenças entre as cozinhas de uma embaixada, de um hotel e de um restaurante, a chef diz que a distinção está diretamente ligada ao nível e quantidade de eventos. “São várias ocasiões e temos uma planilha semanal [com uma média de quatro recepções]”, conta.
Na residência diplomática, há desde o café da manhã, em que são servidos financiers artesanais, até recepções com empratados ou galas. “Costumo criar menus de acordo com a natureza dos encontros – se é um almoço, algo para poucas ou 2 mil pessoas, quando servimos mais de 30 tábuas de queijo e 70 de frios”, completa.
Sobre o processo criativo de criar um menu para uma ocasião de gala, Bárbara diz que é o resultado de uma construção diária. “Pesquiso e produzo muito até eleger o cardápio. Gosto de uma mistura contemporânea. Me envolvo até na escolha da louça”.Entre uma redução de vinho diária e um plat du jour, a chef aprendeu diversas técnicas, como confitar, manipular o foie gras e limpar uma terrina. Ela elenca outros momentos importantes nesses últimos três anos: “Conhecer o premiado chef francês Alain Ducasse e viajar para a França, onde pude estagiar numa cozinha em Paris, a convite da embaixada”.
Fromage e baguette
“A França é o berço da gastronomia ocidental, e uma das oportunidades que tenho é trabalhar com técnicas francesas e insumos brasileiros. Gosto muito de usar uma base francesa e criar releituras de pratos tradicionais com matéria-prima nossa. Também gosto de misturar influências asiáticas e abordagem europeia – por exemplo, a Trilogia de Doces Brasileiros (com beijinho de creme patissier e leite de coco) e o chutney de cajá”, afirma.
Um dos privilégios do cargo, na opinião de Bárbara, é o acesso aos insumos franceses em largas quantidades. “O terroir francês se faz presente. Sempre recebemos frutos do mar, chocolates, foie gras, terrinas, queijos, pastas de amêndoas, pato confit, magret du canard e bebidas”, garante.
Conexão Brasil-França
A relação da chef com os embaixadores (ela já conviveu com três além do atual, Michel Miraillet, no posto desde setembro de 2017) é construída com curiosidade e claro, diplomacia. “Tento conhecer o gosto pessoal, a culinária típica de sua região de origem, se tem alergias ou intolerâncias e também como ele se envolve com comida – se é uma paixão, algo irrelevante ou até um elemento de valorização cultural”, revela.
E como é cozinhar para um embaixador? A chef conta que, entre as receitas favoritas do atual diplomata, estão: curry de legumes com ballotine de sobrecoxa de frango; roulade de lagostim com molho hollandaise; tartares; mousselines e saladas leves.
Não é raro esbarrar em diferenças culturais demonstradas através da culinária. “Já aconteceu de um dos convidados ser muçulmano e o menu conter carne de porco, alimento proibido no Islã. Driblamos a situação com rapidez na cozinha”.