Do campo à mesa: a rota dos queijos artesanais no Distrito Federal
Criadores de vacas, ovelhas e cabras se fazem conhecidos na gastronomia local graças à parceria com vendedores e clientes
atualizado
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Um queijo sem conservantes, feito artesanalmente a partir do leite de gado de pasto e com processos de qualidade controlados rigorosamente. Parece coisa de europeu, mas produtos assim podem ser encontrados por aqui mesmo, em Brasília. A capital federal concentra não apenas lojas focadas neste tipo de insumo, mas tem produção local de queijos artesanais.
Este é o caso de Américo Ferreira, servidor aposentado e criador de vacas na Cidade Ocidental (GO). “Sempre tive terra nas unhas. Quando vim para Brasília, logo procurei um sítio para cuidar”, lembra o alagoano, que chegou à capital federal em 2001. O queijo, ele conta, foi uma produção quase incidental. “Eu estocava o leite para aguentar as altas e baixas do mercado. Quis voltar a ter queijo artesanal na família, e aí comecei a fazer”, comenta.
O produtor decidiu unir elementos de sua infância: a cultura nordestina e a comida artesanal, traduzidas no leite de manteiga feito pela avó. “A lembrança que tenho é a dela fazendo o queijo cedo. A gente acordava para tomar café da manhã e tinha o produto do dia, fresco. Marcou minha memória, quis fazer porque é um produto que agrega as pessoas”, garante.
Para aprender, Américo teve que visitar um estado vizinho: fez cursos sobre o ofício no Instituto de Laticínios Cândido Tostes, em Juiz de Fora (MG), e voltou para fazer seu produto. “O pessoal me pergunta se é queijo mineiro, eu digo que não. É o curado do Vale do Roncador, produto daqui”, garante.
Américo também produz queijo fresco prensado – o produtor não gosta de vender o produto com muito soro –, além de queijo tipo brie e doce de leite. Ele ainda está testando o tipo parmesão e vende garrafas do leite de suas vacas, da raça jersey: as fêmeas produzem um leite mais gordo, próprio para a produção queijeira.
Da França a Brasília
Depois de 37 anos lecionando francês na Universidade de Brasília (UnB), o professor José Arnildo Marquezin decidiu dedicar a aposentadoria à apicultura. Em 2007, ganhou algumas cabras e resolveu tentar emular os queijos que havia provado na França. “Não faço por dinheiro, é porque eu gosto. Sempre quis trabalhar a terra, produzir comida, e eu gostei do desafio de fazer queijos que se parecessem com os franceses”, comenta.
O queijo Barbiche – uma brincadeira com a barba do bode – é um fermentado que lembra o brie ou o camembert: macio e com miolo cremoso. “Considero que não é tão difícil fazer esse produto, porque existe uma variedade muito grande, raramente se perde o que se faz. Pode não sair o que eu planejei, mas sai um queijo que dá para comer. O problema é que o brasileiro não conhece muito queijo. Existe uma variedade enorme, mas a gente não consome tudo”, lamenta José.
Outro produtor da região é Ricardo Guida, da marca Vale das Ovelhas. O veterinário entrou no ramo de criação de ovelhas com um amigo e hoje voa solo na produção de queijos. “Por incrível que pareça, acertar o iogurte foi muito mais difícil que os queijos que produzo hoje”, lembra. Ricardo é responsável por duas estrelas do cardápio do Teta Cheese Bar: o Dente de Leão, um queijo com mofo branco; e o Azulão, um queijo com mofo azul, tipo Roquefort.
Embaixadoras do queijo
Como qualquer cadeia de produção artesanal, o queijo precisa de elos para chegar ao consumidor final. No caso de Américo, José e Ricardo, Marina Cavechia, sócia do Teta, é fundamental nesse processo. “A gente acaba ficando amigo do cliente. Conversamos bastante, ouvimos os retornos. Isso ajuda bastante, às vezes uma observação muda completamente a qualidade do produto”, comenta Ricardo.
“Uma coisa que eles fazem com tanto carinho, com tanto amor, e é reconhecido, vendido num lugar tão longe, com uma baita divulgação… Acho que esse reconhecimento faz bem para qualquer setor”, defende Marina. Para ela, é parte crucial do trabalho visitar as fazendas e ver como são feitos os processos para poder vender o queijo adequadamente aos clientes do bar. “O queijo artesanal e o pequeno produtor se valorizam quando você sabe a origem e a história deles”, garante.
Muitas vezes, os comerciantes passam mais tempo explicando o queijo e a história do fazendeiro que tentando vender o produto. Rosanna Tarsitano, dona da Tarsitano Sabor de Origem, se considera mais do que uma comerciante: é praticamente uma caçadora de queijos. “Aos poucos, o brasiliense está se conscientizando. Estão entendendo o que significa ter um queijo assim no dia a dia, e é uma valorização do produto local”, defende a empresária.
“O trabalho desse tipo de venda avançada é muito importante para o produtor. Elas são embaixadoras do queijo, procuram peças de qualidade e conseguem mostrar isso aos clientes”, elogia Américo.